DIREITOS SOCIAIS NOS PADRÕES DA FIFA.



O evento que consumiu antecipadamente alguns bilhões de reais se aproxima, e a estrutura necessária para a sua realização está em boa parte por fazer. A Copa do Mundo de 2014 bate às portas dos estádios, e alguns deles ainda estão em ritmo de obras.

Não bastassem esses inoportunos entraves, típicos de administrações públicas demasiadamente condescendentes, eis que surgem, à sombra dos elefantes brancos, posto que assim muitos serão, em breve, passados os 30 dias de arroubos futebolísticos, os graves e intoleráveis problemas com preços muito altos dos serviços, os aeroportos lotados e sem a modernidade requerida, as imobilidades urbanas rotineiras nos grandes e médios centros, os hospitais públicos sucateados e incapazes de atendimento ao turista, as estradas esburacadas e pouco convidativas a passeios e excursões, os pontos turísticos sem segurança e sem os cuidados de higiene exigíveis e, por fim, os imprevistos do despreparo para receber um mundo que espera, no mínimo, organização e poder contar com a paz, encontrar o sossego e dividir as alegrias.

Duas qualidades com certeza não vão faltar: a simpatia e a empatia da grande maioria do povo brasileiro. Por outro lado, antes, durante e depois da festa mundial do esporte bretão, o que não se poderá esperar pelo país a fora são as garantias aos direitos sociais. Muito menos nos padrões da Federação Internacional de Futebol (Fifa).

Quiséramos ter a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados, nos termos do assegurado no Art. 6º da Constituição da República, entregues ao povo nos padrões Fifa. Quiséramos alcançar essa vitória, esse êxito e ganhar esse jogo, mas, de fato, nos padrões Fifa.

Com o país virado ao avesso, acometido de violência, impunidade, impunibilidade e falta de segurança, entre outras falhas gritantes na seara dos direitos sociais, os governantes viram as costas para os apelos sociais e, num gesto tresloucado e irresponsável, ameaçam colocar as forças militares nas ruas para conter os clamores dos insatisfeitos, como se a solução fosse simples assim. Não é. A sociedade está indignada, posto que se encontre carente de justiça, de atenção, de honestidade, de transparência e de prestação de serviço público adequado e com qualidade. A multidão cívica e ordeira é maioria. Os vândalos e criminosos de ocasião são a minoria. Daí, a necessária separação do joio do trigo.

Enquanto os mandatários estrangeiros da Fifa fustigam os gestores brasileiros pelo atraso das obras bilionárias, ou até mesmo pela maquiagem de algumas delas, os ilustres governantes se deleitam, ora com os gastos cada vez maiores com as arenas de futebol, ora com as eleições que se aproximam. Os dois assuntos são esses, nas rodas políticas majoritárias, quando deveriam ser os que levassem à proteção e à entrega dos direitos sociais constitucionais à população.

Uma Copa do Mundo com ingressos tão caros não é coisa para o povo. Trata-se, em verdade, de elitização do futebol e gentrificação por atos cada vez mais comuns na gestão antidemocrática das cidades. O futebol, que tinha no sorriso dos mais pobres a sua consagração, hoje vive a massificação do dinheiro como moeda de troca. Elitizaram tanto a Copa do Mundo, que o “povão”, conhecido por seus torcedores mais apaixonados, foi severamente alijado do espetáculo tradicionalmente popular.

O legado da Copa já chegou sobrecarregado pelas violações cometidas: falta de verbas para assegurar com dignidade os direitos sociais, oito trabalhadores mortos nas obras das arenas, milhares de pessoas despejadas de suas moradias, moradores de rua sendo reprimidos e retirados dos setores turísticos em evidência, trabalhadores ambulantes e artistas de rua impedidos de trabalhar nas proximidades do evento, movimentos sociais sob as ameaças de criminalização e a sociedade se recolhendo diante de tanta submissão aos padrões Fifa.

Passada a Copa do Mundo e feito o balanço, a expectativa da população é no sentido de que a lição que fique seja a de direitos sociais nos padrões Fifa, com os governantes abrindo os cofres para a cidadania e para a dignidade da pessoa humana.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de 03/06/2014, terça-feira, pág. 7).

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