ARENAS MILIONÁRIAS QUE CAUSAM DOR E VERGONHA.

Arenas sangrentas. Milionárias e vergonhosas.

Causa estranheza a insistência de alguns à troca da palavra estádio por arena. Particularmente, não aprovo. Arena vem do latim e significa "areia"; era a área central nos antigos circos romanos onde combatiam gladiadores e feras; se utilizavam da superfície coberta de areia para absorver o sangue. Hoje, a massa ignara que destoa da torcida verdadeira macula  ainda mais o sentido de estádio.

No Brasil, as arenas milionárias, construídas e reformadas com o dinheiro do povo, às vésperas da Copa do Mundo, servem de palco para sangrentos combates extracampo. As torcidas se enfrentam e se matam. A dor e a vergonha tomam conta do país. A violência e a impunidade também. Os maus exemplos apenas mudam de lugar. Sabe-se lá quem apelidou os estádios de arenas, mas o que vemos, de fato, é típico de arenas e não de estádios.

As autoridades que a tudo assistem permitem que a violência cresça, dentro e fora da "arena", antes e depois do jogo. A incivilidade prospera e o futebol vai deixando de ser o esporte preferido do povo para ser apenas motivo de briga, discórdia, crime e exibição de imbecis que se transformam em bestas-feras. 

Não bastasse a destruição dos patrimônios público e privado, o lixo jogado nas ruas, os atos de vandalismo e a falta de educação, ainda sujeitam a sociedade a suportar as imagens da luta sangrenta nas arquibancadas, numa volta criminosa às arenas de combate da época do Império Romano, quando gladiadores se enfrentavam até a morte e, vez ou outra, para delírio da plateia ensandecida, cristãos eram atirados às feras. 

A função coercitiva do Estado precisa ser exercitada contra os chefes de gangues que transformam estádios em arenas sangrentas, ruas em corredores da morte, calçadas em banheiro público, avenidas em palco de guerra e moradores em reféns da patifaria desmedida e sistematicamente impune. 

O caos do dia seguinte se mistura à confusa busca individual pela explicação do que seja o Estado de natureza, o Estado de beligerância ou o Estado de Direito. A continuar assim, muitos compreenderão tardiamente o significado da conhecida frase do filósofo inglês Thomas Hobbes, autor de "Leviatã" (1651), de que "o homem é o lobo do homem", ou seja, mau por natureza. Jean Jacques Rousseau, filósofo suíço, autor de "Contrato Social" (1762), ao contrário de Hobbes, com visão mais puritana e humanista, acreditava na obediência às leis, normas, regras e costumes, e defendia que "o homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe".

Em suma, o que precisa prevalecer são os direitos e deveres de cada indivíduo estipulados na lei, a partir da obediência à Constituição da República, uma vez que um de seus principais objetivos é garantir a segurança e a liberdade dos cidadãos, ainda que a última seja limitada por normas. De sorte que não há mais espaço na sociedade para arenas que proporcionem espetáculos de dor e vergonha. A esperança fica por conta dos estádios lotados, alegres, festivos, orgulhosos do povo que vibra e que respeita o semelhante.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de 14/12/2013, sábado, pág. 19).
 

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