PRINCÍPIO DE VEDAÇÃO AO RETROCESSO.

Definitivamente se perdeu o bom senso na Administração Municipal de Belo Horizonte. A sanha arrasadora de desobediência aos princípios basilares constitucionais tomou de vez um rumo nada democrático na capital. A certeza da impunidade até que se brigue pelo contrário impera na Prefeitura de Belo Horizonte. Os guardiões das leis municipais violam os seus artigos e fazem ouvidos moucos aos protestos da sociedade. Os interesses furtivos se agasalham sob as asas daqueles que sempre dizem nada saber. As sanções aos agentes públicos e políticos e o abuso de autoridade esperam não sei o que e por não sei quem, enquanto dormem no papel de leis supostamente disciplinadoras.

As Leis nº 4.898/1965 (Abuso de Autoridade), nº 8.429/1992 (Improbidade Administrativa) e o parágrafo 4° do Art. 37 da Constituição Federal há muito não metem medo aos responsáveis pela administração pública de Belo Horizonte.

Afora os cortes de centenas de árvores e palmeiras imperiais em diversos pontos da capital, como relatado anteriormente neste post, a Prefeitura de Belo Horizonte investe furiosamente na verticalização irracional violando os parâmetros de altimetria, contrariando as normas sistematicamente estabelecidas e desrespeitando as áreas protegidas.

O meio ambiente para o Poder Público Municipal é nada mais que uma sombra, que o incomoda e da qual a todo custo tenta se afastar. A grande tacada das autoridades municipais é a prosperidade do cinza representado pelo pó das construções que teimam em nascer nos locais impróprios. A flexibilização corre a todo o vapor de encontro à verticalização que por sua vez adentra os espaços restritos, reservados até então para as áreas de preservação permanente e de diretrizes especiais (APP e ADE).

A indignação toma corpo em todas as comunidades de Belo Horizonte, de norte a sul e de leste a oeste, como que a se contagiar pela digressão praticada por suas Excelências que ainda se imaginam em berço esplêndido do coronelismo tacanho.

É de gravidade severa o que toca à agressão aos parâmetros restritivos na ADE da Pampulha e ADE do Bairro Santa Lúcia, que sobrepõem-se aos do zoneamento definido pelo Plano Diretor e Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo – LPOUS, com o objetivo de flexibilização, verticalização ou quaisquer outros, inadmissíveis do ponto de vista legalmente estabelecido perante as comunidades locais.

Estas garantias não podem ser retiradas da sociedade. Estas determinações legais não podem ser banidas ao simples prazer de autoridades públicas, numa evidente demonstração de retrocesso, posto que acima das leis municipais e estaduais prepondera e vigora a Lei Maior e, mesmo que as referidas leis municipais tenham sido alteradas por novas leis, isto só se admitiria para ampliar as restrições.  

Está evidente que o retrocesso que se terá na área ambiental, caso prevaleçam estas novas regras, será substancial, promovendo séria abertura para a intensificação da degradação ambiental. E mais que isto – restará gritante o desrespeito com as comunidades que se imaginavam em pleno gozo do Estado Democrático de Direito.

O Princípio da Proibição do Retrocesso Ecológico pressupõe que a salvaguarda do meio ambiente tem caráter irretroativo: não pode admitir o recuo para níveis de proteção inferiores aos anteriormente consagrados, a menos que as circunstâncias de fato sejam significativamente alteradas. Essa argumentação busca estabelecer um piso mínimo de proteção ambiental, para além do qual devem rumar as futuras medidas normativas de tutela, impondo limites a impulsos revisionistas da legislação.

O que a Prefeitura de Belo Horizonte vem tentando impor aos seus cidadãos é o mais retumbante golpe no Princípio de Vedação ao Retrocesso.

Quando o mundo se volta para a discussão da prorrogação do Protocolo de Kioto e da proteção ambiental, a Prefeitura de Belo Horizonte caminha em sentido oposto.

Ao elaborar e aprovar novas leis que ferem as já firmadas com a sociedade, normas de base para a política e gestão ambiental, aproveita para reduzir parâmetros conquistados ao longo de anos para a proteção de espaços especialmente protegidos como as Áreas de Preservação Permanente (APP) e Áreas de Diretrizes Especiais (ADE).

Com os novos "documentos legais", a Prefeitura de Belo Horizonte surpreende e revolta a população.

Tais disposições contrariam o sistema normativo vigente, ou até então vigente, retrocedendo à linha de proteção dos bens ambientais.

Certo é que a ordem constitucional vigente propugna por garantir um mínimo existencial ecológico e proíbe o retrocesso ambiental.

Desse modo, a proteção do bem ambiental afigura-se como um direito fundamental de terceira geração, submetendo-se ao Princípio de Vedação ao Retrocesso, ou seja, o impedimento da degradação ambiental baseia-se no princípio da proibição da retrogradação socioambiental. Por tal princípio, o nosso Estado de Direito não pode retroceder em relação às conquistas para a proteção de seus direitos fundamentais basilares.

Se o Brasil propugna, em sua Constituição Federal, Lei Maior deste país, pela melhoria da qualidade ambiental e defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, Belo Horizonte peca pelo dilaceramento das conquistas ambientais e macula frontalmente o princípio da proteção ambiental.

Mas a sociedade civilizada não está sozinha. O Poder Judiciário vem ao seu socorro. Vejam-se, neste teor, alguns fragmentos colhidos de matéria publicada no site do STJ em data de 30/05/2010:

"O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem se tornando protagonista e referência internacional em um domínio relativamente novo e complexo: o do Direito Ambiental, tema sobre o qual já julgou cerca de cinco mil processos e para os quais tem apresentado soluções inovadoras e sólidas o suficiente para se transformarem em paradigmas, segundo reconhecimento de autoridades internacionais do setor.

Em recente visita ao Tribunal, o coordenador de Direito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), Bakery Kante, foi efusivo: “A atuação do STJ na área ambiental não é apenas boa. É mais que isso, é excelente”. Para ele, a jurisprudência consolidada pela Corte nos últimos anos representa uma “atitude pró-ativa” no esforço, sempre árduo, de se progredir no campo da proteção ao meio ambiente.

Visão semelhante foi expressa por Sheila Abed, presidente da Comissão Mundial de Direito Ambiental, órgão ligado à União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). Ao assinar, meses atrás, um convênio com o STJ para a criação do Portal Judicial Ambiental – que irá reunir, na internet, legislações, jurisprudências e doutrinas jurídicas das cortes dos países que integram o Sistema Nações Unidas –, a executiva enobreceu o pioneirismo do STJ na defesa do meio ambiente, destacando-o como “um exemplo a ser seguido por países de todo o mundo”.

O que enche os olhos desses e outros especialistas, na área ambiental, é a combinação de dois fatores que, somados, fazem do STJ um tribunal ímpar nessa seara. O primeiro é a transparência e objetividade do STJ no processo decisório das causas em que intervém. O segundo, o protagonismo do Tribunal em iniciativas voltadas à cooperação interinstitucional para o aprimoramento do Direito Ambiental, dentro e fora do país.

“O Brasil não precisa de juízes ativistas na área ambiental. Precisa de magistrados que façam o básico, que é aplicar a lei”, afirma o ministro Herman Benjamin, um dos reconhecidos especialistas do STJ nessa área. A julgar pelo impacto de suas decisões, porém, o Tribunal tem feito mais que isso. A busca por decisões justas e adequadas tem levado à adoção de novas racionalidades jurídicas nos julgamentos, resultando em importantes inovações na jurisprudência.

Um exemplo foi a admissão da inversão do ônus da prova em casos de empresas ou empreendedores acusados de dano ambiental (Recurso Especial n. 972.902/RS). No entender do STJ, cabe ao próprio acusado provar que sua atividade não enseja riscos à natureza. A abordagem, recebida com louvores entre os especialistas, é contrária à regra geral em vigor no sistema processual brasileiro, segundo a qual o ônus da prova incumbe ao autor".

Assim, voltando ao nosso dilema belo-horizontino, as áreas de preservação permanente e de diretrizes especiais gozam de proteção dotada de “status” constitucional, constituindo, qualquer redução nesse espectro de salvaguarda, retrocesso social inaceitável.

A sociedade civil brasileira e mormente a mineira devem continuar atentas e mobilizadas para a possibilidade de derrubada de quaisquer vetos às leis de preservação ambiental e para outras possíveis iniciativas no sentido de reduzir o espectro protetivo hoje abarcado pela Legislação Ambiental.

Os bens dotados de relevante valor ambiental, como o são, dentre outros, as matas ciliares, as encostas de morros, as nascentes, as APPs, as ADEs, estão sujeitos a um regime jurídico que deve atentar ao interesse público, devido às importantes funções que desempenham.

As leis municipais, mesmo os planos diretores, não podem fixar padrões inferiores aos limites previstos no parágrafo único do art. 2º do Código Florestal (enquanto em vigor) – respeitados os limites acordados e não admitindo qualquer retrocesso ao negociado com as comunidades.

Devido à importância ambiental das áreas de preservação permanente, das áreas de diretrizes especiais, das matas, dos fragmentos naturais, das demais zonas de proteção ambiental e das regiões que carecem de cuidados de mobilidade, os atos arbitrários de agressão aos parâmetros restritivos e de desrespeito à regulação de altimetria construtiva, na ADE da Pampulha, na ADE do Bairro Santa Lúcia ou em outras, que sobrepõem-se aos do zoneamento definido pelo Plano Diretor e/ou Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo (LPOUS), deverão estes temas serem prioritariamente tratados pelo Ministério Público, pelos órgãos ambientais integrantes do SISNAMA e pelo Poder Público em todas as suas esferas, democraticamente, em favor da população que o reivindica.

Belo Horizonte não é uma cidade para um mandato de políticos que não se explicam e não dizem a que vieram, mas é verdadeiramente uma cidade que inspira cuidados de seus cidadãos e, para que o Município e seus Administradores desempenhem seus papeis de gestores do meio ambiente é necessário que respeitem os Princípios Constitucionais e ouçam a sociedade, principalmente através das comunidades.

Em tempo é de bom alvitre ressaltar que o responsável pelo dano ambiental deverá indenizar a sociedade. A responsabilidade será objetiva, independentemente de culpa por parte do poluidor. As condutas consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas. É o que diz a lei. Cumpra-se.

Wilson Campos( Advogado).


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