A PAMPULHA, O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA.

O bom senso é a convergência mais nobre quando se pretende o equilíbrio entre duas exigências contrapostas. A rápida solução do litígio tendente a trazer justiça o quanto antes passa pelo direito ao contraditório, mantenedor da segurança jurídica. A prestação jurisdicional efetiva é um dos parâmetros de democracia e de civilidade, sendo essencial ao desenvolvimento de um país.

A ampla defesa é sem sombra de dúvida uma garantia ao demandado, inerente ao Estado de Direito. Ainda que se esteja diante de um regime de exceção, a noção desse instituto não desaparece porque é algo que se encontra arraigado ao ser humano, é uma necessidade inata do indivíduo, é algo que resulta do próprio instinto de defesa que orienta todo ser vivo.

O contraditório e a ampla defesa estão previstos no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal. A Pampulha requer desde já o seu direito constitucional ao Contraditório e à Ampla Defesa.

Neste sentido, pedindo licença à falácia dos mais intransigentes, prepondera que se assegure às partes igualdade de tratamento, posto que se reconheçam justos os princípios constitucionais decorrentes do direito de defesa. Afinal, o embate de atos e ideias se configura como uma imposição do devido processo legal que é típico de todo sistema democrático, onde os direitos do homem encontrem garantias eficazes e duradouras.

A Pampulha não é uma propriedade individualizada, uma vez que o destino a quisesse, merecidamente, portadora dos chamados interesses coletivos ou difusos e estes não têm titular definido. E nesta tratativa dos interesses coletivos ou difusos despontam aqueles concernentes às coisas de uso comum da sociedade, como o meio ambiente, a ecologia, a flora e a fauna, o ar atmosférico ou o patrimônio histórico e artístico da comunidade. Estes recursos e valores não podem ser deixados à própria sorte e ao abuso, pois imprevisíveis as repercussões futuras.

As decisões que retiraram direitos da Pampulha foram tomadas pela Administração Municipal e por seus respectivos órgãos consultivos, sob a complacência da Câmara Municipal de Vereadores de Belo Horizonte. As novas leis que introduziram alterações na legislação até então vigente foram sancionadas, sem que se ouvisse a sociedade. Os autores do processo já se pronunciaram nos autos, "inaudita altera parte", e querem a condenação do réu. A Pampulha irresignada exige o direito ao contraditório e ampla defesa e argumenta consubstanciada nos fatos e fundamentos de Direito que assim expõe: 

O Projeto de Lei nº 808/2009 aprovado na Câmara dos Vereadores se transformou na Lei Municipal nº 9.952/2010, visando atender a realização da Copa do Mundo de 2014. No entanto, o artigo 3º deste novel diploma pede respeito às ADE's, ao patrimônio histórico e cultural e a todos os parâmetros arquitetônicos e urbanísticos. A exceção única fica por conta do coeficiente de aproveitamento.

Até aqui a altimetria nas Áreas de Diretrizes Especiais da Pampulha estava incólume. Por pouco tempo. Os empreendimentos de dois hotéis viriam colocar em risco uma conquista de vários anos das comunidades. 

A Câmara dos Vereadores, data maxima venia, concedeu tratamento diferenciado a estes dois hotéis, de forma que seriam os únicos em toda a ADE a construírem acima da altimetria máxima de 9 (nove) metros, até então assegurada originariamente no artigo 26 da Lei nº 9.037/2005, mas que sofreu alteração da Casa Legislativa através do PL 820/2009 que se tornou a Lei nº 9.959/2010 e mais tarde alterada pela Lei 10.065/2011. Tudo com um intuito obstinado de possibilitar a construção dos dois hotéis na ADE Pampulha e ultrapassando a altimetria vigente. Os lotes 1, 2, 3 e 35 a 46 da quadra 66 do Bairro São Luís atendiam a estes interesses e, "in continenti", foram flexibilizados para permitir edificações acima da permissão máxima de 9 (nove) metros.

O COMPUR no dia 01/03/2012 aprovou as duas construções e alegou amparo nas leis 9.952 e 9.959, procedendo ato contínuo à alteração da altimetria para 40 (quarenta) metros. Ocorre que a mudança na lei é inconstitucional e viola o Princípio da Vedação ao Retrocesso, mormente para beneficiar terceiros.

Coincidentemente, com a devida permissão dos autores da façanha, os terrenos logo acima citados são os mesmos onde se encontram as construções dos dois hotéis atualmente. Destarte, aos olhos do cidadão comum, se trata de excesso de zelo com a iniciativa privada em declarado prejuízo para a sociedade. E isso fere os mais sublimes princípios constitucionais a que deve obediência a Administração Pública.

Ademais, o Decreto-Lei nº 25, de 30/11/1937, que organiza o tombamento e a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, estabelece a exigência de prévia autorização do IPHAN para quaisquer construções no entorno do conjunto arquitetônico da Pampulha ou as que lhe impeçam ou reduzam a visibilidade. Portanto, de clareza solar a necessidade da interferência direta do IPHAN e do juízo lógico do IEPHA, além da aprovação dos órgãos municipais CDPCM-BH e COMPUR.

Irregularidades outras estão a tocar a instalação destes súbitos e ambiciosos empreendimentos - introjetados em área de classificação residencial, aprovados no órgão colegiado sem a participação democrática das comunidades, insuficientes na capacitação técnica dos Estudos de Impacto de Vizinhança (EIV) e nos Relatórios de Impacto de Vizinhança (REIV) - como até o momento vem se apresentando.

É dever da Câmara Municipal de Vereadores de Belo Horizonte rever a sua posição perante a sociedade, fiscalizando de fato o Poder Executivo, impedindo que este aja com abuso ou desrespeito às leis e, por conseguinte sustando atos normativos exorbitantes, em nome das prerrogativas do Legislativo que, ao que se sabe, representa os interesses da sociedade civil sob a égide da Lei Orgânica do Município, da Constituição do Estado de Minas Gerais e da Constituição Federal.

Assim posto, não se pode admitir em uma percuciente formação da sociedade democrática o atropelamento das leis, das normas e dos costumes. As edilidades das autoridades belo-horizontinas estão limitadas às delegações que lhes são atribuídas, dentro da mais absoluta e rígida composição legal.

A Pampulha, através de seus representantes legais - os moradores, as comunidades, os munícipes, os contribuintes e a sociedade como um todo - sempre estará pronta a se armar de seu direito ao contraditório e ampla defesa. Isto, porque a Pampulha nos merece respeito e está consolidada na esteira da legalidade. 

A Pampulha merece mais que a sua imediata despoluição, o tratamento do esgoto que lhe despejam, o seu definitivo desassoreamento, a conservação de suas margens e limpeza contínua de seu leito. A Pampulha merece viver. A Pampulha é o cartão postal da cidade, para satisfação nossa, de todos os mineiros e de todos os visitantes brasileiros e estrangeiros. A Pampulha é mais que uma área de contemplação e descanso, é o lugar ideal escolhido pela maioria como de acolhimento natural e de lazer gratuito. A Pampulha não é minha. A Pampulha é nossa. A Pampulha é o clamor pela Justiça, pois de posse do Direito.

Wilson Campos (Advogado/Assessor Jurídico das Associações de Moradores da Pampulha, São José , São Luís, Bandeirantes e do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte).

(Este artigo mereceu publicação do jornal HOJE EM DIA, edição de 08/05/2012, terça-feira, pág. 13).

 

Comentários

Postagens mais visitadas