“INDÚSTRIA DO DANO MORAL”.
Uma
determinada ação teve reviravolta impensada e indesejada pela parte autora. O juiz
constatou fraude e condenou a autora e o advogado por má-fé. Antes, o juiz leigo havia deferido o pedido de indenização
por negativação indevida, mas a sentença não foi homologada pelo juiz de
Direito que percebeu a fraude.
Após reconhecer prática da “indústria do dano
moral”, o juiz de Direito Fernando Kendi Ishikawa, do JEC de Colíder/MT, negou a
uma consumidora indenização por suposta negativação indevida por dívida com a
empresa de telefonia Vivo. A autora e seu advogado acabaram
condenados solidariamente a arcar com custas e honorários, bem como com multa
por litigância de má-fé.
O caso é o seguinte:
A autora ingressou com ação alegando que não possui
relação jurídica com a empresa e que desconhecia a origem do débito que
originou sua negativação, tendo sido indevida a inclusão no cadastro de
inadimplentes.
Ao analisar, a juíza leiga Luciana Gomes de Freitas
considerou que a empresa de telefonia não conseguiu comprovar a dívida, razão
pela qual deveria indenizar a consumidora pela negativação indevida.
Porém, o
projeto de sentença não foi homologado pelo magistrado. Ao analisar a demanda,
ele observou que é crescente o uso do Poder Judiciário para chancelar atos
criminosos – sobretudo nos juizados especiais, onde não é preciso pagar custas
ou despesas processuais. Apontou ainda que a inversão do ônus da prova muitas
vezes é usado como instrumento de abuso por alguns consumidores, que se
aproveitam da impossibilidade material de algumas empresas de se defenderem de
forma articulada em todas as comarcas do país.
É o que se denomina “indústria do dano moral”,
frisou.
O magistrado ainda destacou as altas cargas
tributárias do país e os desafios dos empresários, que, além de tudo, têm de se
preparar para se defenderem de ações inidôneas propostas perante os juizados
especiais.
“Ora, a prática se equipara a delitos patrimoniais
com a chancela do Poder Judiciário, induzindo o juiz a erro pela fraude
empregada. (...) Tais condutas devem ser reprimidas energicamente, não só pela
reprovabilidade, mas, sobretudo pela falta de ética, a utilizar o manto da
justiça para fim ilegal e até mesmo criminoso”.
O juiz destacou que, recentemente, deparou-se com o
fenômeno da “indústria do dano moral” funcionando em nível de organização em
âmbito estadual, contando com agentes associados com divisão específica de
tarefas. Há, inclusive, mensagens circulando em redes sociais para divulgar
serviços de “limpeza de nome” nos cadastros de inadimplentes.
No caso em análise, o juiz observou que o mesmo
advogado tem centenas de ações tramitando perante diversos juizados especiais
do Estado do MT, “certamente contendo petições iniciais idênticas a esta”.
No mérito, o juiz de Direito entendeu que os
pedidos da autora não merecem ser acolhidos. Embora não tenha exibido contrato,
a empresa de telefonia demonstrou que a autora foi sua cliente porque efetuou
pagamento de inúmeras faturas entre os anos de 2014 e 2016 sobre três
diferentes linhas telefônicas.
Para o magistrado, ficou comprovada a existência da
dívida cuja quitação não foi demonstrada pela autora.
Constatada a fraude, a mulher, bem como seu
advogado, solidariamente, foram condenados ao pagamento de multa por litigância
de má-fé no importe de 10% do valor da causa, que é de R$10.440,00 - sendo R$440,00
o valor da dívida da consumidora com a empresa, e R$10.000,00 o pedido de
reparação pelos danos morais. Eles também devem arcar com as custas e despesas,
além de honorários advocatícios de 15% do valor da causa.
Após o trânsito em julgado, o juiz determinou que sejam
certificados o Tribunal de Ética da OAB do Estado, a corregedoria-Geral de
Justiça e os juizados especiais das demais cidades onde há demandas do mesmo
advogado.
O magistrado faz ainda as seguintes considerações:
[...]
“De outro lado, vê-se que a
presente demanda se enquadra justamente na hipótese delineada no item 'II.1 -
Da indústria do dano moral'.
Primeiro porque o advogado Dr. João dos Santos Mendonça atua
na Cidade de Cuiabá, tendo escritório profissional na Avenida Mato Grosso, nº
183, Bairro Centro, além de seu telefone possuir DDD daquela localidade (65)
3623-2300 e (65) 9 8404-4022.
Segundo porque o referido advogado tem centenas de ações
tramitando perante diversos Juizados Especiais deste Estado a saber com os
seguintes quantitativos: Arenápolis 02, Barra do Garças 01, Brasnorte 04, Campo
Novo do Parecis 24, Campo Verde 01, Canarana 02, Chapada dos Guimarães 01,
Claudia 01, Colniza 02, Colíder 02, Comodoro 02, Cotriguaçu 01, Cuiabá 04,
Cáceres 07, Diamantino 03, Lucas do Rio Verde 02, Matupá 02, Mirassol D’Oeste
02, Nova Mutum 02, Nova Ubiratã 01, Poconé 12, Primavera do Leste 82, Rosário
Oeste 02, Sinop 11, Sorriso 03, Santo Antônio do Leverger 50, São Félix do
Araguaia 01, São José do Rio Claro 03 e Tangará da Serra 02, todas certamente
contendo petições iniciais idênticas como esta, por exceção obviamente dos
dados pessoais da parte autora e do respectivo débito objurgado.
Terceiro porque a procuração acostada consta ter sido
subscrita na Cidade de Cuiabá, em data determinada, mas sem reconhecimento de
firma, o que certamente não ocorreu, já que a parte autora não se deslocaria de
Colíder para Cuiabá para esta finalidade.
Quarto porque o advogado Dr. João dos Santos Mendonça sequer
compareceu à audiência de conciliação.
Quinto porque houve a propositura direta da presente ação
judicial sem qualquer prévia resolução administrativa. Houvesse boa-fé na
demanda a recomendar a eventual inversão do ônus da prova nos termos da
legislação consumerista, certamente a parte reclamante teria colacionado um
mínimo de lastro probatório sobre os fatos constitutivos de seu direito, a fim
de respaldar a verossimilhança de suas alegações, o que não ocorreu no caso
vertente, haja vista que a assertiva poderia ser corroborada por meios
administrativos para a resolução extrajudicial do problema como protocolos seja
perante a respectiva empresa, seja perante o serviço de atendimento ao consumidor,
seja perante a ouvidoria, seja perante agências reguladoras ou instituições de
controle (ANATEL, ANEEL, ANCINE, ANAC, ANTAQ, ANTT, ANP, ANVISA, ANS, ANA, ANM,
Comissão de Valores Mobiliários e Banco Central do Brasil), seja perante o
PROCON, existente na Comarca de Colíder.
Sexto porque acostados os extratos de pagamento de faturas de
consumo da parte autora perante a parte ré.
Sétimo porque, como já dito, houve recente recomendação para
o enfrentamento de fraudes e captação ilícita de clientes emanada pelo Eminente
Desembargador Dirceu dos Santos, Presidente do Conselho de Supervisão dos
Juizados Especiais, remetida cópia dos expedientes CIA 0042256-48.2018 e
0042770-98.2018 das empresas Telefônica Brasil S/A - Vivo e Energisa, em que se
detectou, inclusive, crime de falsidade documental de faturas de consumo e
comprovantes de endereço.
Portanto, comprovada documentalmente pela parte demandada a
existência da dívida cuja quitação não foi demonstrada pela parte autora na
forma estabelecida no art. 320 do Código Civil, mostra-se legítima a inscrição
nos cadastros de inadimplentes, inexistindo conduta abusiva ensejadora do dever
de indenizar”.
Continuando a sua sentença, o magistrado diz:
Ante o exposto:
1) JULGO
IMPROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, e o faço com
resolução do mérito, a teor do que dispõe o art. 487, inciso I, do NCPC,
prejudicadas as arguições preliminares;
2) CONDENO a
parte autora e seu advogado, SOLIDARIAMENTE, de ofício, por litigância de má-fé
no patamar de 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, atribuída em R$
10.440,06 (dez mil, quatrocentos e quarenta reais e seis centavos), o que
perfaz o montante de R$ 1.044,00 (um mil e quarenta e quatro reais), bem como
ao pagamento de CUSTAS PROCESSUAIS, além de todas as despesas assumidas pela
parte ré com este feito, na licença do art. 79, art. 80, incisos I, II e III,
art. 81, “caput” e § 1º, do NCPC, art. 55, parágrafo único, inciso I, da Lei
9.099/95, art. 470, parágrafo único, e art. 949, inciso III, da CNGC e
Enunciados 114 e 136 do FONAJE, o que passível de execução e liquidação nestes
autos (art. 777 do NCPC), além de HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS fixados em 15%
(quinze por cento) sobre o valor da causa, pois que: a) regular a natureza e a
importância da causa; b) acessível o lugar da prestação do serviço; c) ótimo o
grau de zelo do profissional e o trabalho por ele realizado; e d) baixa
exigência temporal do serviço fornecido, nos termos do art. 85, § 2º, do Novo
Código de Processo Civil e Enunciado 136 do FONAJE. - Fonte: Proc. nº 1000079-25.2018.8.11.0009. JEspCív. PJe. TJMT.
Data maxima venia do meritíssimo senhor juiz sentenciante, pareceu-me exageradamente pesada a sua decisão, uma vez que o advogado e a sua cliente são hipossuficientes diante do grande poder econômico da empresa ré. Ademais, o juizado especial deveria oportunizar manifestação nos autos por parte do advogado da autora, para que ele fizesse uso do contraditório e da ampla defesa, haja vista a decisão forte contra a pessoa do operador do direito. Talvez no recurso inominado, se ocorrer, a Turma Recursal avalie com mais calma e decida de forma mais ponderada e sem expor tanto o advogado e sua cliente. Se, por um lado, a harmonia é necessária nos atos do devido processo legal, independentemente da firmeza necessária por parte do Poder Judiciário, por outro, a urbanidade e a cordialidade entre advogados e juízes é indispensável. Assim, em que pese o direito do senhor magistrado de sentenciar conforme o seu entendimento, ao advogado cabe recorrer da sentença, principalmente se entender que o D. Juízo foi além da conta. Não se trata de corporativismo nem de defesa torta de advogado punido, mas de uma manifestação no sentido de que as coisas sejam menos violentas, pelo menos não sem antes ouvir o advogado condenado. Enfim, que prevaleça a JUSTIÇA!!!
Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e
dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Especialista em Direito
Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental).
Concordo com o advogado Wilson Campos que a medida do juiz foi extremada, pois não precisava tanto. Uma solução menos dramática e menos expositiva talvez fosse mais razoável. Caso o advogado da ação e a parte insistem nos erros, futuros, aí sim haveria de ter uma sentença mais dura, como foi a dada pelo juiz, mas sendo a primeira, acho que foi desproporcional. Cumprimento o colega advogado Wilson Campos e divido com ele a minha preocupação. Abraço. Uriel M.
ResponderExcluirGostei mesmo foi da categoria do advogado Wilson Campos no final do texto, bem mais equilibrada que a decisão do juiz "aparecido". Justiça!!!!!!!! Maria Heliodora.
ResponderExcluirEssas empresas de telefonia sacaneiam a vida de todo mundo e nada acontece. Quando alguém entra na justiça contra elas vem um juiz japonês e protege as sacanagens delas. Que isso? Proteger empresa grande e rica pode, mas indenizar uma consumidora não pode. Por que não condena essas empresas que ligam de dia, de noite, de madrugada enchendo o saco da gente. Por que não condena essa empresa multinacional VIVO por cobrar muito por um serviço de péssima qualidade? Isso não pode né? Tá bom!!!! E o pior de tudo foi condenar o advogado que defendeu a sua cliente. Quer dizer que advogado defender bandido, corrupto, do mensalão, do petrolão, PODE, mas defender o consumidor não pode. Que isso senhor juiz japonês, precisa descer do seu pedestal de barro, logo, logo.... E meus parabéns ao dr. Wilson Campos pelo encerramento do texto sobre a tal da indústria do dano moral, com extrema maestria, aliás, como sempre. Mirtes Filgueiras.
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