CRIME CONTRA A SERRA DO CURRAL.



O Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam), órgão colegiado da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, numa demonstração de absoluto desrespeito com o patrimônio cultural e paisagístico de Belo Horizonte, aprovou por voto da maioria de seus conselheiros, na quarta-feira, 28/1, o pedido de licenciamento ambiental para construção do hospital Oncomed na Serra do Curral.

A expectativa dos moradores era pela prevalência do bom senso. Mas isso não ocorreu. Os moradores, que não são contrários à construção do hospital, desde que seja em local adequado e próprio para os usos, assistiram a um espetáculo dantesco, protagonizado por agentes públicos indiferentes à importância da Serra do Curral, que é o principal cartão-postal e maior patrimônio natural da cidade, área de proteção ambiental e de preservação permanente. A Serra do Curral é, indiscutivelmente, um bem tombado de imensurável valor, patrimônio nacional que não merece sofrer ameaças ou agressões, nem hoje, nem nunca.  

A Serra do Curral é um bem tombado em âmbito federal. O tombamento se deu no dia 21 de setembro de 1960, depois dos requerimentos fundamentados do governador Bias Fortes e dos pareceres jurídicos no mesmo sentido da defesa do maior monumento paisagístico, natural e cultural de Belo Horizonte.

Hoje, passados 54 anos dessa conquista humana elogiável, digna de verdadeiros cidadãos, surgem ameaças efetivas e gananciosas à integridade do bem tombado, quando ali pretendem construir o mencionado empreendimento hospitalar de múltiplas especialidades. No entanto, em que pese o significado do hospital para a população, nada justifica a sua construção em área tombada, de proteção ambiental e considerada proibida para edificação. Além do que, o projeto aumenta em 113% a área construída, desrespeita a altimetria local e contribuirá para a desfiguração da encosta da Serra do Curral, colocando em risco iminente todo o paredão, o maciço, o entorno, os mirantes, as trilhas ecológicas, a travessia da serra, os parques e o corredor ecológico.

O patrimônio histórico-cultural tombado no âmbito federal constitui, a teor do art. 216 da Constituição, patrimônio cultural a nível nacional, cuja tutela traduz indeclinável dever constitucional do poder público, que tem a obrigação de proteger os bens e valores culturais. Portanto, legítima a punição criminal daquele cuja conduta desrespeita e ofende a integridade do patrimônio artístico, cultural, arqueológico ou histórico nacional (arts. 165 e 166, do Código Penal, e art. 63 da Lei 9.605/1998). Esses preceitos, que tipificam os crimes de danos cultural e ambiental, objetivam a proteção estatal que resguarde a inviolabilidade do acervo histórico, arqueológico e artístico do país. Resta à sociedade o dever de exigir dos governantes o cumprimento da lei. A Serra do Curral é patrimônio de todos: belo-horizontinos, mineiros e brasileiros de maneira geral. A Serra do Curral é patrimônio nacional.

Em países civilizados, constituídos de pessoas conscientes, a violação de um monumento histórico jamais seria admitida. Aqui, lamentavelmente, o poder econômico alavanca com a ajuda do poder público os interesses privados, em detrimento dos reais interesses difusos e coletivos dos cidadãos.

O descumprimento do art. 225 da Constituição é vergonhoso, uma vez que disponha na defesa da sociedade que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Ou seja, o texto constitucional garante, as autoridades descumprem, a população não é escutada, os direitos são retirados, e tudo isso, com a maior desfaçatez, sem que o indivíduo reaja, posto que continua passivo, de cócoras, com o queixo aos joelhos.  

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG). 

(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de domingo, 01/02/2015, pág. 7).   

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