VALE X BRUMADINHO: O ACORDO PODERIA TER SIDO MELHOR.

“As instituições públicas pediam R$54 bilhões, mas a Vale bateu o pé e fechou o acordo em R$37,7 bilhões. Porém, a Vale precisa aprender a trabalhar com ética; auferir lucros com ética; visar o lucro não como objetivo, mas como resultado; exercer suas atividades minerárias com precaução e prevenção; respeitar a vida humana, e não o vil metal; e praticar espontaneamente a recuperação, a mitigação, a compensação, a reparação e a contrapartida”.

 

Um acordo que, em valores, poderia ter sido melhor para a população atingida e para o Estado de Minas Gerais foi assinado no dia 4 de fevereiro de 2021. Trata-se do acordo no valor de R$ 37.726.363.136,47 (trinta e sete bilhões, setecentos e vinte e seis milhões, trezentos e sessenta e três mil, cento e trinta e seis reais e quarenta e sete centavos) - o maior já realizado no Brasil e também na América Latina - entre a Vale S.A, o Estado e as instituições públicas envolvidas na lide. O acordo foi homologado em audiência mediada pelo presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Gilson Soares Lemes.

O referido acordo, de repercussão internacional, põe fim à possibilidade de uma batalha jurídica, que poderia se estender por mais de uma década, sobre a reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019, que matou 272 pessoas. Isso mesmo, ceifou vidas, enlutou famílias e destruiu o meio ambiente.   

“Conseguimos finalizar o maior acordo da história do Brasil em termos de fixação de compensação e reparação socioambiental. O conflito foi solucionado por meio da mediação e conciliação, de forma neutra e imparcial, promovendo o diálogo entre as partes envolvidas. Assim chegamos a esse acordo histórico para Minas Gerais, o Brasil e o mundo”, afirmou o presidente do TJMG. 

O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, elogiou a atuação do TJMG ao estimular, conduzir e finalizar com êxito a mediação entre a Vale, o Estado e as instituições públicas. Lembrou que, se o conflito continuasse judicializado, somente netos ou bisnetos dos atingidos pelo rompimento da barragem e da população mineira receberiam o ressarcimento dos danos causados.

O governador Romeu Zema destacou que o acordo homologado é uma mudança de paradigma para melhor na atuação do Judiciário mineiro.  “Os valores fixados reparam os danos socioeconômicos e ambientais para o estado e vão proporcionar melhorias na vida de muitas pessoas. Mas, o acerto de contas, não exime a punição dos responsáveis pelo crime. Além disso, os pedidos de indenizações individuais serão analisados pela Justiça”. 

Como visto, o governador mineiro realizou um acordo pecuniário, mas não isentou os culpados pelos crimes cometidos nem admitiu a perda de objeto das ações de indenizações individuais em curso no TJMG, que continuarão em trâmite e na busca dos respectivos direitos pleiteados.   

Por outro lado, os representantes dos atingidos pretendem questionar o acordo no Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo eles, “o acordo foi bom para o governo do Estado e um péssimo acordo para os atingidos, e fica claro que o Estado alcançou seu objetivo, de conseguir quase R$ 27 bilhões, em troca de apenas R$ 9 bilhões aos atingidos; e isso descontando o pagamento emergencial já feito durante esses dois anos, o que é um absurdo”. 

Os atingidos pela tragédia reclamam que não foi permitida a participação deles nem das entidades que os representam, e que essa ausência forçada os prejudicou e violou seus direitos. “Causa muita indignação ver tanta gente comemorando como um acordo histórico, bilionário. Nós que acompanhamos as comunidades atingidas vemos os testemunhos das comunidades de que os atingidos e atingidas não participaram desse acordo”, indignam-se os representantes dos atingidos.

As comunidades atingidas não param por aí nas suas alegações. Outro forte questionamento se refere a projetos apresentados pelo governo de Minas Gerais para o uso de R$ 9 bilhões em obras e melhorias que não possuem relação direta com Brumadinho ou a Bacia do Paraopeba. Cerca de R$ 5 bilhões serão destinados à mobilidade, como a construção do Rodoanel e melhorias no metrô em Belo Horizonte, assim como a recuperação de estradas e pontes, em local não identificado. Outros R$ 4,3 bilhões irão para melhorias nos serviços públicos na área da saúde, combate à dengue, atendimento hospitalar em hospitais de Belo Horizonte, e modernização dos Bombeiros, Defesa Civil e Polícias. 

Ainda segundo os atingidos, alguns detalhes precisam ser observados: 1º) O planejamento deverá ser enviado à Assembleia Legislativa de Minas Gerais para receber a aprovação ou não dos deputados mineiros; 2º) O pagamento do auxílio emergencial aos atingidos deve continuar incluído no tópico “Transferência de Renda e demanda dos atingidos”, que ficou com R$ 9,17 bilhões. O auxílio como existe hoje será pago por mais três meses, e adiante será elaborado um novo programa, com regras ainda não definidas. Serão descontados desse valor R$ 1,7 bilhão já pago pela Vale em auxílios; 3º) As prefeituras, sendo Brumadinho e outros 25 municípios, devem receber R$ 4,7 bilhões em projetos como reforma de escolas, conclusão de obras de postos de saúde, fortalecimento da rede de atenção psicossocial e incentivo à geração de emprego. Outros R$ 6,5 bilhões devem ser investidos em reparação socioambiental, R$ 2 bilhões em segurança hídrica e R$ 5,9 bilhões em reparações já iniciadas.

De sorte que os atingidos pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, não estão nem um pouco satisfeitos com o acordo celebrado, uma vez que, segundo eles, o grande beneficiado foi o governo de Minas Gerais, e as comunidades saíram prejudicadas, além do fato grave de que foram alijadas do processo de discussões nas audiências que levaram ao acordo homologado pelo TJMG.   

A rigor, cumpre observar que a Vale é a culpada pelos dois maiores desastres ambientais da história do Brasil. É culpada por ter vitimado 272 pessoas em Brumadinho e 19 em Mariana. Em ambos os episódios, a causa dos desastres foi uma sucessão de medidas para socializar os riscos: a escolha do método mais barato e mais arriscado do mundo para a contenção de rejeitos, o monitoramento inadequado das barragens, a pressão sobre empresas verificadoras para que atestassem falsamente a estabilidade das estruturas. Essas são considerações de técnicos, e não de leigos.  

A Vale vinha afirmando publicamente que desejava reparar os danos e que, para isso, dinheiro não era o problema. De fato, em setembro de 2020 a Vale distribuiu R$ 2 bilhões em dividendos e o mercado espera mais R$ 50 bilhões para 2021. Ou seja, dinheiro não falta na empresa, muito menos para os acionistas.   

Entretanto, se por um lado sobra dinheiro para premiação de acionistas com fartos dividendos, por outro falta para indenizar vítimas e reparar danos ambientais. A Vale não se sensibiliza nem um pouco com os riscos e perigos que coloca no caminho de terceiros, pois, lamentavelmente, se acha acima das pessoas, dos governos e dos tribunais. O acordo que celebrou, depois de meses de negociações, saiu muito barato, notadamente em razão do seu conhecido e extenso poder econômico. 

Enquanto o governo de Minas, o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual e a Defensoria Pública reivindicavam R$ 54 bilhões para o fechamento do acordo, algo em torno de US$ 10 bilhões, a Vale não chegava nem perto desse valor. Ou seja, a Vale jogava com o desespero daqueles que sabem que, na Justiça brasileira, as coisas andam a passos de tartaruga, e a demanda judicial poderia demorar mais 5, 10, 20 anos.

Superado o esforço jurídico, não restou dúvida de que o grande problema da Vale é dinheiro, sim, dinheiro, porque a empresa tem enormes apreço e apego ao dinheiro, ainda mais se for para reparar danos. A Vale sempre oferece valores baixos e distantes do possível para a solução de uma demanda. Daí a demora do acordo. 

Vejam o seguinte caso e tirem suas próprias conclusões: nos Estados Unidos, a British Petroleum pagou US$ 84 bilhões em 10 anos, por um desastre que matou 11 pessoas, sendo que a maior parte da poluição ficou em alto mar. Ou seja, lá as coisas funcionam, mas aqui no Brasil a Vale estufa o peito e enfrenta todo mundo e oferece pagar um valor bem abaixo do pretendido - R$ 54 bilhões - que é um valor justo, diante da dimensão da tragédia, das 272 mortes, do número gradual de vítimas na extensão territorial atingida, e do enorme passivo ambiental gerado com a destruição de recursos hídricos e áreas vegetadas. A Vale bateu o pé e não pagou o valor desejado pelas instituições oficiais negociadoras, e depois de muitas idas e vindas, fechou o acordo em R$37,7 bilhões. 

O recado que fica é que a Vale visa o lucro acima de tudo, a qualquer custo. Não é do seu feitio exercitar um capitalismo ético. Ao contrário, a Vale adota medidas que evidenciam sua preferência pelo lucro perpétuo, sem a dignidade da compensação do seu negócio predatório.   

A sociedade mineira não pode mais aceitar essa posição rígida e intransigente da Vale, que precisa assumir suas responsabilidades e responder efetivamente pelos seus erros, sem desculpas ou pedidos de perdão, que não bastam, posto que a reparação adequada se faça necessária. Minas Gerais não é “terra de ninguém”. Minas é dos mineiros, e não da Vale ou de seus ricos acionistas.  

Assim, parando por aqui, embora o tema seja para um livro e não para algumas páginas, vale notar que o acordo celebrado no valor de R$37,7 bilhões poderia ter sido melhor, no sentido de atender mais dignamente Minas Gerais, os atingidos e o meio ambiente. A Vale precisa aprender a trabalhar com ética; auferir lucros com ética; visar o lucro não como objetivo, mas como resultado; exercer suas atividades minerárias com precaução e prevenção; respeitar a vida humana, e não o vil metal; e praticar espontaneamente a recuperação, a mitigação, a compensação, a reparação e a contrapartida.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG/ Especialista com atuação nas áreas tributária, trabalhista, cível e ambiental).  

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Comentários

  1. Fernando José P.V.Bilhões8 de fevereiro de 2021 às 18:30

    Também acho da mesma forma Dr. Wilson. A Vale precisa agir com mais humanidade e ética. Parabéns!!! Abr. Fernando Bulhões.

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  2. Maria Helena Guimarães P.S.9 de fevereiro de 2021 às 17:59

    Dr. Wilson Campos, depois de tantos e tantos anos a Vale explorando as terras mineiras e pagar essa mixaria não está nada justo. Deveria ter pago muito mais e acima de R$100 bilhões porque o desastre foi enorme e a tragédia matou 272 pessoas e deixou famílias e famílias de luto. E os prejuizos do meio ambiente, dos rios, dos córregos, dos mananciais de água, e os prejuízos para os moradores ribeirinhos que viviam da pesca e de pequenas lavouras que viraram lama?????. Hein Vale??? Dr. Wilson estou como senhor pois o acordo deveria ter sido muito maior e melhor para MG e para os vitimados e para a recuperação ambiental. Sou Maria Helena G.

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  3. Quanto maior a empresa maior é a vontade de levar vantagem. Vejam os bancos, as multinacionais e até mesmo as estatais de grande porte. Querem levar dinheiro, vantagem e gastar pouco e investir cada vez menos na sustentabilidade e na qualidade. Isso quando não tem subsidio do governo e perdão de dívidas tributária não é mesmo ?Dr. Wilson?, o senhor que é adv. tribuitarista.
    Sou contra o governo ter cedido no valor do acordo e deveria ter batido o pé também e não dar mais licença para mineração deles em MG. Isso seria o correto. Parabéns Dr. Wilson pelo artigo nota 10. Abração. Célio Figueiroa.

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  4. Meu prezado Dr. Wilson Campos, outro dia eu ouvi na rádio itatiaia uns sujeitos dizendo que o acordo foi muito bom para Minas Gerais e os atingidos podiam continuar brigando pelos seus direitos no judiciário e que a ação deles no STf não daria em nada. Esses são os jornalistas que temos em MG e que defendem só os mais fortes, as empresas e os grande pagadores de propaganda na rádio deles. E defendem todo dia o prefeito daqui até onde podem sendo que o prefeito não fez nada nem cumpriu suas promessas. Nada. No caso da Vale eu penso diferente desses jornalistas puxa sacos e esquerdistas por conveniência e discordo deles porque o acordo foi ruim para MG e para o meio ambiente e muito pior ainda para as famílias quer perderam pais-filhos- e perderam tudo. Esse acordo deveria ter sido para mais de 100 bilhões de reais e desse valor cada família deveria ter recebido adiantado a sua parte e sem necessidade de ir para a justiça brigar. A Vale tem muito dinheiro para distribuir para seus sócios (bilhões) e pagar indenização ela não quer. Que vergonha tudo isso meu Deus. Mas para compensar o senhor deu uma lição e escreveu muito bem sobre o assunto de forma geral e com bom-senso e com justiça, dando um grande puxão de orelha na Vale. Muito bom meu nobre e competente advogado.Muito bom mesmo. Parabéns. Eu sou att. Expedito Miranda.

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