RELEGADOS À PRÓPRIA INCOLUMIDADE.

Foram tantas as caminhadas em defesa das diretas já, descendo as muitas ruas e todas no sentido da praça da rodoviária. O sentimento era elevado por um coro de vozes que fazia explodir nas gargantas o Hino Nacional. A praça se enchia em poucos minutos e as ruas perpendiculares também. A multidão estava tomada por um espírito de cidadania e civilidade tão grande, que as forças militares de prontidão ficavam como que a quererem tomar parte da festa democrática. 

O ar estava impregnado da coragem que exalava dos corpos ali reunidos, de homens e mulheres, jovens e adultos, todos de pé, fizesse sol ou chuva, frio ou calor. Estávamos ali, aos milhares, numa imagem admirável de se ver, pedindo por uma nova Constituição e por eleições diretas, sedimentadas na democracia ampla, geral e irrestrita.

Passaram-se os anos e o que pedíamos naquela ocasião, talvez tenhamos que pedir de novo. A Constituição da República, de 250 artigos, não trouxe até agora o que a sociedade mais pedia: o livre direito de ir e vir, com incolumidade.

A violência campeia solta no centro, nos bairros, nas áreas pobres e nas de classe média, média alta e rica. Ninguém está livre da sanha dos meliantes obstinados. Os assaltos são cada vez mais acintosos. As agressões por sua vez mais gratuitas e sem motivo que as justifique. A impunidade atiça a prática criminosa. E as nossas polícias, apesar de todos os esforços empreendidos, são em pequeno número para atender todas as comunidades e lhes prestar o direito constitucional à segurança pública.  

Embora previsto na Carta Magna, não temos deveras este direito assegurado. A incolumidade, a segurança ou a isenção de perigo são palavras sinônimas, mas longe do alcance das pessoas comuns, que somos nós, contribuintes com direito a quase nada.

O direito de ir e vir com incolumidade, não passa do mais simples e mais ignorado de todos os direitos da pessoa humana. Mesmo assentado na Constituição em seu artigo 5º, inciso XV, o direito à livre locomoção está tão restrito quanto a segurança pública na preservação da incolumidade no artigo 144, caput, ou seja, ambos os direitos estão longe de se realizarem efetivamente na proteção da sociedade.

Já não se fala mais em segurança pública nas reuniões severas ou nas rodas de amigos. Hoje se fala muito, sem pedantismo, em (in)segurança pública, que não se sabe mais dever de quem. Se da União, do Estado ou do Município, mas, com certeza a responsabilidade é dos três entes da federação, arrecadadores dos tributos que estes contribuintes inseguros pagam sob o cabresto da legalidade arguida.

A população ordeira e pacífica está fadada ao abandono. A reclusão é nossa, presos em nossas casas, enquanto a criminalidade impune e covarde toma conta das ruas, sob o olhar contemplativo das autoridades pouco ou nada atuantes. Somos a face do medo e relegados à própria incolumidade, enquanto a facção sediciosa nos impõe arbitrariamente o toque de recolher. Estamos todos, humildes cidadãos, por nossa conta e risco.

Nos bairros da cidade a tomada de decisão nunca foi tão igual.
Anoiteceu, procure o seu canto, a sua trincheira desarmada.
Faça-se de bobo, alienado, ou qualquer coisa paradoxal.
Mas não ouse enfrentar a bandidagem já afora emboscada.

O Estado e seus agentes públicos responsáveis pela segurança pública precisam urgentemente sentar à mesa e analisar a carência funcional, a qualificação profissional, os salários defasados, o desprestígio público e a corrupção crescente.

As forças policiais são as mãos do poder de coerção do Estado, mas para que isto se revele a serviço da sociedade são precisos aparelhamento e estrutura, para que atuem de acordo com os bens jurídicos tutelados, como a vida, a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade. 

Data maxima venia, será que teremos que voltar às ruas e praças, aos milhares, para pedirmos pelo mais humilde e acanhado de todos os direitos, que é dever do Estado, responsável pela segurança pública na preservação do ... direito de ir e vir, com incolumidade?

Até que o Estado se decida, continuamos relegados à própria incolumidade, por nossa conta, risco e sorte. Sabe-se lá até quando.

Wilson Campos (Advogado).    
    

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