SALÁRIO “POR FORA”.



Embora a prática do pagamento de salário “por fora” seja condenada pela legislação, alguns trabalhadores beneficiados com esse “agrado” ficam silentes e deixam a coisa acontecer.

Entretanto, cumpre demonstrar que tal prática configura ilícito nas esferas trabalhista e penal, na medida em que se traduz como crime contra a ordem tributária, tipificado na Lei 8.137/1990 (que define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências). 

O salário “por fora” acarreta grave prejuízo à sociedade, porque reduz a arrecadação dos encargos sociais e, consequentemente, prejudica o financiamento da seguridade social. Essa prática se reveste de fraude contra o fisco e ilude o trabalhador, uma vez que tais valores não entram para o cálculo de horas extras, adicional noturno, periculosidade, insalubridade, décimo terceiro, aviso prévio, descanso semanal remunerado, férias mais 1/3, e de outras parcelas remuneratórias.

Assim, o valor depositado do FGTS acaba sendo pago a menor, bem como a multa de 40% nos casos de demissão do empregado. O INSS também é recolhido em valor inferior ao real, o que certamente acarretará ao trabalhador uma aposentadoria com valor reduzido.

Contrariamente aos interesses desses empregadores que fraudam e sonegam, atuam os fiscais trabalhistas e previdenciários, que têm notificado empresas que utilizam práticas de salário “por fora”.

A maior origem desses valores é o chamado “salário in natura”, também conhecido por salário utilidade, que é entendido como sendo toda parcela, bem ou vantagem fornecida pelo empregador como gratificação pelo trabalho desenvolvido ou pelo cargo ocupado. São valores pagos em forma de alimentação, habitação ou outras prestações equivalentes que a empresa, por força do contrato ou do costume, fornece habitual e gratuitamente ao empregado.

A CLT dispõe em seu artigo 82, que o empregador que fornecer parte do salário mínimo como salário utilidade ou in natura, terá esta parte limitada a 70% (setenta por cento), ou seja, será garantido ao empregado o pagamento em dinheiro de no mínimo 30% (trinta por cento) do salário mínimo fixado para a região.

Daí pode-se concluir que tal regra deverá ser aplicada proporcionalmente aos empregados que tiverem salário contratual superior ao salário mínimo. Portanto, nem todo pagamento de salário utilidade deve ser considerado como “por fora”, estando dentro dos limites da CLT. A lei não proíbe o pagamento do salário utilidade, mas limita este pagamento, devendo tais valores serem indicados em recibo de pagamento bem como se sujeitarem às incidências trabalhistas e previdenciárias, resguardadas algumas exceções.

Merece observação o fato de que não serão consideradas como salário, desde que fornecidas a todos os empregados, habitualmente, as seguintes utilidades concedidas pelo empregador, nos termos do Art. 458, § 2º, da CLT:

I) vestuários, equipamentos e outros acessórios fornecidos aos empregados e utilizados no local de trabalho, para a prestação do serviço;

II) educação, em estabelecimento de ensino próprio ou de terceiros, compreendendo os valores relativos a matrícula, mensalidade, anuidade, livros e material didático;

III) transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público;

IV) assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;

V) seguros de vida e de acidentes pessoais;

VI) previdência privada.

Um exemplo típico de salário “por fora” é o pagamento de contas do empregado, sem desconto respectivo, como aluguel de casa, cartão de crédito para uso particular, locação de veículo para uso próprio, comissões, gratificações, entre outros.

Destarte, por todo o exposto, perfila a recomendação aos empregados que tiveram o direito violado, que guardem os comprovantes de pagamentos ou de cheques recebidos. Não sendo possível, é viável ao menos que os empregados anotem as datas e os valores recebidos em caráter de “salário por fora”. É muito importante também que os empregados tenham testemunhas que possam comprovar que tais atos eram habitualmente praticados.

Já para a empresa infratora, caso venha a ser descoberta a ilicitude, terá por consequência o dever de quitar, com juros e correção monetária, os encargos sociais e os direitos que deveriam ter sido realizados ao longo do contrato de trabalho, bem como o ressarcimento do prejuízo causado ao Poder Público.

Com efeito, essa modalidade de pagamento salarial, que vem assumindo proporções endêmicas, não lesa apenas o trabalhador, mas o Estado e a sociedade como um todo, vez que implica a sonegação intencional de recolhimentos previdenciários e tributários.

Assim sendo, por esses e outros motivos infratores, o empregado deve ajuizar ação trabalhista buscando o reconhecimento da existência do salário “por fora”, provando o ato fraudulento do empregador. Para tanto, a forma correta é o empregado que se encontre nessa situação procurar um advogado especialista em Direito do Trabalho e reivindicar o direito que lhe é devido.

Wilson Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental).




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