MINISTRO LUIZ FUX VOTA CONTRA TORNOZELEIRA E CAUTELARES IMPOSTAS A BOLSONARO.
O ministro Luiz Fux, que já foi presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), é Juiz de Direito de carreira, tem notável saber jurídico e deu uma aula de Direito Constitucional ao ministro Alexandre de Moraes, notadamente no julgamento sobre as medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Vejamos a aula, a lição, o voto do ministro Fux:
VOTO.
O Senhor Ministro Luiz Fux: Ab initio, adoto o relatório e a descrição fática apresentados pelo Ministro Relator.
Manifesto, ainda, a importância da soberania nacional como fundamento da República Federativa do Brasil (Artigo 1º, inciso I, Constituição Federal).
É corolário da soberania nacional o exercício independente e autônomo dos poderes constitucionais. No âmbito do processo judicial, prevalece a soberania judicial, balizada na independência e na imparcialidade da magistratura (Artigo 95, Constituição Federal). Os juízes devem obediência unicamente à Constituição e às leis de seu país. No exercício de seu mister, devem arbitrar conflitos tanto quanto possível em prol de sua pacificação, calcados nos consensos morais mínimos de uma sociedade plural e complexa. Na seara política, contextos e pessoas são transitórios. Na seara jurídica, os fundamentos da República Federativa do Brasil e suas normas constitucionais devem ser permanentes.
Nesse sentido, adoto essas reflexões para concluir:
1. O fundamento nuclear da decisão submetida a referendo parte da premissa de que o Supremo Tribunal Federal e os seus integrantes poderiam ser passíveis de influência por ameaças de alhures. Sob esse ângulo, no entanto, forçoso concluir que a Corte tem demonstrado de forma inequívoca a sua independência e a sua impermeabilidade às pressões dos setores que manifestam desagrado com as suas decisões.
2. A independência dos magistrados constitucionais é pilar fundamental do Estado de Direito, quer sob o aspecto externo, quer sob o aspecto interno. Conforme consagrado nesta Corte, “[a] independência judicial [...] traduz, no Estado democrático de direito, condição indispensável à preservação das liberdades fundamentais, pois, sem juízes independentes, não há sociedades nem instituições livres” (Inq 2.669-QO, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ de 8/5/2009). Nessa linha, interna corporis, os juízes e os membros de um colegiado se respeitam, malgrado eventual dissenso quanto a questões de fato e de direito.
3. Quanto às questões econômicas transnacionais suscitadas na representação policial e retratadas na decisão, alega-se que se teria buscado “criar entraves econômicos nas relações comerciais entre os Estados Unidos da América e o Brasil, a fim de obstar o regular prosseguimento da Ação Penal nº 2.668, em trâmite nesta Suprema Corte” (fls. 28, da Representação Policial), condutas que teriam sido empreendidas pelo Deputado Federal licenciado Eduardo Nantes Bolsonaro, com o” suposto” financiamento do ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro. Entretanto, tais questões econômicas devem ser resolvidas nos âmbitos políticos e diplomáticos próprios, como vem procedendo Sua Excelência o Presidente da República, coadjuvado pelo Congresso Nacional.
4. In casu, a decisão cautelar sob referendo foi deferida em novo Inquérito, agora instaurado contra o Deputado Federal licenciado Eduardo Nantes Bolsonaro (Inq 4.995/DF). Não obstante, a tutela cautelar ora analisada foi concedida em razão de outra Ação Penal, movida contra o ex-Presidente da República Jair Messias Bolsonaro.
5. Nesse sentido, sustenta-se na representação policial que as supostas condutas criminosas relatadas teriam o condão de “obstar o regular prosseguimento da Ação Penal nº 2.668, em trâmite nesta Suprema Corte, que visa apurar a tentativa de golpe de Estado após as eleições presidenciais de 2022” (fls. 28, da Representação Policial). A narrativa dos fatos se refere a condutas que o Deputado Federal licenciado estaria praticando nos Estados Unidos, presumindo que tais “possíveis ilícitos” – como aponta a decisão – poderiam influir no julgamento da referida Ação Penal a que responde o ex-Presidente, a qual já se encontra com a instrução judicial concluída e em fase de apresentação das alegações finais da defesa.
6. Nada obstante, a premissa de que poderia haver qualquer influência no julgamento da Ação Penal esbarra no fundamento básico de que o Poder Judiciário detém independência judicial. Juízes julgam conforme a sua livre convicção, em análise dos elementos fáticos e jurídicos constantes de cada caso.
7. Ademais, enquanto aqui se trata de Inquérito para investigação de condutas de Eduardo Nantes Bolsonaro, verifica-se, na Ação Penal a que responde o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, que este apresenta domicílio certo e passaporte retido. Ao mesmo tempo, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República não apresentaram provas novas e concretas nos autos de qualquer tentativa de fuga empreendida ou planejada pelo ex-Presidente, de sorte que carece a tutela cautelar do preenchimento dos requisitos do periculum in mora (o perigo da demora) e do fumus comissi delicti (a fumaça da prática do delito) para fundamentar o decisum que, com expressiva gravidade, baseia-se em “possível prática de ilícitos”.
8. Destaque-se que parte das medidas cautelares impostas, consistente no impedimento prévio e abstrato de utilização dos meios de comunicação indicados na decisão (todas as redes sociais), confronta-se com a cláusula pétrea da liberdade de expressão. Nesse ponto, colhem-se aos ensinamentos do Ministro Celso de Mello na jurisprudência desta Corte: “O exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, [...] da liberdade constitucional de expressão e de comunicação, sob pena de o poder geral de cautela atribuído ao Judiciário transformar-se, inconstitucionalmente, em inadmissível censura estatal.” (Rcl 21.504-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ de 11/12/2015).
9. Em linha similar, também já se assentou, verbis: “A liberdade de manifestação do pensamento, que representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado Democrático de Direito, não pode ser restringida, ainda que em sede jurisdicional, pela prática da censura estatal, sempre ilegítima e impregnada de caráter proteiforme, eis que se materializa, “ex parte Principis”, por qualquer meio que importe em interdição, em inibição, em embaraço ou em frustração dessa essencial franquia constitucional, em cujo âmbito compreende-se, por efeito de sua natureza mesma, a liberdade de imprensa. – O Supremo Tribunal Federal tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático.” (Rcl 31.117-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, DJ de 07/10/2020).
10. Em decorrência dessa constatação, verifico que a amplitude das medidas impostas restringe desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação, sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares.
11. Deveras, mesmo para a imposição de cautelares penais diversas da prisão, é indispensável a demonstração concreta da necessidade da medida para a aplicação da lei penal e sua consequente adequação aos fins pretendidos.
12. À luz desses requisitos legais, não se vislumbra nesse momento a necessidade, em concreto, das medidas cautelares impostas.
13. Como tive a oportunidade de destacar na defesa da cátedra na Faculdade de Direito do Rio de Janeiro (Tutela de Segurança e Tutela da Evidência), as medidas de coerção e de restrição devem obedecer ao princípio da proporcionalidade.
14. No mesmo sentido, colhe-se da jurisprudência do Supremo que, “[em] tema de medidas cautelares previstas na legislação processual penal, emergem os pressupostos da necessidade (Artigo 282, I, do CPP) e da adequação (Artigo 282, II, do CPP)” (HC 226.663-AgR, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, DJ de 15/4/2024).
15. Concessa venia, a meu ver, os referidos princípios se encontram não referendando a decisão, desatendidos no presente caso, ao menos por ora. Outrossim, a tutela antecipada cautelar tem natureza provisória e não referendando a decisão pode se revestir de “julgamento antecipado”.
16. Tratando-se de análise cautelar e ainda perfunctória dos fatos, reservo-me a prerrogativa de reavaliação dessas questões quando do exame do mérito das “possíveis condutas ilícitas”, tal como categorizado na decisão.
17. Conclusivamente, reiterando as vênias de estilo, apresento voto divergente, não referendando a decisão.
É como voto. - (a) (ministro Luiz Fux/STF).
A MEU SENTIR, permissa venia, o voto do ministro Fux é simplesmente impecável, equilibrado e cortês. A autêntica forma de comportamento sensato do magistrado deve ter ecoado percucientemente na cabeça do ministro Moraes, que não tem nem de longe a mesma competência argumentativa de Fux.
Apesar do voto de Fux ter derrubado os argumentos de Moraes, o ex-presidente Bolsonaro continua de tornozeleira eletrônica e sob o rigor das medidas cautelares que lhe foram impostas. Mas a lição de Fux em Moraes vai entrar para os anais do STF.
A tal “invencibilidade” de Moraes foi contestada de forma categórica e respeitando os princípios basilares da Constituição e do Estado democrático de direito. O “tapa de luva” de Fux em Moraes deve ter repercutido mais no âmbito do Judiciário do que no seio da sociedade cidadã.
O voto de Fux, além de divergente, é fundamentado, assertivo e corajoso. E o destaque vai para a parte em que Fux se posiciona contra as medidas adotadas, que segundo ele “restringem desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação, sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares”.
A rara divergência pública dentro da Suprema Corte serve como um alerta, no sentido de que uma decisão de turma não pode prescindir da decisão do Plenário, posto que nenhuma decisão possa representar censura inconstitucional, e muito menos de maneira antecipada.
Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).
Clique aqui e continue lendo sobre temas do Direito e da Justiça, além de outros temas relativos a cidadania, política, meio ambiente e garantias sociais.
Dr. Wilson esse ministro Fux está correto quando diz que “restringem desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação, sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares”. E o senhor está também correto quando diz que "A rara divergência pública dentro da Suprema Corte serve como um alerta, no sentido de que uma decisão de turma não pode prescindir da decisão do colegiado, posto que nenhuma decisão possa representar censura inconstitucional, e muito menos de maneira antecipada". Parabéns aos dois - ao ministro e ao advogado. At: Dalmo Filho.
ResponderExcluirParabéns ministro Fux!! Parabéns dr. Wilson!! Vamos lá meu Brasil, vamos mudar esse jogo da esquerda e vamos ganhar com os patriotas em campo. Vamos Brasil!! Sabrina Jordão.
ResponderExcluirMeu xará tomou uma lição que não vai esquecer tão cedo. o ministro Fux deu uma aula de constitucionalidade em Moraes e mostrou ao Brasil que ainda há esperança no Judiciário. Dr. Wilson Campos, caro colega advogado e escritor, precisamos chamar a OAB para esse debate e já vi que o senhor fez isso há pouco tempo no seu artigo no jornal O Tempo. Parabéns. Alexandre Magno (advogado/professor).
ResponderExcluirO Direito não pode ser interpretado de forma irresponsável por alguns, e está certo o ministro Fux ao dizer que "em decorrência dessa constatação, verifico que a amplitude das medidas impostas restringe desproporcionalmente direitos fundamentais, como a liberdade de ir e vir e a liberdade de expressão e comunicação, sem que tenha havido a demonstração contemporânea, concreta e individualizada dos requisitos que legalmente autorizariam a imposição dessas cautelares". Fux age como um juiz e não como um ativista político. Portanto, caríssimo doutor Wilson Campos, ainda há esperança, mas precisamos sair da posição de joelhos como o senhor sempre diz e reclama acertadamente em seus excelentes artigos e colunas do jornal. Cláudio J.F. Amorim (empresário/advogado/ adm.).
ResponderExcluirQuero dizer com sinceridade de minha alma que se a gente tivesse mais advogados porretas como dr. Wilson Campos e outros poucos mais que conheço nesse Brasil a OAB estaria tomando a defesa do país em suas mãos e realizando um trabalho humano e digno contra quem rasga a CF. Se o STF faz o que faz é porque o Congresso é frouxo e a OAB idem. José Celso A.L. Neves (contribuinte pagador de muito imposto).
ResponderExcluir