A BALANÇA DA JUSTIÇA NÃO PODE PENDER PARA OS LADOS.

 

Independentemente de nomes e funções, a lição jurídica é no sentido de que “A balança da Justiça não pode pender para os lados”. Isso implica dizer que a Justiça deve ser imparcial, equilibrada e equitativa.

Não podem os aplicadores da lei usar ao seu alvedrio o sistema legal, posto que devam agir sem favoritismo ou preconceito, tratando todas as partes envolvidas em um processo de forma igual, ou seja, igualdade de tratamento.  

Os símbolos da Justiça têm significados. Apenas os ignorantes e soberbos desmerecem o valor e a importância dos símbolos que advertem para o certo e o errado.

A balança representa a necessidade de ponderar cuidadosamente os dois lados de uma disputa; simboliza a equidade e o equilíbrio que devem prevalecer em um julgamento, sem que um lado seja mais “pesado” que o outro devido a fatores externos. Os dois pratos da balança indicam que todas as partes devem ser ouvidas antes de qualquer veredito, reforçando o princípio da ampla defesa e do contraditório.

A espada, geralmente empunhada por figuras como Têmis ou Justitia, simboliza o poder de execução; serve para mostrar a força necessária para garantir que as decisões judiciais sejam cumpridas; e representa a firmeza e a rapidez com que o Direito deve agir para corrigir injustiças. Historicamente, a espada é um símbolo de autoridade, mas, no Direito, ela é equilibrada pela presença da balança, indicando que a força deve ser aplicada de forma justa e proporcional.

A venda nos olhos quer dizer que a Justiça é cega, tal qual representada por uma mulher com os olhos vendados, segurando uma balança e uma espada. A venda nos olhos simboliza a imparcialidade, que a Justiça não pode ser influenciada por fatores externos, como riqueza, poder ou status social. Essa ideia remonta à tradição romana, em que a venda foi introduzida para reforçar que a Justiça deve ser alheia a preconceitos e influências externas. Ou seja, a venda nos olhos remete à mensagem de que a Justiça deve ser imparcial; que a decisão judicial deve ser tomada com base nos fatos e argumentos apresentados, sem levar em conta a identidade, a riqueza, a etnia ou a classe social das partes envolvidas; e que a Justiça deve ser cega para as diferenças entre as pessoas. 

Mas o que acontece quando a balança pende para um lado?

Quando a balança da Justiça pende para um dos lados, significa que o ideal de imparcialidade não foi alcançado, resultando em: 1) Decisões injustas: O julgamento não se baseia na análise objetiva da situação, mas em preferências, interesses ou preconceitos, levando a um resultado que favorece indevidamente uma das partes; 2) Justiça seletiva: A lei não é aplicada de forma igual a todos, punindo uns e beneficiando outros de maneira injustificada; 3) Perda de confiança: Quando a sociedade percebe que a balança está desequilibrada, a confiança no sistema jurídico e na justiça como um todo é abalada. 

O título deste artigo é um lembrete de que a Justiça só é reconhecida e respeitada quando trata todos os cidadãos com igualdade e imparcialidade, garantindo que o direito e a verdade sejam os únicos pesos na balança.

O jurista Miguel Reale (1910-2006), em estudo dedicado à ética do juiz, reconhece que a decisão não pode ser reduzida a simples juízo lógico, pois traz em si um elemento valorativo: a participação do julgador na vida de outros, os jurisdicionados, cujas pretensões a sentença substituirá. Mas adverte que a “jurisdição” (iuris dicere) não é propriamente “dizer o direito”, mas declarar o que é “de direito”. É a atividade por meio da qual o juiz, valendo-se dos modelos e das fontes que constituem a juridicidade vigente, põe fim à dinâmica dialética que constitui o processo. Nessa tarefa, seu guia são os parâmetros preestabelecidos, não os próprios: “o juiz declara o que é ‘de direito’. É por isso que a palavra está no genitivo iuris que quer dizer ‘de direito’” (REALE, 1994, p. 139).

Reale explica que, embora a atuação do juiz deva ser ética e prudencial, atenta às circunstâncias do caso, jamais pode abandonar o ordenamento jurídico vigente, pois, se o fizesse, adentraria a perigosa via do arbítrio, incompatível com a segurança e a previsibilidade que o Estado de direito busca assegurar: “Ninguém postula a atividade de um juiz passivamente situado na e perante a ordem jurídica, mas é pretensão desmedida apresentar o próprio entendimento pessoal como alternativa, exposta como verdade cientificamente demonstrada e fundada, para substituir os modelos jurídicos considerados em conflito com a justiça devida” [...] (REALe, 1994, p. 145).

Concordando com as observações de Reale, pode-se dizer que as propostas de uns poucos doutrinadores parecem não harmonizar os preceitos constitucionais, reivindicando alguns, como a dignidade humana, mas deixando de lado outros, como a legalidade (um direito individual). Pode-se, por isso, perguntar: quando o juiz favorece o litigante “pobre” ou “excluído”, dando-lhe um tratamento benéfico não previsto nas normas positivas, está respeitando direitos constitucionais do outro litigante (como a legalidade e a segurança jurídica)? A resposta é negativa. Assim, uma  decisão que escapa à legalidade, que abandona os critérios jurídicos para impor preferências de ordem política, não pode se pretender democrática e justa. Como aponta Taruffo, só há processo justo, quando se interpreta e se aplica adequadamente a norma utilizada como critério de decisão, pois “não se pode considerar justa uma decisão que [...] não esteja embasada no direito, em atenção ao princípio da legalidade” (2009, p. 118).

De sorte que pode-se afirmar que a ideia de neutralidade judicial, entendida como insensibilidade ou indiferença ao resultado do processo, não se justifica e, de modo algum, pode ser confundida com imparcialidade. Esta exige um juiz atuante, ativo, preocupado com o desfecho justo do processo, imbuído em buscar uma tutela efetiva dos direitos subjetivos e não somente a correção formal dos procedimentos.

Como visto, essa postura ativa se dá nos quadrantes do ordenamento, respeitando os valores juridicamente fixados. Não deve ser substituída por um “ativismo” dissociado do dever de imparcialidade, pelo qual o juiz, deixando de ofertar tratamento equânime às partes, viesse a tutelar especialmente o litigante “socialmente mais frágil”, o “pobre” ou o “excluído”.

Os objetivos fundamentais da República, elencados no art. 3º da Constituição Federal, dentre os quais a erradicação da pobreza e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, não podem ser implementados à custa de direitos individuais. Seria pretender realizar preceitos constitucionais contra a própria Constituição. E se configuraria também um desvio ético, pois o litigante que tivesse sua pretensão processual preterida (embora juridicamente resguardada) em razão da preferência política do julgador pela outra parte, mais pobre ou “frágil”, perderia a confiança no Judiciário e se sentiria legitimamente desamparado como cidadão. Pode-se, portanto, concluir que o juiz cuja ideologia se converte em parcialidade, mesmo que “positiva”, não se coaduna com o Estado democrático de direito.

Nesse mesmo sentido seria o caso de proteção de políticos e de partidos políticos em detrimento de outros, do outro lado. O juiz tem o dever de imparcialidade e não pode deixar de ofertar tratamento equânime às partes. Se isso acontece, ocorre o desvio ético, a imoralidade, a violação do devido processo legal. Não se pode tutelar especialmente o litigante “socialmente mais amigo”, o “político parceiro” ou o “partido mais simpático”.

Segundo o Marquês de Condorcet, “o despotismo dos tribunais é o mais odioso de todos, porque emprega, para ser exercido e sustentado, a arma mais respeitável: a lei”.

Daí que, para além do desapego dos tribunais em relação à literalidade do texto constitucional e de seu exacerbado voluntarismo na condução de certos temas, tais episódios também podem ser vistos como claras manifestações de algo que já há algum tempo vem sendo criticado pelos observadores mais atentos. In casu, como vem acontecendo nos últimos anos no Brasil, as incoerências do Supremo em relação a sua própria jurisprudência e a total insegurança jurídica causada pelas idiossincrasias decisórias de seus ministros.

A rigor, aduzem por aí que o colegiado do STF estaria hoje mais próximo de um arquipélago composto por 11 ilhas do que de um órgão colegiado propriamente dito, na medida em que suas decisões acabam por vezes sendo dadas de maneira isolada, a partir de entendimentos totalmente contraditórios entre si e de interpretações quase personalíssimas de cada julgador.

Nas palavras de renomados juristas, o Supremo estaria se tornando “uma corte monocrática”, que “prolonga-se dentro de si”. A esse problemático cenário somam-se, ainda, as incontáveis declarações publicadas e televisionadas fora dos autos e as desavenças pessoais de ocasião. A mídia atrai a atenção e os juízes se esquecem da ciência dos processos.

O isolacionismo dos ministros não se dá apenas em relação aos demais colegas da Corte, mas se estende também para o interior de seus respectivos históricos decisórios: isolados em relação ao seu passado recente, ignoram seus próprios entendimentos e contradizem-se a si mesmos a cada caso, ora tomando decisões na contramão da opinião pública, ora cedendo ao clamor das ruas. Individualistas e ilhados em si mesmos, passam a se guiar pelo tortuoso mapa do “decido conforme minha vontade” e afogam suas próprias linhas argumentativas no mar do esquecimento, deixando-se levar pelo canto da sereia do ativismo voluntarista.

Assim, pelo visto, dificilmente o quadro atual de desconfiança institucional será revertido, embora reste de clareza solar que a balança da Justiça não pode pender para os lados. Lamentavelmente, a Justiça brasileira está hoje muito perto de ser definida como uma verdadeira instituição de viés ideológico, além de lenta, cara, parcial, ativista e excessivamente política. É assim que o  povo pensa.  

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. No Brasil a Justiça já era, estão todos do lado esquerdo e fazendo de tudo para destruir o outro lado embora todos sejam cidadãos e jurisdicionados à procura da lei e da justiça. Dr. Wilson Campos parabéns pelos excelentes artigos. Vitório Jardim (prof, e adv.).

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  2. O problema todo é esse de egoismo e egocentrismo. Uns querem ser melhor que os outros no Judiciário e a coisa desanda. Essa parte diz tudo: (O isolacionismo dos ministros não se dá apenas em relação aos demais colegas da Corte, mas se estende também para o interior de seus respectivos históricos decisórios: isolados em relação ao seu passado recente, ignoram seus próprios entendimentos e contradizem-se a si mesmos a cada caso, ora tomando decisões na contramão da opinião pública, ora cedendo ao clamor das ruas. Individualistas e ilhados em si mesmos, passam a se guiar pelo tortuoso mapa do “decido conforme minha vontade” e afogam suas próprias linhas argumentativas no mar do esquecimento, deixando-se levar pelo canto da sereia do ativismo voluntarista.). PARABÉNS DR. WILSON CAMPOS - ADVOGADO - PELO EXCELENTE BLOG E PELOS ÓTIMOS ARTIGOS. DEUS NOS ABENCOE A TODOS NO NOSSO BRASIL . Att.: Marihelena Simões.

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  3. João César A. Camargo24 de outubro de 2025 às 10:10

    O Judiciário precisa sair da mídia e voltar aos processos. O respeito da sociedade pelo Judiciário voltará quando isso acontecer, porque o povo não gosta de juiz falando toda hora no rádio, televisão e jornais ou pelas redes sociais. Isso não é comum nas demais Cortes do mundo e o Brasil está dando mau exemplo. Muda Judiciário brasileiro, muda!!! Peço venia para destacar esse trecho: "Não podem os aplicadores da lei usar ao seu alvedrio o sistema legal, posto que devam agir sem favoritismo ou preconceito, tratando todas as partes envolvidas em um processo de forma igual, ou seja, igualdade de tratamento.". - Concordo 100% com o texto do colega causídico dr. Wilson Campos. Abrs. do João César A. Camargo. (advogado e consultor).

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