A GRAVE CULTURA DA IRRESPONSABILIDADE.

Enquanto nos sentirmos isentos de culpa pelas tragédias que envolvem vidas humanas, não saberemos ao certo o significado de cidadania. O fato de não sermos diretamente responsáveis pela negligência e atos de irresponsabilidade do Poder Público não nos permite o sono dos justos. A co-responsabilidade está diretamente ligada ao fato de se ficar de cócoras, com o queixo aos joelhos, lamentando o acontecido quando se deveria levantar e energicamente exigir o fim da impunidade neste país.

As Administrações Públicas erram feio quando nos obrigam assistir as enchentes anuais, a carreta desgovernada que desce a avenida sem sinalização adequada, os incêndios nas casas noturnas, os desabamentos de prédios, os cortes insanos de centenas de árvores, a destruição de áreas verdes para irracional verticalização e com isso arrasam com vidas e famílias inteiras, deixando a sociedade cada vez mais órfã.

A tragédia lamentavelmente ocorrida em Santa Maria/RS tem culpados e a punição pelos crimes não pode ser protelada, quando se constata que a cultura da irresponsabilidade chega ao ponto de a vida humana ser descartável para os caçadores de níqueis. A obra improvisada, a falta de sinalização e de saídas emergenciais amplas e adequadas, o isolamento acústico com materiais impróprios, as vistas grossas do Poder Público e a desculpa de pequeno contingente de fiscais transformaram em luto uma cidade, um estado e um país inteiro. 

Sonhamos com uma pátria decente, mas o que vemos ao acordar é uma camarilha gananciosa, abastecida por dinheiro público, que vive impune mesmo sob o crivo de graves crimes cometidos. Parecem desconhecer a integridade. Ignoram a voz rouca das ruas e se esquecem de que uma das funções do administrador público seja a de obrigatoriamente estar preparado para os riscos do cargo e jamais se omitir. 

O povo faz de conta que vota e o político faz de conta que trabalha, numa corrente espúria de falta de vergonha de ambos os lados. O sentimento de revolta não pode ser apenas de agora, mas sempre e cada vez maior, preferencialmente à busca da prevenção e da manutenção da vida.

A grave cultura da irresponsabilidade é problema de todos e não de alguns. Os maus exemplos devem ser banidos e os responsáveis punidos. A sociedade merece viver sem as aberrações dos assassinatos culturais. A crueldade, a que nível for, não mais poderá ser aceita, nem hoje, nem nunca.

Uma sociedade de fato não se deixa manipular, iludir ou menosprezar. O respeito à dignidade humana é o princípio, o meio e o fim. A submissão é ato mesquinho daqueles que se sujeitam. O continuar de cócoras não é opção, é covardia. O levantar do corpo e a cabeça erguida na exigência da moralidade geral não é um simples apelo, mas um direito constitucional e sagrado de todo cidadão. 

Ser cidadão é pensar a cidade e reconhecer-se nas leis e nos direitos e deveres, tendo a ética como meta para alcançar estes ideais, fazendo renascer o espírito comunitário, substituindo o individualismo e demais valores negativos da sociedade por um sentimento coletivo de humanidade, bastante possível aos habitantes de um estado livre. 

Não há mais tempo nem paciência nacional para suportar a gravidade da cultura da irresponsabilidade, nem para a ignomínia dos assassinatos culturais.
 
  
Wilson Campos (Advogado e Consultor Jurídico).

(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de 09/02/2013, sábado, pág. 9).    

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