PENSÃO ALIMENTÍCIA VITALÍCIA PARA MULHERES. QUANDO OCORRE?

 

Tem causado especulação por parte da sociedade, o fato de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ter consolidado entendimento sobre a proteção econômica de mulheres que abdicam de suas trajetórias profissionais para dedicarem-se integralmente aos cuidados domésticos e familiares. Em síntese, trata-se do seguinte: o STJ concedeu pensão alimentícia vitalícia à uma mulher, mas a decisão restou explicada e justificada, como veremos neste artigo.    

A decisão unânime da Terceira Turma do STJ no Recurso Especial nº 2.138.877/MG, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, estabelece paradigmas definitivos para fixação de alimentos entre ex-cônjuges quando demonstrada contribuição indireta através do trabalho doméstico não remunerado.

Nesse sentido, o STJ aplicou expressamente o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça, reconhecendo que “a ideia preconceituosa e equivocada acerca da divisão sexual do trabalho, na qual homens são sempre os provedores e as mulheres cuidadoras, pode acarretar distorções indesejáveis”.

A controvérsia judicial originou-se de situação emblemática nas relações conjugais contemporâneas. Vejamos o caso concreto:

As partes contraíram matrimônio em 1988 sob o regime da comunhão universal de bens. Permaneceram unidos por aproximadamente 29 anos até a separação de fato em 2017. Durante toda a constância da união, a mulher progressivamente reduziu suas atividades profissionais até o abandono completo. Dedicou-se exclusivamente à administração do lar e às tarefas familiares. Ou seja, a mulher entregou-se aos cuidados da casa, dos filhos e à construção da vida familiar.

Esse sistema de vida do casal produziu consequências práticas significativas para os cônjuges. Enquanto a esposa se afastava progressivamente do mercado de trabalho, o marido desenvolvia normalmente sua carreira profissional, chegando inclusive a obter aposentadoria especial com valores retroativos substanciais durante o período matrimonial.

Após a separação, a mulher encontrou-se em situação de extrema vulnerabilidade econômica, necessitando de auxílio financeiro dos filhos e dependendo de benefício assistencial do governo para sobreviver.

A questão processual central tratava de dois aspectos fundamentais: 1) a possibilidade de inclusão na partilha de créditos previdenciários recebidos pelo ex-marido após a separação; e 2) o direito da ex-esposa aos alimentos.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) havia negado ambas as pretensões. Quanto aos créditos previdenciários, fundamentou que “não existe nos autos pedido formulado, em tempo hábil, para a partilha dos referidos créditos acumulados”. Já em relação aos alimentos, entendeu que a recorrente havia “sobrevivido por cerca de cinco anos sem o auxílio financeiro do ex-marido”, demonstrando capacidade de autossustento.

Para a Ministra Nancy Andrighi, do STJ, a questão demandava análise sob dupla perspectiva: “se é possível, em ação de divórcio, o deferimento de pedido de partilha de bem superveniente, pertencente ao patrimônio comum do casal, relativo a documento novo juntado aos autos após a contestação; e se é devida pensão alimentícia entre os ex-cônjuges”.

O STJ adotou a compreensão de que “o patrimônio comum do casal constitui universalidade de direito”. E conforme estabelecido no acórdão, “enquanto não realizada a partilha, há uma massa universal e indivisa de bens que, a qualquer tempo, poderá ser extinta por meio da efetivação da partilha”. Ou seja, o STJ reconheceu a viabilidade de pedidos genéricos de partilha quando se trata de universalidade patrimonial.

O julgado enfatizou que, “detectando o juízo que a vontade inequívoca das partes se direciona ao partilhamento dos bens, sua atividade cognitiva deverá também se estender a esse pedido, ainda que genérico”.

Ademais, o tribunal aplicou entendimento consolidado sobre juntada de documentos novos, estabelecendo que “é entendimento consolidado desta Corte Superior a viabilidade de juntada de documentos novos, inclusive na fase recursal, desde que não se trate de documento indispensável à propositura da demanda, inexista má-fé na sua ocultação e seja observado o princípio do contraditório”.

A questão dos créditos previdenciários ganhou tratamento específico através da aplicação da jurisprudência consolidada sobre comunicabilidade de benefícios concedidos durante o casamento. Conforme precedente firmado no REsp 1.651.292/RS, “deverá ser dada, à aposentadoria pública, o mesmo tratamento dispensado por esta Corte às indenizações trabalhistas, às verbas salariais recebidas em atraso e ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço”.

Como registrado pela relatora, a aposentadoria especial foi concedida ao ex-marido “desde 15/09/2015 e determinou o pagamento dos valores atrasados pelo INSS” durante período em que as partes ainda se encontravam vinculadas pelo casamento.

Por outro lado, o tribunal considerou que “a eventual incomunicabilidade dos proventos do trabalho geraria uma injustificável distorção em que um dos cônjuges poderia possuir inúmeros bens reservados frutos de seu trabalho e o outro não poderia tê-los porque reverteu, em prol da família, os frutos de seu trabalho”.

A fundamentação para concessão de alimentos entre ex-cônjuges baseou-se na aplicação de critérios específicos estabelecidos pela jurisprudência do STJ. E conforme consta do acórdão, “em regra, os alimentos entre ex-cônjuges devem ser fixados com termo certo, suficiente para assegurar ao alimentando tempo hábil para o reingresso no mercado de trabalho”.

No entanto, a Corte reconheceu exceções ao princípio da temporalidade quando presentes circunstâncias que impeçam a autonomia financeira e decidiu que excepcionalmente, admite-se a manutenção do pagamento por prazo indeterminando nas hipóteses de incapacidade laborativa; ou impossibilidade de inserção no mercado de trabalho; ou impossibilidade de adquirir autonomia financeira”.

No caso concreto, o conjunto probatório demonstrou situação de excepcionalidade por meio de três elementos fundamentais: “a alimentanda, embora não seja pessoa idosa, já possui idade avançada; não desenvolve atividade profissional remunerada há mais de 15 anos; realiza tratamento de saúde em razão de quadro de depressão”.

Eis que surgiu na decisão da relatora a perspectiva de gênero e o reconhecimento da contribuição doméstica. A inovação metodológica veio pela aplicação expressa do “Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero” nas questões alimentares entre ex-cônjuges. E como registrado pela Ministra Nancy Andrighi, o protocolo “alerta para a ideia preconceituosa e equivocada acerca da divisão sexual do trabalho, na qual homens são sempre os provedores e as mulheres cuidadoras”.

Nessa perspectiva, o tribunal reconheceu que “o fato de a recorrente ter conseguido sobreviver com a ajuda de terceiros não desconsidera que abdicou de sua vida profissional para dedicar-se à vida doméstica, em benefício também do marido”. Essa compreensão alinha-se com orientação doutrinária contemporânea sobre valoração econômica do trabalho doméstico não remunerado.

Logo, a decisão estabelece que não se pode desconsiderar a contribuição através do cuidado familiar na análise dos pedidos alimentares. Dessa forma, reconhece-se que tal dedicação representa forma indireta de colaboração para o desenvolvimento patrimonial e profissional do cônjuge que permanece no mercado de trabalho.

A Terceira Turma do STJ fixou pensão alimentícia correspondente a “30% do salário-mínimo vigente desde a data da separação do casal”. Para isso considerou as necessidades da alimentanda e as possibilidades do alimentante.

A retroatividade à separação de fato reconhece que a vulnerabilidade econômica iniciou-se com o fim da proteção familiar. O percentual estabelecido harmoniza-se com precedentes da Corte Superior em situações análogas, considerando especificamente a idade avançada da beneficiária, o longo período de afastamento do mercado de trabalho e a comprovação de tratamento médico por quadro depressivo.

A decisão não estabeleceu prazo determinado para cessação da obrigação alimentar. Reconheceu-se, assim, que as circunstâncias específicas do caso – idade, tempo de afastamento profissional e condições de saúde – configuram impossibilidade real de reinserção no mercado de trabalho.

O STJ trabalha com um princípio básico: alimentos entre ex-cônjuges devem ser temporários. A lógica é simples – a pessoa deve ter tempo suficiente para se reorganizar e voltar ao mercado de trabalho, recuperando sua independência financeira. Mas existem situações excepcionais onde essa regra não se aplica. A própria Ministra Nancy Andrighi deixou isso claro na ementa: a pensão pode ser mantida “por prazo indeterminado” quando há incapacidade para o trabalho; impossibilidade de inserção no mercado de trabalho; e impossibilidade de adquirir autonomia financeira.

Como visto, o caso concreto relatado se enquadrou na exceção. A Corte analisou três fatores específicos que tornaram a situação excepcional: 1º) a mulher tinha “idade avançada” (52 anos na época) – não era idosa, mas estava numa faixa etária onde a reinserção profissional se torna muito difícil; 2º) ela estava “há mais de 15 anos” sem exercer atividade profissional remunerada, e isso significa qualificação profissional completamente defasada e ausência total de experiência recente; 3º) a mulher apresentava “quadro de depressão” comprovado por atestados médicos, realizando tratamento de saúde que impactava sua capacidade laborativa.

Pelo exposto e diante da decisão do STJ, vale considerar que, na prática, isso significa que a pensão continuará até que surja alguma mudança significativa nas circunstâncias – por exemplo, se ela conseguir se estabilizar profissionalmente ou se houver melhora substancial em sua condição de saúde. O ex-marido poderia, em tese, ajuizar ação de exoneração de alimentos no futuro, mas teria que provar que as circunstâncias mudaram substancialmente.

A meu sentir, já encerrando, o entendimento do STJ é claro: alimentos devem ser temporários, exceto quando a mulher não consegue reconstruir sua independência porque, durante anos, abdicou de si e cuidou da família. E percebo ainda que a decisão do tribunal não foi sobre dependência e muito menos sobre reparação, mas sobre o fato de que cuidar tem grande importância, e que o tempo dedicado ao lar tem valor para quem se beneficia dele e também para quem o entrega de bom grado.

E você, caro leitor, o que acha? Concorda com a decisão do TJMG, que negou a pensão, ou com a decisão do STJ, que aplicou a exceção e concedeu a pensão alimentícia vitalícia à mulher?

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. José C. F. Oliveira1 de outubro de 2025 às 16:52

    Coitados dos homens ter de pagar pensão vitalícia para ex-mulher. Pelo amor de Deus isso não pode ser e não tem base legal nenhuma. O que é isso? A mulher que separa do homem precisa ter seus direitos legais na divisão do patrimônio e nada de pensão alimentícia vitalícia. Isso é demais. Não concordo nunca. Dr. Wilson Campos o nosso judiciário está todo errado e sem cabimento. José C.F. Oliveira.

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  2. Maria Helena G. R. Alves1 de outubro de 2025 às 16:56

    Eu concordo com a decisão se a mulher não puder trabalhar e estiver doente mas depois de melhorar tem de trabalhar ou contar com a ajuda dos filhos sim e da divisão dos bens se é que existiam bens. Depois da divisão dos bens cada um segue seu caminho e vida que segue. A mulher não precisa de explorar o homem e trabalhar faz parte da vida e os juízes deveriam saber disso. A dignidade pesa. Doutor Wilson Campos seus artigos me interessam muito e leio sempre. Maria Helena G.R. Alves.

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