CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: DOIS PESOS E DUAS MEDIDAS.

 

Parece que o Poder Judiciário brasileiro está atravessando uma demorada e duríssima fase de desequilíbrio da balança da Justiça, que oscila mais para um lado do que para o outro, sem preservar medidas justas. Neste sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem agido de forma muito estranha, ou seja, vem adotando dois pesos e duas medidas.

Vale observar que o CNJ tem sido rápido em punir juízes cujas decisões sejam contrárias a certas vontades políticas preestabelecidas. Por outro lado, se mantém inerte, omisso ou muito tolerante em casos de irregularidades administrativas do Judiciário, mesmo que tenham chocado a opinião pública. Ou seja, o CNJ está se tornando expert em usar dois pesos e duas medidas, abandonando sua função administrativa e assumindo um viés político.

O caso mais recente de sanção a um magistrado fundamentado em questões ideológicas foi a aplicação da pena de censura à juíza Joana Ribeiro Zimmer, no último mês de fevereiro, por ela ter tentado evitar o aborto de um bebê de sete meses em 2022. Antes dela, o CNJ puniu outros juízes por questões políticas ou ideológicas, como a determinação de aposentadoria compulsória de Ludmila Lins Grilo e a pena de censura a Marlos Melek – a primeira por publicar críticas a decisões do STF e o segundo por participar em um grupo de WhatsApp fechado de empresários de direita.

A ex-corregedora nacional de Justiça e ministra aposentada do STJ, Eliana Calmon, acredita que a atuação política dos órgãos do Poder Judiciário é bastante influenciada pelo posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF). “A minha grande preocupação com o CNJ foi exatamente para ser um órgão mais isento sobre o ponto de vista administrativo, e que não foi. Hoje, ele termina sendo um órgão político, com julgamentos que atendem a realidade política que hoje domina o país. E qual é a realidade política que domina o país? É a realidade ditada pelo Supremo Tribunal Federal”, destaca.

No caso da juíza Ludmila Lins Grilo, ela sofreu punição severa e teve sua aposentadoria compulsória determinada em 2023, após a abertura de processos administrativos nos quais o CNJ concluiu que houve violação de deveres funcionais. A má conduta consistia em manifestações de cunho político, especialmente nas redes sociais. Ludmila havia feito críticas públicas à condução do Inquérito das Fake News, divulgado o site do jornalista Allan dos Santos, investigado pelo STF, e se posicionado contra a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). Na época, a AMB se manifestou afirmando que a manifestação do 7 de setembro, organizada por Jair Bolsonaro, continha “atos e discursos autoritários”. A juíza teve um tratamento mais drástico se comparado a outros julgamentos similares no CNJ – a aposentadoria compulsória em vez de penas mais leves.

Lado outro, até o momento, nenhum responsável pela decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) que, em 2022, aprovou o pagamento de verbas retroativas para juízes e desembargadores, totalizando R$ 5 bilhões, foi punido. O CNJ limitou-se a suspender os penduricalhos, alegando o impacto negativo nas finanças do estado.

Outros casos recentes também chamaram a atenção, como o auxílio-alimentação natalino de R$ 10 mil para juízes e R$ 8 mil para servidores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) e a compra do modelo mais recente de Iphone para os desembargadores do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA). Embora o CNJ tenha barrado esses benefícios, o histórico sugere que os responsáveis por essas iniciativas dificilmente serão punidos.

O jornal Gazeta do Povo (o melhor jornal do Brasil atualmente) já elencou outras situações em que a Justiça concedeu mordomias a si mesma. Esses casos demonstram como o CNJ se mostra rigoroso com magistrados caso tenham opiniões políticas divergentes, mas complacente com privilégios dentro do próprio Judiciário. O contraste verificado é acintoso e serve de alerta para a população brasileira. Ou seja, em suma, críticas aos órgãos do Judiciário geram afastamento de função, mas uso indevido do dinheiro público não.

Ainda segundo a esclarecedora matéria da Gazeta do Povo, outra postura do CNJ que demonstra a restrição de manifestações de magistrados foi a provisão do CNJ de 2024. Assinada pelo corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, a medida determinou que cabe ao magistrado se manifestar sem “comprometer a imagem do Poder Judiciário”, inclusive em redes sociais. Entre os temas vedados, estão declarações que “contribuam para o descrédito do sistema eleitoral brasileiro” ou que gerem “infundada desconfiança social acerca da justiça, segurança e transparência das eleições”.

Essa não foi a primeira vez que o CNJ apresentou recomendações nessa linha. Em setembro de 2022, pouco antes do período eleitoral, uma provisão anterior já trazia orientações semelhantes. E isso significa que o CNJ obedece ordens e orientações do STF, embora devesse ser um órgão administrativo independente.  

Muitos juristas têm manifestado estranheza quanto ao fato de o CNJ intervir em outras áreas e publicar documentos com conteúdos no mínimo alheios ao seu interesse funcional. Ora, o CNJ tem legislado de forma equivocada e ilegítima, especialmente quando proíbe manifestações de magistrados que possam ter algum cunho político ou eleitoral, uma vez que isso acaba cerceando a liberdade de expressão dos magistrados, ainda que seja definido por lei que o juiz não poder ter uma atuação político-partidária.

Mas quando o CNJ restringe manifestações contra urnas eletrônicas e o sistema eleitoral, constata-se seu avanço de sinal, porquanto não seja um órgão disciplinar que pode avocar para si uma função do Legislativo.

Eliana Calmon alerta ainda que a atuação ideológica do CNJ pode gerar um efeito de censura prévia entre os magistrados. “O CNJ acaba funcionando como uma espécie de termômetro. Efetivamente, se ele está dentro de uma atuação mais política, isso ameaça, sim, a independência do Poder Judiciário. Porque o juiz não vai querer ter problemas com o CNJ. E para não ter problemas, eles terminam julgando e procedendo como se fosse atender a veia política do órgão disciplinador”, ressalta.

Como inicialmente citado, outro caso que reforça a ideia de perseguição política foi a decisão do CNJ em aplicar a pena de censura à juíza Joana Ribeiro Zimmer, no último mês de fevereiro, por tentar evitar o aborto de um bebê de sete meses em 2022. À época, a magistrada foi responsável por analisar o caso de uma menina de 11 anos, cuja gestação já estava avançada, e atuou dentro da lei, tentando afastá-la do abusador residente em sua casa. O hospital havia recusado realizar o procedimento devido ao estágio da gravidez, mas, após forte pressão midiática, acabou realizando o aborto em 23 de junho de 2022.

A conclusão do CNJ foi de que a juíza teria permitido que seus “valores pessoais” interferissem na decisão de adiar o aborto. O bebê acabou sendo morto por assistolia fetal, técnica de aplicação de uma substância diretamente no coração para interromper seu funcionamento. Mesmo com o procedimento, a menina precisou passar por uma via de parto para a retirada do bebê.

Durante o julgamento no CNJ em fevereiro, a defesa apontou que a magistrada apenas seguiu a Constituição, o Código Penal e cartilha do próprio CNJ sobre o tema. A pena recebida por Zimmer é considerada intermediária pelo CNJ, entre as consequências possíveis está o impedimento de promoção por merecimento. Ou seja, o CNJ interfere de forma açodada e imprópria em casos que deveriam ser mais bem analisados, com vagar e senso de justiça. Daí que o CNJ precisa de grandes mudanças estruturais que garantam-lhe isenção e imparcialidade. E isso deveria começar pela imprescindível disjunção de CNJ e STF, separando suas ações e atuações, para o bem dos juízes e do Poder Judiciário brasileiro.

Destarte, causa estranheza maior o fato de o presidente do CNJ ser também presidente do STF. Essa associação de presidências é prejudicial para a imagem do Judiciário, posto que não é de bom tom a mesma pessoa presidir um tribunal e presidir um órgão administrativo disciplinar que deveria fiscalizar os deveres da magistratura. Fica difícil um controlar o outro ou uma pessoa controlar a si mesma.

Enfim, data venia, o CNJ precisa sair da sombra do STF, evitar medidas e posições ideológicas, caminhar com suas próprias pernas, jamais cogitar dois pesos e duas medidas e exercer com extrema responsabilidade e equilíbrio o controle administrativo e financeiro e os deveres funcionais dos juízes de todos os segmentos do Poder Judiciário, sem quaisquer interferências ou vontades políticas preestabelecidas.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Muito bom o artigo colega dr. Wilson Campos. Parabéns pela sensata e justa interpretação dos fatos. Excelente o inteiro teor do texto e divido com o senhor minhas preocupações com as atitudes do Judiciário no Brasil nos últimos anos. Muito preocupante. Agradeço o colega pele prestimoso artigo e pelo notável Blog. At: Fabrício Lemos (advogado).

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