PROTESTO DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA PELA FAZENDA PÚBLICA.

O Protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA) pela Fazenda Pública, não bastasse a enorme controvérsia gerada pelos seus efeitos, constitui-se numa desnecessária, arbitrária e coercitiva forma de provocar indevidamente constrangimento ao contribuinte.
O que ocorre de mais estranho nesta empreitada tributária é que não existe nenhum amparo legal que lhe socorra ou assegure efetividade, salvo recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aos Tribunais de Justiça (TJs) para que editem ato normativo que regulamente a possibilidade de protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa por parte da Fazenda Pública (102ª sessão plenária do CNJ realizada em 06.04.2010).
Permissa Venia, o Conselho Nacional de Justiça não tem poderes para interferir em matéria jurisdicional e muito menos competência para decidir sobre casos de tal natureza. Ademais, o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que ao CNJ compete a fiscalização apenas de atos administrativos, financeiros e disciplinares do Poder Judiciário.
Haja vista que o Protesto da Certidão de Dívida Ativa não está legalmente autorizado e como tal não é permitido, resta a interpretação secular de que trata-se de uma forma de abuso de Direito contra o cidadão, praticado pelo Poder Público e acompanhado por determinadas autoridades fazendárias que teimam na aplicação desta sanção política, de maneira a compelir o contribuinte a realizar o pagamento do crédito tributário.
A desnecessidade do Protesto por parte da Fazenda Pública é larga sob a ótica de a Certidão de Dívida Ativa ser um título público, que goza da presunção de certeza e liquidez (Art. 204 , CTN) e que pode ser cobrado por meio de execução fiscal (Lei 6.830/80). Portanto, não faz sentido o Protesto da CDA sem previsão legal expressa de sua utilização para créditos públicos, forçando uma cobrança indireta de tributo.
A arbitrariedade do Protesto da CDA pela Fazenda Pública constitui inequivocamente uma forma clara de violação de direitos do contribuinte, quando este é pressionado ao pagamento sem poder exercer o seu amplo direito de defesa e pior, constatando uma afronta ao entendimento do Poder Judiciário já manifestado em decisão do Superior Tribunal de Justiça (REsp 287.824-MG, rel. Ministro Francisco Falcão, DJU 1 de 20.02.2006, pág. 205), o qual proferiu o entendimento de que falta interesse ao Ente Público que justifique o protesto prévio da certidão de dívida ativa para satisfação do crédito tributário que este título representa. O Ministro relator destaca ainda que a dívida fiscal somente pode ser cobrada pela forma estabelecida na própria lei de execução fiscal (art. 38 da Lei 6.830/80), que exclui a possibilidade da Fazenda Pública executar o seu crédito de outra forma.
A coerção que se pratica quando do Protesto da Certidão de Dívida Ativa pela Fazenda Pública, viola direito líquido e certo do cidadão ou da sociedade empresarial, fere o princípio da legalidade e desvirtua a função do Poder Público que, ao agir, deveria sempre proceder conforme determina a lei e jamais percorrer caminhos tortuosos de confrontação das normas. A Administração Pública, coagindo o contribuinte, coloca ao talante do administrador agir fora dos limites legais, o que de resto, como tudo, é lamentável.
Na contramão do que foi exposto e discutido até aqui, surgem atualmente alguns poucos Tribunais de Justiça (TJs) acatando a recomendação do CNJ para que regulamente a cobrança dos débitos fiscais através do Protesto da Certidão de Dívida Ativa pela Fazenda Pública, o que entendemos desnecessário, arbitrário e coercitivo.
O Poder Judiciário, Autoridades Públicas, Operadores do Direito, renomados Juristas e Doutrinadores estão debruçados sobre os códigos na procura de uma solução definitiva para a controversa questão que trata do Protesto da Certidão de Dívida Ativa pela Fazenda Pública.
A discussão acalorada tem emergido mais em função da cobrança indireta do crédito por parte da Administração Pública, sem que exista previsão legal para tanto.
Enquanto de um lado a alegação é de que o protesto por parte da Fazenda Pública é desnecessário, haja vista que a Certidão de Dívida Ativa (CDA) é um título executivo extrajudicial, que goza de presunção de certeza e liquidez, nos termos do art. 585, inciso VII, do CPC e art. 204, do CTN, o que já demonstra o inadimplemento da obrigação, e que existe meio próprio para a cobrança do débito fiscal através da execução fiscal (Lei 6.830/80), por outro lado a alegação é de que o protesto notarial não serve apenas para constituir o devedor em mora, mas também para provar o descumprimento da obrigação e que não há vedação legal para esta prática, mas, ao revés, existe autorização pela Lei nº. 9.492/97 que define competência, regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências.
Para o prof. Hugo de Brito: “O protesto de CDA constitui apenas uma forma arbitrária de causar constrangimento indevido ao contribuinte, na esperança de que este, para evitá-lo, faça do pagamento sem nada questionar, sem exercitar o seu direito de defesa contra cobranças indevidas”.
O Desembargador Wander Marotta, do TJMG, relator no processo 2651081-68.2000.8.13.0000: “O fato de existir previsão legal permitindo ao ente público a utilização da execução fiscal para a cobrança de seu débito, não significa que promoveu a equiparação da CDA a título cambial passível de protesto. Não pode a Fazenda Pública emitir título bancário de débito tributário quando já emitida a Certidão de Dívida Ativa, e enviá-lo a Cartório para protesto, com o intuito exclusivo de coagir o contribuinte”.
A Desembargadora Sirley Abreu Biondi, do TJRJ, relatora no processo 0034742-37.2009.8.19.0000: “O protesto acaba por violar direito líquido e certo da sociedade empresarial, à medida que representa ato coercitivo exacerbado e desnecessário, já que a Fazenda Pública pode se valer, tão somente, dos efeitos gerados pela própria CDA, assim como da Execução Fiscal. É o que ressai da própria leitura do art. 3º do Código Tributário Nacional”.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de Agravo Regimental no processo AGA 200701874563, relatado pelo Ministro José Delgado: “Não há necessidade de protesto prévio do título emitido pela Fazenda Pública. Se a CDA tem presunção relativa de certeza e liquidez, servindo inclusive como prova pré-constituída, o inadimplemento é caracterizado como elemento probante. Logo, falta interesse ao Ente Público que justifique o protesto prévio da CDA para satisfação do crédito tributário que este título representa”.
Ainda o E. Superior Tribunal de Justiça, tendo como relatora a Ministra Eliana Calmon, em julgamento de Recurso Especial no processo 200801698400: “A Certidão de Dívida Ativa além da presunção de certeza e liquidez é também ato que torna público o conteúdo do título, não havendo interesse de ser protestado, medida cujo efeito é a só publicidade. É desnecessário e inócuo o protesto prévio da CDA”.
O Procurador-Geral Federal, Marcelo de Siqueira Freitas, em defesa da possibilidade de protesto da CDA, perante o Conselho Nacional de Justiça: “O índice de recuperação de créditos com o ajuizamento de ações para cobrança de dívida ativa é de 1%. Porém, a cobrança destes débitos por meio do protesto em cartório garante o recebimento dos valores e evita que milhares de execuções inundem o Poder Judiciário”.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na avaliação da relatora Morgana Richa e da maioria dos conselheiros presentes à 102ª sessão plenária realizada no dia 06.04.2010: “A quitação de CDA e de outras dívidas devidas ao governo, antes do ajuizamento da execução fiscal, também pode ser menos gravosa aos credores. O protesto possibilita ao devedor a quitação ou o parcelamento da dívida, as custas são certamente inferiores às judiciais e não há penhora de bens tal como ocorre nas execuções fiscais”.
Como visto, o Poder Judiciário e autoridades do meio jurídico têm posicionamentos divergentes a respeito da utilização do Protesto da Certidão de Dívida Ativa pela Fazenda Pública. Por conseguinte, ao nosso sentir, resta demonstrar a desnecessidade, arbitrariedade e coerção do Poder Público sobre o contribuinte, no que tange ao protesto da CDA, mesmo porque ao Estado, almejando receber seu crédito tributário, não é lícito destruir a iniciativa privada, pois assim o fazendo estaria afrontando princípios basilares da Constituição Federal.
Wilson Campos - Advogado, Pós-Graduado em Direito Tributário.

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