RECONHECER E CUMPRIR.

O ser humano é dado às vezes a determinadas atitudes que soam como ridículas ou particularmente interessantes apenas para aquele que as pratica. Observe-se que, ao reconhecer que a quebra de uma regra é grave e sujeita a punição, o homem comum mesmo assim insiste no ilícito, porque vai beneficiá-lo de alguma forma. Como poderá este portador de direitos cumprir com suas obrigações legais? Se ele sabe reconhecer a diferença entre o certo e o errado, mas tem inclinação para querer levar vantagem em tudo, como fazê-lo cumprir com o certo sob o ponto de vista ético e moral? A explicação está na educação social de cada um. A ética não pode estar dissociada da moral. É reconhecer a primeira e cumprir com a segunda. 

Os cidadãos brasileiros reconhecem que, embora já venham praticando, precisam aprimorar muito e efetivamente o aprendizado da ética e da moral. Acontece que existe uma distância muito grande entre reconhecer e cumprir este desejo, esta meta.

A ética chama o ser humano a cumprir a sua conduta sob o ponto de vista em que se insira, se comportando pelo bem ou se perdendo pelo mal.

A moral, por sua vez, transfere ao homem a sua verdade através dos seus costumes e dos seus deveres, do seu brio e da sua vergonha.

A ética sozinha não representa os valores que se quer para esta sociedade plural. A moral é sua companheira na educação do ser humano, aqui ou em qualquer parte deste globo.

Os padrões éticos e morais de nosso povo estão melhorando, mas não o necessário ou suficiente. Muito há, ainda, a percorrer neste sentido. O caminho é árduo e somente aqueles que tenham firmeza de caráter conseguirão vencer esta maratona.

A sociedade democrática espera se deparar não com um homem ao alcance da educação, mas com uma educação ao alcance dos homens. E esta educação é que abrirá os caminhos para os que se mantiverem na certeza de que pretendem uma sociedade melhor, livre e igualitária, mantida em evidência pela ética e pela moral.

O cidadão brasileiro que reconhece o errado mas não cumpre o certo, peca pela igualdade de culpa e merece punição, não lhe sendo facultada a alegação do desconhecimento da causa. O artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro dispõe: "Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece".

O guarda que multa o seu carro numa infração de trânsito e aceita propina é o mesmo que estará ao seu lado em um processo de corrupção ativa e passiva, por suborno ou tentativa deste mesmo delito.

O servidor público que grita e empurra os desvalidos numa fila do SUS, que pratica o peculato, que comete excesso de exação, que facilita o contrabando, que exerce a prevaricação ou que faz uso de violência arbitrária, não merece o cargo que ocupa, uma vez que não cumpre com os princípios norteadores da administração.

O cidadão que reconhece a gravidade de um desvio de verba pública não cumpre os padrões éticos e morais quando tenta dar um jeitinho para conseguir algo a seu favor.

O eleitor que sabe reconhecer no meio de muitos aquele que comprou votos para se eleger e não o denuncia, não cumpre com o seu papel de guardião da ética e da moral. Ele é apenas mais um no meio da multidão de alienados.

O particular que corrompe o agente público merece uma pena. O corrupto e o corruptor merecem penas iguais. Os dois reconhecem a punibilidade do delito mas não cumprem com suas obrigações legais.

Se a corrupção desvia alguns milhões que poderiam ser investidos em obras públicas, eu me indigno. Mas, se estes milhões envolvem amigos ou conhecidos, eu tergiverso. Onde está a ética? Onde está a moral? Eu sei reconhecer o crime mas não sei cumprir com meu papel de cidadão. Voltamos à estaca zero.

Então, eu lhe pergunto: você reconhece e cumpre ou reconhece e não consegue cumprir? Responda agora:

Você reconhece que baixar músicas pela internet sem pagar, comprar produtos piratas, vender seu voto, oferecer propina a agente público, avançar o sinal vermelho, falsificar ou adulterar documento, comprar diploma ou monografia, sonegar impostos, parar o carro em fila dupla, jogar lixo na rua, receber o troco a maior e não devolver, SÃO ATITUDES MORALMENTE INACEITÁVEIS e por conseguinte reprováveis ética e moralmente, por serem ainda ilegítimas e ilícitas?

Reconhece? Que bom! E cumpre? Pensou para responder significa que ainda não pratica esta obrigação cívica. A transgressão das normas ainda fala mais alto neste Brasil de maus exemplos. 

A sociedade civil vem conquistando, muito acanhadamente, espaço importante na exigência de respeito para com a coisa pública. É um ponto luminoso no túnel escuro da prática desonesta. As cobranças se fazem mais presentes. Reconhecer isto é um passo na garantia de um futuro mais sério. Cumprir é outro passo que tem de ter as mesmas medidas da ética e da moral, juntas.

Os direitos que quero são na mesma proporção das obrigações que tenho de prestar. A justiça que peço para terceiros é da mesma forma a que terei para me condenar ou inocentar. O lucro que obtenho estará sujeito à tributação legal vigente, apesar de já me impingirem a maior carga tributária do mundo. A transparência que exijo de todos é tão límpida quanto a que ofereço a meu respeito. E, assim, apenas assim, teremos muito em breve a ética e a moral abraçadas à causa do povo brasileiro e este abraçado a elas.

Se eu reconheço que o melhor para a nação é que todos tenham ética e moral inquestionáveis, me cabe cumprir em ações éticas e morais para que isto se confirme efetivamente.

Wilson Campos (Advogado).


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