ABUSOS DOS PLANOS DE SAÚDE



A abusividade dos planos de saúde, com restrição de exames e negativa de tratamento, além de ser uma constante dor de cabeça para os segurados, vem se transformando em uma enxurrada de reclamações dos consumidores.

Resta evidente que a pessoa que paga plano de saúde espera, no mínimo, que o serviço lhe seja prestado quando ela precisar. No entanto, nem sempre isso acontece, haja vista que as empresas negam a cobertura baseadas em argumentos absurdos e longe do interesse dos segurados que, pontualmente, pagam as suas mensalidades.

Nesse sentido da demonstração do quanto são insensíveis e desumanas as empresas operadoras em relação aos beneficiários de plano de saúde, observem-se os seguintes fatos, as demandas e as decisões judiciais, a saber:

É abusiva a cláusula contratual que restringe autorização para realização de exames, diagnósticos e internações a pedido de médicos conveniados a plano de saúde. O entendimento é da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A controvérsia surgiu depois que um médico de Mato Grosso procurou o Ministério Público (MP) estadual. O profissional alegou que seu paciente, beneficiário da Unimed Cuiabá, era portador de tumor cerebral e necessitava realizar ressonância nuclear magnética e diversos exames hormonais. Todavia, estava tendo dificuldade em conseguir as autorizações para a realização dos exames solicitados.

O inquérito do MP verificou que vários outros usuários tiveram a mesma dificuldade na realização de exames prescritos por médicos de sua confiança, mas que não constavam na lista da cooperativa. Em muitos casos, segundo os testemunhos, os pacientes precisavam pagar o exame ou procurar um médico credenciado somente para prescrever a solicitação.

Em ação pública, o órgão ministerial alegou que a prática é abusiva e ofensiva aos princípios básicos das relações de consumo. Afirmou também que as cláusulas contratuais que não autorizam a realização de exames, diagnósticos ou internações hospitalares, quando as guias de requisição são assinadas por médico não cooperado, constrangem o usuário, causando-lhe transtornos e prejuízos desnecessários.

No pedido, além de destacar a propaganda enganosa, pois a cooperativa afirmava estar cumprindo a legislação, solicitou a reparação dos danos causados aos usuários, tanto materiais quanto morais.

A sentença declarou nulas as cláusulas 6.3.1, 6.4.1 e 6.4.2 do contrato e determinou a veiculação da decisão nos meios de comunicação. A título de dano material, condenou a Unimed Cuiabá a reembolsar os usuários dos valores pagos a terceiros, dentro do prazo decadencial, com atualização monetária a partir da data do pagamento. Para sanar o dano moral coletivo, foi determinado depósito de R$ 200 mil no Fundo Municipal de Saúde.

A cooperativa recorreu da sentença ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), que reconheceu como abusiva a cláusula que condiciona as autorizações a pedidos de médicos credenciados e a necessidade de reparação de dano material.

Porém, o TJMT afastou o dano moral genérico, alegando que o caso se refere a dano moral individual. O tribunal também entendeu não ser necessária veiculação da sentença em emissoras locais, mantendo somente a publicidade nos meios de comunicação escrita.

A Unimed Cuiabá recorreu ao STJ tentando reverter a invalidação da cláusula contratual. O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso especial, destacou o fato de a cobertura não se estender aos honorários dos não cooperados, sendo restrita somente aos exames e internações, que deveriam poder ser solicitados por qualquer profissional.

De acordo com o ministro relator, “internações e demais procedimentos hospitalares não podem ser obstados aos usuários cooperados, exclusivamente pelo fato de terem sido solicitados por médico diverso daqueles que compõem o quadro da operadora, pois isso configura não apenas discriminação do galeno, mas também tolhe o direito de usufruir do plano contratado com a liberdade de escolher o profissional que lhe aprouver”.

O entendimento do relator foi acolhido unanimemente pela Quarta Turma do STJ e, com isso, fica mantida a abusividade da cláusula contratual estabelecida pela cooperativa médica Unimed Cuiabá. (STJ – 05.08.2016 – REsp 1330919; Mapa Jurídico/Normas Legais).

Noutra vertente, mas ainda na linha de defesa dos direitos do segurado de plano de saúde, verifica-se que é perfeitamente possível a imposição de multa diária a plano de saúde por negativa de tratamento.

A decisão judicial que determina a operadora de plano de saúde que autorize tratamentos hospitalares fixa obrigação de fazer e, portanto, é compatível com a aplicação de multa diária em caso de descumprimento da ordem. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). 

In casu, mediante o presente recurso analisado, a empresa sustentava que, como teria de arcar com o tratamento, a decisão impunha obrigação de pagar quantia. Todavia, mostrava-se incabível a fixação das multas diárias conhecidas como “astreintes”, que se destinam apenas aos casos de obrigação de fazer ou não fazer. Vale esclarecer que “astreinte” é a multa diária imposta por condenação judicial, que no direito brasileiro é cabível apenas nas obrigações de fazer e de não fazer.

Pela decisão questionada no recurso, o plano teria de autorizar o Hospital HDI a realizar os procedimentos cirúrgicos, médicos, hospitalares e ambulatoriais necessários ao tratamento da autora da ação, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (cinco mil reais).

A ministra Nancy Andrighi esclareceu que a obrigação de dar contém a de pagar quantia, isto é, entregar coisa ao credor. Já a obrigação de fazer constitui-se na realização de uma atividade. Mas isso não exclui a possibilidade de, por vezes, a entrega de coisa pressupor a realização de uma atividade.

Nessas hipóteses, explicou a relatora, deve-se analisar qual o elemento preponderante da obrigação no caso concreto. E, no caso julgado, em que o pedido era apenas para que o plano autorizasse o tratamento, para a autora pouco importava se o plano de saúde iria, depois, pagar as despesas médicas.

A ministra ressaltou que, se não for quitada a dívida, a cobrança caberá não à autora, mas ao hospital. Dessa forma, o elemento preponderante da prestação requerida era obrigação de fazer, não havendo qualquer impedimento para a imposição de astreintes.

Outro ponto do recurso atacava a suposta falta de clareza do pedido na ação cautelar originária, porque não indicava quais os tipos de consultas, exames e cirurgias pretendidos.

A relatora entendeu, no entanto, que o pedido era certo e determinado, porque identificou a providência jurisdicional buscada – o pedido imediato, isto é, a condenação – e o pedido mediato, no caso, a autorização de tratamento médico.

Para a ministra, exigir que a petição listasse todos os procedimentos a que a autora necessitaria ser submetida seria impossível, por se tratar de informações técnicas que não são do conhecimento de quem é atendido em situação de urgência. Além disso, os procedimentos variam conforme a dinâmica do quadro clínico.

Ainda segundo a ministra relatora, acolher essa pretensão do plano de saúde resultaria na inviabilização da ação cautelar, já que a autora teria que aguardar a realização de todo o tratamento para conhecer suas necessidades médicas, contrariando o objetivo principal da cautelar. (STJ – 03.09.2013 – Resp 1186851; Mapa Jurídico/Normas Legais).

Como visto, os segurados encontram no Poder Judiciário a segurança que lhes é devida, já se transformando em jurisprudência, uma vez que as operadoras de planos de saúde são campeãs de reclamações e insistem no erro contra o consumidor.

Enfim, nota-se, com certa clareza, que as empresas de planos de saúde, de forma injusta e desumana, negam o direito ao atendimento e à prestação de serviço àquele que paga a mensalidade, e justamente na hora em que a pessoa mais precisa e está fragilizada pelo acometimento de alguma enfermidade. Em assim sendo, a expectativa dos segurados de planos de saúde é que a Justiça esteja sempre alerta, para que injustiças não sejam praticadas contra os pacientes.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).   





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