CONSTRANGER E DISCRIMINAR CRIANÇA GERA MULTA PESADA



O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) negou apelação contra penalidade imposta ao Hipermercado Extra.

O TJ/SP manteve multa imposta pelo Procon-SP ao Extra por submeter uma criança a constrangimento para comprovar compras.

A empresa teria permitido que um funcionário conduzisse um consumidor de 10 anos de idade, desacompanhado de um responsável, ao interior de uma sala no Hipermercado Extra da Marginal Tietê, para prestar esclarecimentos sobre possível furto a ele atribuído.

Segundo os autos, o consumidor portava a nota fiscal dos produtos que trazia consigo, tendo sido constrangido a permanecer confinado naquela sala, onde foi inquirido por funcionários. Diante da prática considerada abusiva, o Procon aplicou multa de R$ 458 mil.

De acordo com a desembargadora relatora, o fato de a conduta praticada nas dependências do Hipermercado ensejar eventuais penalidades administrativas a serem aplicadas pela prática de atos de discriminação racial não retira a legitimidade da Fundação para apurar e sancionar as condutas que violam o CDC, considerando a esfera de atuação distinta de ambas as frentes.

De um lado ocorre a apuração de crime de racismo e segregação da pessoa negra, enquanto de outro a apuração de abuso às práticas consumeristas, portanto, não há que se falar na ocorrência de “bis in idem”, no caso concreto.”

Conforme anotou a relatora no acórdão, a empresa obriga-se a dispensar tratamento digno às pessoas, a fim de assegurar os direitos básicos dos consumidores e proteção destes contra práticas abusivas ou ilegais.

“É evidente a competência formal e material do Procon para o exercício do poder de polícia administrativa, aplicando as penalidades cabíveis na defesa do consumidor.”

Sobre o valor em si da multa, a desembargadora considerou que não se verifica no caso concreto violação aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, nem tampouco caráter confiscatório da penalidade imposta. E assim negou provimento ao recurso de apelação da autora, decisão unânime da 13ª câmara de Direito Público.

Nesse sentido, vale transcrever parte da decisão:

[...] “Segundo consta do auto de infração em referência, a empresa teria infringido o art. 39, “caput”, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), aproveitando-se da inexperiência do menor de idade, cerceando sua liberdade e inquirindo-o, o que culminou na aplicação da sanção prevista no art. 56, I e art. 57, ambos do CDC, sem prejuízo das demais sanções previstas no art. 56 da referida lei (fl. 60).

Nesse ponto, o art. 56 do Código de Defesa do Consumidor é claro: “Art. 56 - As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específicas”.

De um lado ocorre a apuração de crime de racismo e segregação da pessoa negra, enquanto de outro a apuração de abuso às práticas consumeiristas, portanto, não há que se falar na ocorrência de “bis in idem”, no caso concreto.

Melhor sorte não socorre a autora quanto ao pedido de minoração da multa administrativa aplicada, pois o valor fixado de R$458.240,00 encontra-se em consonância com a Portaria Normativa do Procon nº 26/2006, vigente à época da imputação da penalidade, que dispunha sobre o procedimento sancionatório (atual Portaria Normativa nº 45/2015), tida por constitucional pelo Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça. [...]

Diante do exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de apelação da empresa autora, mantendo-se a r. sentença que julgou improcedente o pedido pelos fundamentos nela constantes e pelos aqui acrescidos, com observação de majoração dos honorários nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015”. FLORA MARIA NESI TOSSI SILVA – Relatora - Processo: 1052191-84.2016.8.26.0053.

Assim, nesse caso concreto, não valeu a máxima popular de que os “grandes” não são punidos pela Justiça. Resta comprovado que até os “poderosos” estão sujeitos aos rigores da lei, ainda mais quando tentam constranger e discriminar uma criança e tratá-la com atitudes racistas por ser negra.


Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).


Comentários

  1. Parabéns Dr. Wilson pelo enfoque do artigo.
    Uma criança não pode ser tratada dessa forma. Precisamos de mais humanidade nesse mundo. Laura G.Figueiredo.

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