CRIME AMBIENTAL PREMEDITADO.

A tragédia anunciada não é simples argumentação negativa, como costumam asseverar em suas alegações alguns lacaios a serviço e à sombra do Poder Público. O crime ambiental premeditado é neste mesmo sentido, desumano, quando o agente planeja o crime antes de praticá-lo, isto é, o crime foi articulado, foi pensado, foi engendrado ardilosamente.

As últimas áreas verdes de nossa cidade estão ameaçadas há algum tempo e nada ou muito pouco se faz em prol ou em defesa. O anúncio do trágico fim da Mata do Isidoro e da Mata do Planalto vem sendo alimentado por setores descompromissados com o meio ambiente e apenas direcionados pela força do vil metal.

A sociedade está tão perdida no meio dos escândalos nacionais que não se dá por achada quando lhe perguntam sobre o que será do futuro do povo desta capital, que há muito foi conhecida como cidade jardim, mas que hoje não tem predicados e nem porte verde para tal. Bons tempos, aqueles do respeito à qualidade de vida.

O crime de extermínio definitivo do que ainda resta de verde está traçado. Foi irracionalmente premeditado. Os criminosos se escondem sob o manto da impunidade. A lei ambiental não lhes mete medo. A Constituição da República é letra fria que demora a chegar aos costados de gente escorregadia. E o povo que pode dar um basta e sair de sua posição em cócoras é ainda remanescente de longos anos de autocracia. E não se move, enquanto o outro lado premedita e prepara suas máquinas para a natureza derrotar. Ou tentar, até que o cidadão se inquiete e se levante de vez.

Os fragmentos verdes que nos restam estão suspirando. A ganância desmedida de pseudo-empreendedores, somada à fragilidade de nossas autoridades, destoam do pacto moderno e  enveredam por caminhos perigosos, quando tratam a população como de simples seres alienados ou invisíveis.

A Mata do Planalto é natureza que queremos viva. A Mata do Isidoro, idem. São preservações da vida que havemos de assegurar para as gerações vindouras. São o respeito à fauna e flora, à purificação do ar e à melhoria do clima, tão subestimados por tantos idiotas que só querem conviver com o pó cinza do concreto armado das verticalizações milionárias. 

O codinome de "cidade dos botecos" não nos agrada. O outro que querem criar e já premeditado de "cidade verticalizada" também não nos aquiesce, nem engrandece. Ao contrário, ambos desmerecem a tradição do povo mineiro, afeito às imortais atitudes patrióticas dos inconfidentes e dos arautos e articuladores da recente democracia brasileira, na ínclita valoração humana. 

Não nos cabe tergiversar. A conversa é direta e objetiva. A sociedade agora não se debruça nem chora. A irresignação é geral e o risco da fúria contra o autoritarismo tardio é iminente. A nossa gente já não mais pode ser tratada como escravos acorrentados, haja vista que estes por direito e por justiça não existem mais.

O direito de contestação é constitucional. O direito ao meio ambiente preservado e sadio é constitucional. O direito de viver com dignidade é constitucional. O direito à ampla defesa e contraditório do meio ambiente é constitucional.

Ademais, o Estatuto da Cidade é de clareza solar em seus artigos 2º e 43, que assim lecionam:
Art. 2º - A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações;
II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;
Art. 43 - Para garantir a gestão democrática da cidade, deverão ser utilizados, entre outros, os seguintes instrumentos:
I – órgãos colegiados de política urbana, nos níveis nacional, estadual e municipal;
II – debates, audiências e consultas públicas;
III – conferências sobre assuntos de interesse urbano, nos níveis nacional, estadual e municipal;
IV – iniciativa popular de projeto de lei e de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano;

A participação ampla e efetiva da sociedade não está sendo permitida, quando avançam terrenos, matas e áreas verdes adentro, sem consultar verdadeiramente as comunidades afetadas, numa demonstração acintosa de abuso de poder dos solertes autocratas de plantão.

Se o Estado, na figura da administração pública municipal não respeita as leis vigentes  e, no seu julgamento do que denomina desenvolvimento, premedita o crime ambiental e o executa em todas as nuanças, não há como estabelecer uma compreensão da sociedade. O crime ambiental premeditado gera o caos anunciado.

O progresso da cidade tem de se dar a bom termo. O Plano Diretor e a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo Urbano do Município de Belo Horizonte devem, prioritariamente, cumprir função social, respeitando os direitos a uma cidade sustentável e ao ambiente urbano digno do ser humano. Estes dois institutos legais não podem servir de alavanca para interesses particulares, nem serem levados a efeito de mudanças sem ouvir a sociedade. A discussão há de ser ampla e de forma democrática, aberta e sem demagogia política.

A oitiva da população e de suas respectivas Associações de Moradores é preliminar aos argumentos de burocratas que não revelam sensibilidade no trato de questões de relevância social. As leis não podem mudar para retirada de direitos ou garantias. As mudanças só se admitem para ampliar as conquistas sociais, num universo contemporâneo do Estado Democrático de Direito.

Wilson Campos (Advogado / Assessor Jurídico do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte).

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de 02/06/2012, sábado, pág. 18).

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