O DIREITO DE FICAR CALADO NA CPI.

 

Desde a instalação da CPI da Covid-19 a população brasileira torceu o nariz, não pelo fato de se investigar possíveis erros na condução do combate à pandemia ou demora na compra de vacinas, mas pelo fato gravíssimo de alguns membros da CPI não serem pessoas confiáveis, ou seja, certos senadores que ali estão não merecem nenhuma consideração ou respeito da sociedade, mormente diante dos seus passados tenebrosos de escândalos e processos.

Superada essa fase, embora não devesse, posto que quase insuperável diante da realidade factual, cumpre observar que os senadores não são juízes e devem se comportar tão e somente como parlamentares.

Os poderes das CPIs não são idênticos aos do Poder Judiciário. Os senadores não possuem os mesmos poderes dos juízes, uma vez que estes têm prerrogativas asseguradas na Constituição Federal, que não são outorgados às Comissões Parlamentares de Inquérito. Aliás, nesse sentido vale consultar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) no “MS 23.452”, de que tais poderes são reservados pela Carta Magna apenas aos magistrados.

Assim, a CPI não pode: determinar a indisponibilidade de bens do investigado; decretar a prisão preventiva (pode decretar somente prisão em flagrante); determinar o afastamento de cargo ou função pública durante a investigação; e decretar busca e apreensão domiciliar de documentos.

A rigor, é jurisprudência pacífica no STF a possibilidade do investigado ou acusado permanecer em silêncio, evitando-se a autoincriminação. De tal garantia decorrem, para a pessoa objeto de investigação, e, até, para testemunha, os seguintes direitos: 1) manter silêncio diante de perguntas cuja resposta possa implicar autoincriminação; 2) não ser presa em flagrante por exercício dessa prerrogativa constitucional, sob pretexto da prática de crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), nem tampouco de falso testemunho (art. 342 do mesmo Código); 3) não ter o silêncio interpretado em seu desfavor.

De sorte que, em tempos de CPI da Pandemia, e de convocação de ex-ministros, médicos, epidemiologistas, infectologistas e tantos outros profissionais para explicações sobre as políticas públicas de combate à Covid-19, vislumbra-se cabível pesquisar determinados entendimentos do STF que tenham relação com a questão em debate.

Por certo que as CPIs são um importante instrumento de investigação no bojo do processo democrático, que, no mínimo, garante ao Poder Legislativo a possibilidade de investigar e identificar fatos ilícitos de forma independente do Executivo ou do Judiciário. As CPIs, quando bem formadas, asseguram o equilíbrio institucional e valorizam a função do Parlamento enquanto órgão de fiscalização da administração pública. Mas, repita-se que hão de ser constituídas por pessoas ilibadas, éticas, imparciais, probas e justas. Caso contrário, a população não confiará, não dará aval e não aceitará o termo final sem as percucientes apuração e conclusão do Ministério Público.

A CPI da Covid-19, embora seja dotada de funções pela Constituição, notadamente de poderes de investigação próprios de autoridades judiciais (Art. 58, § 3º, da CF), podendo sempre de forma fundamentada convocar testemunhas; quebrar sigilos fiscais, bancários e de dados; requisitar informações de repartições públicas; determinar busca e apreensão de documentos, exceto quando em local inviolável, dentre outros atos; não pode avançar na seara do Poder Judiciário. Há jurisprudências do STF a esse respeito.

Contudo, o objetivo do presente artigo se prende aos depoimentos pessoais. A CPI, enquanto órgão de investigação, pode convocar pessoas para esclarecer fatos e responder a questionamentos, na qualidade de testemunhas ou investigados. A testemunha deve falar a verdade, pois, sentido outro, comete crime de falso testemunho. O investigado, por seu turno, não presta juramento e pode até mesmo ficar calado, por não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo.

Muito bem, agora vem o cerne da questão - o investigado pela CPI pode, de fato, ficar em silêncio?

A CPI, assim como todo instrumento de poder, corre o risco de deturpar a situação e o seu objeto, ou seja, de ferramenta de garantia democrática se transformar em ambiente de abuso, especialmente em face dos investigados. Ademais, o ato de depor às autoridades da CPI não é um dever, mas um direito do investigado – direito de explicitar as razões da sua conduta e deixar clara sua versão dos fatos ocorridos.

Noutro norte, o investigado em vez de falar pode optar pelo silêncio, ficar absolutamente calado, por entender que não pode contribuir com as investigações, e mesmo porque o ordenamento jurídico brasileiro assegura-lhe o direito de se calar diante de qualquer autoridade, inclusive, perante os parlamentares que compõem a CPI. E como já dito alhures, esse é o entendimento do STF, que já se pronunciou sobre o tema inúmeras vezes.

Todavia, resta considerar que, em sede de CPIs, quando o investigado decide ficar calado, em absoluto silêncio, ocorre de exigirem sua presença à Comissão, para que manifeste presencialmente sua vontade e decisão de se manter silente. E não raro essa situação gera constrangimento e exposição desnecessária daquele que decidiu exercer direito assegurado em lei. Mas, por que isso? Simplesmente porque em certas ocasiões os membros da CPI ignoram a lei e chegam a ameaçar de prisão o investigado que opta por ficar calado.

Por essas e outras é que o STF tem, em recentes decisões, reconhecido que o investigado possui - para além do direito de ficar calado - a opção de não comparecer à presença da CPI. Veja-se que, ao analisar especificamente a questão, nos autos do HC 171.438, asseverou a Suprema Corte que “o direito à não autoincriminação abrange a faculdade de comparecer ao ato, ou seja, inexiste obrigatoriedade ou sanção pelo não comparecimento”. Entendimento este aprovado por voto ministerial ao se examinar o HC 171.628. E aqui vale registrar que o poder da CPI não obsta nem suspende o inteiro teor ou a eficácia das jurisprudências e da lei.

Se o investigado não quer falar e já antecipa que ficará em silêncio, não faz nenhum sentido obrigá-lo a estar de frente dos membros da CPI para apenas reafirmar sua vontade de se manter calado. Ora, o direito ao silêncio é um ato de defesa do investigado que não quer depor. Daí que não justifica obrigar o investigado a estar presente em uma sessão da Comissão para ali dizer que se manterá calado, e correndo o risco de ser agredido verbalmente por alguns parlamentares mais afoitos e desavisados, que pensam que podem tudo, ainda que ao arrepio da lei e da norma constitucional.

Em que pesem tais ressalvas legais, favoráveis ao silêncio do investigado, os trabalhos da CPI podem ser realizados com tranquilidade, por meio de outras medidas previstas na legislação. E para que tudo não acabe em pizza, cabem aos parlamentares zelo e cuidado com o trâmite da CPI, de forma que a conclusão seja correta e o relatório se faça justo e imparcial, com imediato endereçamento ao Ministério Público, para as providências que se fizerem necessárias.

Como visto, a CPI tem poderes de investigação próprios das autoridades judiciais e resta sujeita aos mesmos rigores da lei. Presta-se a apurar um fato determinado e por prazo certo. Pode ser criada no âmbito de cada uma das Casas (Câmara ou Senado), por requerimento de um terço dos respectivos parlamentares, ou do Congresso Nacional, por requerimento de um terço dos senadores e um terço dos deputados. Pode ouvir testemunhas, requisitar documentos, determinar diligências, convocar pessoas para depor, entre outras medidas. Ao final dos trabalhos, a Comissão envia à Mesa, para conhecimento do Plenário, relatório e conclusões. O relatório poderá concluir pela apresentação de projeto de lei e, se for o caso, suas conclusões serão remetidas ao Ministério Público, para que promova a responsabilização civil e criminal dos infratores.

Fica o registro de que é vedada a prática de convocar a pessoa que não pretende exercer seu direito de autodefesa ou de autoexplicação, preferindo ficar calada. E em assim sendo, garante-se que os trabalhos da CPI tenham conclusões objetivas e efetivas, distantes das exposições públicas indevidas e os constrangimentos desnecessários.

Enfim, para que o investigado se mantenha em silêncio, absolutamente calado, ele precisa, por meio de um advogado, peticionar e requerer no Supremo Tribunal Federal o direito constitucional de ficar calado para não se autoincriminar. Em tese, o interpelado é obrigado a responder a todas as interrogações dos senadores da CPI se ele falar como testemunha, não como investigado. Logo, muito importante se precaver e alegar na Suprema Corte que, na prática, se trata de investigado. Destarte, em razão de todo o exposto, restaram evidenciados dois princípios: a presunção de inocência e a garantia ao silêncio. O investigado tem a garantia de não precisar produzir provas contra si e, portanto, pode ficar calado.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas tributária, trabalhista, cível e ambiental/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).

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Comentários

  1. Essa CPI tem tudo para dar em nada porque quase todos ali estão contra o presidente e os ministros da saúde, e isso quer dizer que será feita ouvindo bem sóum lado e deverá ser nula sem democracia e sem justiça a limitar a orda de exploradores do senado. Meu prezado Dr. Wilson Campos o seuartigo é amplo e não deixa dúvida. Quero ver o relatório do Renan Calheiros aquele que pagava pensão de amante com dinheiro de propina de empreiteira. Quero ver a moral desse senador. Só no Brasil isso acontece. Pelo amor de DEUS. Quem merece... - Obrigado doutor. - Abrs. Sérgio Pio.

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  2. Tem CPI que vira palco de teatro com políticos passeando e fazendo perguntas sem nexo só para aparecer na mídia, principalmente para TV Globo que gosta de fritar o presidente Bolsonarto,mas a hora dessa TV está chegando breve,breve, . Os senadores da CPI são um bando de processados na Lava Jato e no STF e não tem moral pra nada e muito menos para culpar e investigar alguém. Tem senador ali que deu vexame a vida inteira e ainda tem a cara de pau de ser relator da CPI. Vai ser cara de pau lá na China sô. DR. Wilson eles deveriam primeiro acabar com a pandemia do vírus e só depois pensarem nessa palhaçada de CPI que foi feita só para atrapalhar o governoBolsonaro e isso est5á na cara. Mas será que o povo vai deixar isso acontecer lá no final. Vamos pagar para ver esses senadores quebrarem a cara e principalmente o presidente e o relator dessa vergonha de CPI numa hora tão difícil para o país. Precisava união e tem desunião e show de CPI. Ora essa sô. Dr. Wilson meus parabéns pelo belo artigo e como sempre nota 1000. Att: Zileyde Salazar.

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  3. Sonho com ministros do supremo fora das cadeiras e respondendo pelos seus crimes.
    Sonho com políticos, notórios corruptos, não serem reeleitos para que possam ser processados e se condenados, presos e afastado, para sempre, da vida publica brasileira.
    Chega de pão e circo.

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