MUDANÇAS NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO CARECEM DE MAIOR DEBATE COM A SOCIEDADE.
Em 17 de abril de 2024, uma Comissão presidida pelo ministro do STJ Luiz Felipe Salomão, que agregou importantes nomes do Direito Civil brasileiro, como Flávio Tartuce, Nelson Rosenvald, Pablo Stolze, dentre outros, apresentou ao Senado Federal um anteprojeto de lei para reforma e atualização do Código Civil.
Assim, tramita
no Congresso o Projeto de Lei (PL) 4/2025, publicado pelo Senado em 31 de
janeiro de 2025, cujo objetivo é atualizar e introduzir alterações no Código
Civil Brasileiro.
Como deve ser de conhecimento geral, o Código Civil é uma das normas mais importantes do país,
que, inclusive, regula todos os atos da nossa vida privada. E caso venha a ser
aprovado, deverá ser objeto de estudo aprofundado por toda a comunidade
jurídica.
Mas antes de conhecer as mudanças que estão sendo propostas, torna-se importante entender o motivo pelo qual alguns juristas do Brasil se reuniram para a elaboração desse anteprojeto.
Vejamos um breve histórico do Código Civil de 2002, vigente e que já está completando 23 anos.
O Código Civil atual foi o segundo diploma desta natureza aprovado em nosso sistema jurídico. Ele substituiu o primeiro Código Civil brasileiro, redigido em 1916.
Apesar de ser relativamente recente, se comparado com outros Códigos relevantes, como o Código Penal (1940) e o Código de Defesa do Consumidor (1990), o Código Civil de 2002 resultou de demorado trâmite legislativo.
O atual Código Civil de 2002 teve início com a constituição de uma Comissão de Juristas, liderada pelo professor Miguel Reale, que realizou seus trabalhos entre 1969 e 1975. Porém, após a entrega da proposta de um novo Código Civil em 1975, somente ao final de 2001 o texto definitivo foi aprovado. Então, em 2002, entrou em vigor o Código Civil que atualmente conhecemos. Mas em razão de sua origem na década de 70, muitas críticas recaíram sobre esse normativo. Naquela ocasião foi comentado entre os estudiosos do Direito Civil que o “Novo Código” tinha nascido velho.
De fato,
muitas das críticas procedem. As mudanças sociais experimentadas desde a década
de 1990, especialmente aquelas relacionadas ao avanço da informática e da
internet, não foram absorvidas pelo Código Civil de 2002. Assim, verifica-se um
descompasso entre a realidade e a lei.
Dessa forma,
é justamente a questão relativa aos inúmeros atos privados que hoje se pratica
no meio digital o principal ponto que a reforma do Código Civil pretende corrigir.
O Código Civil
atual, com 23 anos de existência, mas bem mais novo que o anterior, está sendo avaliado
como carecedor de algumas modificações.
No entanto,
há quem diga que as mudanças propostas para este novo Código Civil estão
permeadas de posicionamentos ideológicos, ignorando a integralidade técnica
necessária. Também há críticas ao texto quanto ao fato de não respeitar os
costumes mais basilares da sociedade brasileira, preferindo um estilo militante
de esquerda. E ainda há reclamos para que as mudanças foquem em posicionamentos
técnicos, que proponham mudanças efetivas e benéficas para a população, respeitando
a família como base da sociedade, além de direitos fundamentais como a vida
desde a fecundação, liberdade e propriedade privada.
Surgiram críticas até de ministros do STF. O ministro Dias Toffoli criticou possíveis mudanças no Código Civil. Segundo o ministro, “é difícil ter segurança jurídica em um país que, a cada 20 anos, se reúne para alterar o Código Civil”. O ministro afirmou necessária reflexão acerca da segurança jurídica e de previsibilidade. “É evidente, ministro Fachin, que é difícil ter segurança jurídica em um país que a cada 20 anos cria comissão no Congresso para rever o Código Civil, né?”. “E a gente tem que aprender tudo de novo”, completou o ministro Barroso.
Vejamos algumas das principais mudanças propostas:
Família
- reconhecimento de todas as formas de família, incluindo
monoparentais e homoafetivas. Também o reconhecimento da socioafetividade, ou
seja, sem vínculo sanguíneo e o reconhecimento da multiparentalidade, ou seja,
mais de um pai ou uma mãe.
Outra mudança será o registro imediato de paternidade a partir da declaração da mãe, quando houver recusa ao exame de DNA.
Bens
– os cônjuges deixam de ser herdeiros se houver
descendentes ou ascendentes vivos, e doações feitas a amantes podem ser
anuladas até dois anos após o fim do casamento/união estável.
Dívidas - correção monetária e juros em casos de inadimplemento, estabelecendo o IPCA como índice padrão de atualização monetária. Juros moratórios oficiais ou legais de 1% ao mês quando eles não forem convencionados ou o forem sem taxa estipulada.
Patrimônio
digital - definição de patrimônio digital como
os perfis e senhas de redes sociais, criptomoedas, contas de games, fotos,
vídeos, textos e milhas aéreas. Sucessores legais podem pedir a exclusão ou conversão
em memorial dos perfis em redes sociais de pessoas falecidas.
Reprodução assistida - assegurar que todas as pessoas nascidas por técnicas de reprodução assistida tenham os “mesmos direitos e deveres garantidos às pessoas concebidas naturalmente”.
Vejamos, ainda, algumas das mudanças mais graves:
A definição do bebê em gestação como “potencialidade
de vida humana pré-uterina ou uterina”, que introduz no Código Civil a noção de
que o bebê, antes de nascer, não teria vida humana. Esse tema é complexo e
requer cuidado e melhor discussão com a população brasileira.
O reconhecimento de uma “autonomia
progressiva” de crianças e adolescentes, que devem ter “considerada a sua
vontade em todos os assuntos a eles relacionados, de acordo com sua idade e
maturidade” – o que abriria caminho, por exemplo, para facilitar cirurgias de
redesignação sexual sem a necessidade de anuência dos pais, entre outras
coisas. Outro tema muito complexo, que mexe com os costumes e com as famílias.
Requer muito debate e juízo.
A previsão de que o pai perderá na Justiça a sua autoridade parental caso submeta o filho a “qualquer tipo de violência psíquica” – a lei não especifica as atitudes classificáveis como “violência psíquica”. Este tema requer maior clareza.
A previsão de que os animais de
estimação podem compor “o entorno sociofamiliar da pessoa”, e que da relação
afetiva entre humanos e animais “pode derivar legitimidade para a tutela
correspondente de interesses, bem como pretensão reparatória por danos
experimentados por aqueles que desfrutam de sua companhia” – o que elevaria o
status jurídico da relação entre pessoas e animais, abrindo espaço para o
reconhecimento legal daquilo que se tem chamado de “família multiespécie”.
A introdução do conceito de “sociedade
convivencial”, que poderia abrir caminho para abrigar na legislação brasileira,
por exemplo, uniões poliafetivas.
Como visto,
há posicionamentos ideológicos por parte do movimento de atualização do Código,
e, neste caso, pode dar em nada essa tentativa de aproximar o Código Civil da
nossa realidade social.
Existem alegações
de que as propostas, além de trazer o atual contexto social para dentro da
legislação, incorporam entendimentos consolidados na jurisprudência que, com a
aprovação da reforma, farão parte do próprio texto legislativo. As alegações
são rebatidas, uma vez que a sociedade cidadã está sendo mantida longe da
discussão dos complexos temas sociais.
Vale
observar que, como alertado acima, dentre as principais mudanças propostas
estão a ampliação do conceito de família, com a possibilidade de formação de vínculos familiares socioafetivos e o
reconhecimento de uniões homoafetivas.
Mas segundo alegações dos idealizadores do novo texto, tudo isso iria de acordo
com os julgados do Supremo Tribunal Federal nos últimos anos. Sim, mas há
controvérsias.
O novo Código
Civil passaria a prever e regulamentar, ainda, a reprodução assistida, com a possibilidade, inclusive, de se
realizar a reprodução assistida após a
morte de um dos doadores do material genético. Por outro lado, seria
proibida a intitulada “cessão
temporária de útero”, comumente chamada de “barriga solidária”.
Excepcionalmente, este tipo de “acordo” seria possível quando a gestação da interessada não seja possível em razão de causa natural ou em casos de contraindicação médica. De todo modo, ficaria vedada em qualquer hipótese seu uso com finalidade lucrativa.
Caso
aprovado, o Código também passaria a contar com um novo regime jurídico para os animais, hoje incluídos genericamente
no conceito de “bens”. Na proposta de reforma, consideram-se os animais “seres vivos sencientes”, ou seja, capazes de
sentir e perceber através dos sentidos. Assim, os animais seriam
passíveis de proteção jurídica própria. Isso viabiliza, por exemplo,
indenizações por dano moral aos donos
de animais que sofram maus-tratos, ou o compartilhamento de despesas com o cuidado de animais por casais
que se separam. Estas questões e fatos vêm sendo intensamente discutidos nos
tribunais atualmente, necessitando, portanto, da regulamentação. Essas também
são alegações da comissão, mas sem o contraponto da sociedade brasileira a
respeito.
Repisando o que já foi mencionado, talvez o ponto mais aguardado na reforma do Código Civil seja a regulamentação das relações privadas no meio digital. Ela se dará a partir de um novo Livro da parte especial denominado: “Do Direito Civil Digital”.
Com dezenas
de novos artigos, este livro irá tratar de temas importantíssimos da
atualidade. Trata-se, por exemplo, das identidades
digitais e do patrimônio
digital.
Também houve o cuidado de normatizar a presença e identidade de crianças e adolescentes no ambiente digital.
Assim,
ficaria estabelecido o dever de provedores de implementar verificação de idade
e oferecer meios para que pais limitem
e monitorem o acesso infantil. Outra obrigação seria a de proteção dos
dados pessoais de crianças e adolescentes (conforme a LGPD). Essa medida,
apesar de ser de difícil execução pelos provedores, não deixa de ser uma medida
de precaução e de prevenção no interesse dos pais.
Outro tema que
pode ser encarado como de grande relevância e que vem tomando conta dos debates
jurídicos, a Inteligência Artificial
(IA) também contaria com normas específicas. Por exemplo, com a
reforma garante-se o direito a indenização de usuários que sofrerem danos em
suas interações com a IA. Nestes casos, atribui-se responsabilidade civil ao
causador pelo princípio da reparação
integral.
Além disso, o Código passaria a estabelecer que a divulgação de imagens criadas por Inteligência Artificial deve conter menção obrigatória de tal fato, de forma clara, expressa e precisa. Por outro lado, seria permitida a criação de imagens de pessoas vivas ou falecidas, por meio de inteligência artificial, para utilização em atividades lícitas, desde que observadas certas condições.
Será
necessário o consentimento informado da pessoa ou de seus herdeiros, respeito à
dignidade, reputação e legado da pessoa, evitando usos desrespeitosos. O uso
comercial de imagens de pessoas falecidas irá necessitar de autorização dos
herdeiros ou previsão testamentária.
Enfim, as mudanças propostas têm muito do que já faz parte do atual Código Civil, mas algumas das novidades do projeto do novo Código causam especulações e estão sendo vistas como excessivamente ideológicas e militantes.
Quanto ao prazo
para o fechamento do novo Código, não há como prever um momento para que a
reforma efetivamente se transforme em lei. Apesar de estar tramitando no Congresso,
os movimentos políticos e jurídicos a favor e contra as mudanças devem fazer
com que o processo demore um pouco mais. Todavia, a meu ver, não há que ter
pressa, e o debate precisa ser mais aberto, com oitiva dos membros da Câmara e
do Senado, mas também com a participação da sociedade cidadã, que deveria ser
convidada a participar desse debate, notadamente dos temas mais sensíveis aos
costumes e às famílias.
Wilson Campos (Advogado/Especialista
com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/
Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da
Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de
2019 a 2021).
Concordo 100% dom dr. Wilson Campos. Esse novo Código Civil precisa ter mais participação da sociedade e muitos assuntos são de interesse das famílias brasileiras. Tem muita discussão ideológica sim e militante de esquerda sim. A direita e os conservadores (maioria nesse Brasil) não aceita isso não. Família e costumes não se mexe de jeito nenhum ou a coisa vai desandar nesse país que já está uma bagunça. Dr. Wilson aprovo seu artigo e seguimos juntos nessa caminhada de defender nosso país desse esquerda. Somos patriotas e conservadores e amamos e respeitamos nosso país, nossos costumes e nossas famílias. Abração doutor. Aléssio Netto.
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