MULTA E NOTIFICAÇÃO DE TRÂNSITO.

 

Quase sempre as multas e as notificações de trânsito geram transtornos para motoristas e proprietários de veículos.

Nos dois casos seguintes pode-se perceber a confusão entre a interpretação administrativa e a judicial. Há que se separar o entendimento de uma e de outra esfera, porquanto no Poder Judiciário a decisão nem sempre acompanha a decisão administrativa. Vejamos os dois exemplos:

(1)

A perda do prazo para indicação do responsável por infração de trânsito ocasiona preclusão temporal apenas na seara administrativa, ou seja, o proprietário de veículo pode buscar o Judiciário para requerer a transferência da pontuação de infração. A decisão é da 1ª seção do STJ, em pedido de uniformização de interpretação de lei.

O art. 257 do CTB estabelece um prazo para que o principal condutor, ou o proprietário do veículo, indique o responsável pela infração de trânsito para que a penalidade seja imposta sobre ele. Caso o prazo seja descumprido, a lei de trânsito fixa que o responsável pela infração será considerado o principal condutor ou, em sua ausência, o proprietário do veículo.

A controvérsia que o STJ analisou foi a seguinte: decorrido esse prazo administrativo, o principal condutor/proprietário do veículo pode recorrer ao Judiciário para a comprovação relativa ao infrator-condutor do veículo?

O caso em julgamento no Tribunal da Cidadania dizia respeito à decisão da 2ª turma Recursal da Fazenda Pública do TJ/SP, que analisou o caso de um homem que buscou a Justiça depois de esgotado o prazo na esfera administrativa.

Aquele colegiado decidiu no sentido de que, não tendo o autor dirigido tempestivamente sua pretensão ao órgão responsável pela lavratura do auto de infração, “inviável o reconhecimento de qualquer ilegalidade no procedimento adotado pelo órgão de trânsito, e que amparasse a almejada admissão da indicação em sede judicial”.

No STJ, o homem argumentou que há decisões divergentes, as quais concluíram que a perda do prazo para indicação dos condutores previsto no CTB ocasiona preclusão temporal apenas na seara administrativa.

O ministro Francisco Falcão, relator, avaliou o caso e deu razão ao homem para estabelecer que o prazo preclui tão somente na esfera administrativa, mas não na via judicial.

O relator deu provimento ao recurso para reformar o acórdão do TJ/SP, com a determinação de que a 2ª turma Recursal da Fazenda Pública retome e prossiga no julgamento do caso - acórdão aqui atacado – “e, ultrapassada a impossibilidade de preclusão do direito de indicação do condutor na vida judicial, examine a controvérsia como entender de direito”.

O entendimento foi seguido por unanimidade. (PUIL - Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei nº 1.816 - SP - 2020/0205640-8). 

(2)

Em julgamento de recurso especial repetitivo (Tema 1.097), a 1ª seção do STJ definiu que, “em se tratando de multa aplicada às pessoas jurídicas proprietárias de veículo, fundamentada na ausência de indicação do condutor infrator, é obrigatório observar a dupla notificação: a primeira, que se refere à autuação da infração, e a segunda, sobre a aplicação da penalidade, conforme estabelecido nos artigos 280, 281 e 282 do Código de Trânsito Brasileiro”.

Com a tese - que reafirma orientação jurisprudencial do STJ -, o colegiado reformou acórdão do TJ/SP proferido em IRDR - Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, segundo o qual não seria necessária a dupla notificação nessas hipóteses.

A partir da fixação do precedente qualificado pelo STJ, podem voltar a tramitar as ações sobre a mesma questão jurídica que estavam suspensas em todo o país.

O julgamento teve a participação, como amici curiae, da União, da Associação Nacional de Empresas de Aluguel de Veículos e Gestão de Frotas, e do Sindicato dos Transportadores Autônomos Rodoviários de Pessoas, de Bens e de Cargas de Rio Claro.

Relator do recurso repetitivo, o ministro Herman Benjamin explicou que o artigo 257, parágrafo 7º, do CTB estabelece que, não sendo imediata a identificação do infrator, o proprietário do veículo tem prazo para, após a notificação da autuação, apresentar o condutor. Vencido o prazo, diz o código, o proprietário do veículo será considerado responsável pela infração. O texto do parágrafo sofreu alterações por força da lei 14.071/20, que aumentou o prazo de indicação do infrator de 15 para 30 dias.

O parágrafo 8º do mesmo artigo prevê que, após o prazo previsto no parágrafo 7º, não havendo identificação do infrator e sendo o veículo de propriedade de pessoa jurídica, será lavrada nova multa ao proprietário - mantida a originada pela infração -, cujo valor corresponderá ao da multa multiplicado pelo número de infrações iguais cometidas no período de 12 meses.

“Como se vê da redação da lei, as duas violações são autônomas em relação à necessidade de notificação da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração, devendo ser concedido o devido prazo para defesa em cada caso”.

O relator destacou que a notificação materializa o devido processo legal, pois instaura o contraditório - instituto fundamental em uma relação jurídica que implique algum tipo de sanção.

Herman Benjamin enfatizou que, no caso em análise, existem duas situações fáticas diferentes: a primeira é a infração de trânsito, cometida por uma pessoa física; a segunda é a obrigação de a pessoa jurídica, proprietária do veículo, indicar o condutor. Segundo o ministro, se as situações fáticas são distintas, as infrações são distintas; logo, a notificação deve ocorrer em relação a cada uma delas, de forma separada e sucessiva.

“Tratando-se de situações distintas, geradoras de infrações distintas, o direito de defesa a ser exercido em cada uma será implementado de forma igualmente distinta. Ou seja, as teses de defesa não serão as mesmas, daí a razão para que se estabeleça relação processual diferenciada para cada situação”, concluiu o relator ao propor a tese repetitiva. (Processo: REsp 1.925.456).

Assim, diante das decisões para os dois casos acima transcritos, cumpre aos interessados atentarem para o limite das decisões administrativas, que podem ser anuladas por decisões judiciais.

As decisões retrocitadas do STJ jogam por terra as exigências administrativas. Tais decisões judiciais permitirão a milhares de pessoas físicas e jurídicas, proprietárias e condutoras de veículos, buscar seus direitos e deixar de pagar multas decorrentes de situações análogas.

No primeiro caso restou clara a impossibilidade de preclusão do direito de indicação do condutor na via judicial.

No segundo caso restou ainda mais clara a impossibilidade de uma única notificação para a infração de trânsito e para a indicação do condutor. Faz-se necessária a dupla notificação. Acontece que, normalmente, nenhum órgão de trânsito no Brasil faz a dupla notificação. Aí está o grande erro da esfera administrativa.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Muito bom Dr. Wilson Campos em mais um artigo de utilidade de todos nós e agradecemos mais uma vez. Muito bom saber destes assuntos. Abrs. caríssimo Dr. Wilson. Sou - Dário Greggo.

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  2. Eu sou gerente de uma transportadora de caminhonetes que presta serviços para supermercados e não sabia e já cansamos de pagar sem saber que tinha que ter duas notificações para a infração de trânsito e para a identificação do condutor. Muito bom saber disso e agora vou ficar mais atenta e avisar meus patrões. Parabéns Dr. Wilson Campos. Te agradecemos sua explicação sempre bem-vinda por todos nós. Vivendo e aprendendo com o senhor doutor. Gracias. Att: Mariza M.

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