A RUA MUSAS, A SUPREMACIA E A INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO.

Nunca é demais lembrar que as atividades administrativas do Município, do Estado e da União são desenvolvidas para o efetivo benefício da coletividade. Se não são, deveriam. O interesse público remete a que a sociedade detenha este direito, pois caso contrário a atuação estatal restará inquinada de desvio de finalidade.

A supremacia do interesse público sobre o particular é um paradigma dentro da Administração Pública,  de tal sorte que se tornou a base para quaisquer discussões entre o público e o privado e donde se poderia concluir que o interesse da coletividade se sobrepõe ao particular. No entanto, nem sempre assim de fato é o andar da carruagem na esfera administrativa.

Ora, o tão propalado interesse da coletividade defendido pelo princípio, nos leva a crer que é no interesse geral da sociedade e na soberania popular que se encontram os fundamentos da supremacia do interesse público. Daí não se admitir nem por hipótese que a Administração Pública empreenda ações contra as vontades coletivas.

Repercute no Direito Administrativo um dogma que diz que o interesse público prevalece sobre o particular, quando em verdade alguns administradores permitem que o inverso prevaleça, transformando a coletividade em mera expectadora de seus interesses.

Noutro norte, a indisponibilidade do interesse público implica na tarefa de a Administração realizar seus atos sempre zelando pelos interesses da coletividade, mas jamais dispondo deles como se proprietária fosse. O titular dos bens públicos é o povo e como tal à sociedade compete o privilégio dos mesmos, cabendo à Administração Pública e seus agentes apenas a guarda e conservação.  

Destarte, este princípio afirma que o administrador não representa seus próprios interesses quando atua, devendo assim agir segundo os estritos limites impostos pela lei. O princípio da indisponibilidade do interesse público aparece como um freio ao princípio da supremacia do interesse público.

Como desdobramento do princípio da indisponibilidade do interesse público emerge o princípio da legalidade, segundo o qual o administrador não pode fazer o que bem entender na busca do interesse público, isto é, deve agir dentro dos rigores da lei, só podendo fazer aquilo que a lei expressamente autoriza e no silêncio desta, está proibido de atuar.

Por essa razão é que os bens públicos só podem ser alienados na forma em que a lei dispuser e, na mesma tônica, os contratos administrativos reclamam, como regra, que se realize licitação para que sejam executados.

Porém, causa particular estranheza à sociedade, quando se tem notícias de que a Administração Pública pretende vender ou vendeu um bem público sem consultar amplamente as comunidades locais, alijando os grupos sociais. Se o interesse público parte da premissa de que todos os cuidados com o bem público levam à proteção do interesse da coletividade, não há falar em alienação ou venda se não é esta a vontade da população.

Nesse sentido é a ilegalidade da venda da Rua Musas, no Bairro Santa Lúcia, nesta capital, para implantação de um grande empreendimento hoteleiro e comercial, cujos atos processuais administrativos estão eivados de vícios, irregularidades e ilegalidades, analisados à luz da Lei Orgânica do Município (artigos 33, 34, 152 e 186); do Estatuto da Cidade (artigo 2º, incisos I, III, IV, VI e XII); da Constituição Federal (artigo 23, incisos III, VI e VII); da Lei de Uso e Ocupação do Solo de Belo Horizonte (Lei 7.166/96) e com fulcro na percuciente Recomendação nº 15/2012 do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.

Ademais, os moradores e as comunidades do entorno e da região são contrários à venda da Rua Musas. Em primeiro, por se tratar de uma área classificada como zona de adensamento restrito, em que se faz necessário manter baixa densidade demográfica. Em segundo, por ser uma via local predominantemente residencial. Em terceiro, por estar situada na área de diretrizes especiais da Serra do Curral, protegida por tombamento e para cuja área a altimetria máxima de construção é de 9 (nove) metros. Em quarto, por ser o empreendimento previsto para edificações com mais de 20 e mais de 50 metros de altura. Em quinto, por não ter o Município cumprido com a finalidade original do imóvel, que previa ao final da rua uma rotatória de utilidade dos moradores e munícipes, para trânsito e tráfego local de pessoas e veículos. 

Não bastassem todas as ilegalidades e irregularidades acima declinadas, a venda da Rua Musas é ilícita, enquanto sub judice, posto que não julgadas ainda a Ação Civil Pública e a Ação Popular demandadas em face do Município de Belo Horizonte.

Por fim, melhor que prevaleça o princípio da indisponibilidade do interesse público, que funciona como um limite, como um freio à supremacia do interesse público. Se o interesse é de outrem, o administrador nunca poderá dispor do interesse público, ainda mais porque o cumprimento do interesse público não está entregue à livre disposição da vontade do administrador. O próprio Município não tem disponibilidade sobre tais interesses, pelo contrário, está obrigado a cumpri-los para alcançar a finalidade descrita na letra fria da lei. Portanto, cumpram-se a lei e a soberana vontade do povo.

Wilson Campos (Advogado dos Moradores da Rua Musas/ Assessor Jurídico do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte).  

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de 03/11/2012, sábado, pág. 12).    


  

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