OS IMPASSES DA CONFERÊNCIA DE POLÍTICA URBANA.



Preliminarmente, cumpre destacar que a 4ª Conferência Municipal de Política Urbana deveria ter sido realizada em 2013. Não o foi por desobediência única e exclusiva da Prefeitura de Belo Horizonte, contrariando dispositivo do Plano Diretor do Município. A Conferência foi jogada para 2014, ano de Copa do Mundo e de eleições. A emenda saiu pior do que o soneto. A protelação do evento refletiu no andamento dos trabalhos iniciados no princípio de fevereiro e previstos para encerramento no final de maio. As plenárias regionais de eleições dos delegados foram tumultuadas e de certo modo conduzidas pela Prefeitura, sem transparência e longe da imparcialidade recomendável.

Os 243 delegados eleitos pelos setores popular, técnico e empresarial logo na abertura da Conferência esbarraram na intransigência da mesa diretora, que não admitiu a revisão do regimento e nem o colocou sob a apreciação da plenária, embora elaborado previamente a portas fechadas pela administração municipal. A conferência começava com ares de autoritarismo. O cronograma seguiria, apesar de os delegados se mostrarem pouco ou nada confortáveis com a situação impingida de forma constrangedora.

Na Conferência, moradores, técnicos e empresários deveriam estar aptos a votar as mudanças possíveis e viáveis para a cidade, incluindo as regras que servem de parâmetro para definir alterações no Plano Diretor e na Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo. No entanto, a capacitação foi insuficiente diante do volume e da complexidade das alterações propostas pela Prefeitura e, no transcorrer da Conferência, os delegados se sentiram sobrecarregados pela responsabilidade da decisão, engendrada a toque de caixa, acerca das diretrizes ideais para a população. Um novo prazo foi requerido para a análise das propostas da Prefeitura, para a oferta de novas propostas, para a construção dos debates e para a regulamentação dos instrumentos do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001). Num primeiro momento, a Prefeitura não quis adiar o término da Conferência e, mais uma vez, reagiu de forma antidemocrática e com absoluto descaso.

Muitos delegados se sentiam cada vez mais preocupados com a amplitude das mudanças propostas para a cidade e, frequentemente, voltavam à carga com pedidos de mais tempo para a compreensão das propostas trazidas pela Prefeitura e avaliação de muitas outras vindas dos próprios delegados habilitados. No entanto, a cúpula da administração municipal fazia ouvidos moucos aos reclamos dos delegados interessados no verdadeiro desenvolvimento da cidade, mormente com sustentabilidade. O diálogo azedou e a decisão de prorrogar a Conferência foi para apreciação do Conselho Municipal de Políticas Urbanas (Compur). O órgão deliberativo acatou as sugestões apresentadas e votou pelo adiamento até o dia 02 de agosto, quando se encerram as votações das propostas e termina a Conferência. O prazo concedido aproveita melhor as particularidades de entendimentos dos delegados e contribui favoravelmente para planejar uma cidade melhor para todos.

O setor empresarial representado pelas entidades da construção civil e do segmento imobiliário desistiu da Conferência e retirou os seus delegados, motivado pelas controvérsias do coeficiente de aproveitamento básico, da outorga onerosa, da falta de estrutura e de informações sobre os estudos de estoque de potencial construtivo, e de outras razões estritamente ligadas aos interesses das respectivas empresas. A seguir foi a vez dos delegados ligados ao grupo de empresas de arquitetura, que, por motivos inerentes às suas atividades e também por discordarem dos métodos adotados pela Prefeitura se ausentaram da Conferência.

Restaram os delegados do setor popular, muitos do setor técnico e tantos outros do setor empresarial lojista e comercial. Contudo, neste momento a Conferência não reflete a qualidade de política urbana exigida para o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade. Há quem diga que esta é a pior das Conferências realizadas.

De qualquer modo, fica a expectativa da sociedade de que a Conferência se encerre com o mínimo de transparência, seriedade e comprometimento com os anseios da população. Nesse mesmo sentido devem ser as votações finais das propostas nas plenárias de encerramento de 19/07, 26/07 e 02/08/2014, com os delegados elegendo a qualidade de vida, o respeito à dignidade da pessoa humana, o atendimento ao interesse social, o planejamento do desenvolvimento da cidade, a execução da infraestrutura adequada, a proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico, e a cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade no processo de urbanização. Somente assim não haverá vencidos e vencedores, posto que sairão ganhando a cidade, os moradores e a cidadania.

Por derradeiro anote-se que ao governo municipal não é dado substituir a verdade pela presunção. O seu dever de transparência, legalidade e imparcialidade é indeclinável. Não se admitirão quaisquer tipos de tergiversações, imposições ou manipulações nas votações finais ou até mesmo no encaminhamento à Câmara dos Vereadores, em desmerecimento do trabalho exaustivo, voluntário e cidadão dos delegados que permaneceram do início ao fim da Conferência. Respeito é bom e a cidadania agradece. Neste ponto, cabe acreditar na lealdade procedimental da Prefeitura, a quem compete o cumprimento integral dos princípios lecionados no caput do Art. 37 da Constituição da República.  

Wilson Campos (Advogado/Delegado do Setor Técnico da Conferência/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG/Assessor e Consultor Jurídico do MAMBH).


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