VITÓRIA DE PIRRO NA SERRA DO CURRAL.
A vitória pírrica é uma expressão utilizada
para definir o êxito obtido a alto preço, potencialmente acarretador de prejuízos
irreparáveis. O ser humano, independentemente do seu poder ou posses, depende
do meio ambiente em que vive. Uma vitória contrária à proteção, à preservação ou
à manutenção equilibrada das áreas ambientais é uma vitória de Pirro. Ganhar
uma batalha destruindo a natureza ou contribuindo para o desaparecimento dos
patrimônios culturais é uma vitória de Pirro, uma conquista inócua, sem
sentido.
A Prefeitura de Belo Horizonte criou a lei que
permite a construção de hospital particular na Serra do Curral, embora se trate
de área tombada em âmbito municipal e federal. O Iphan-MG não contestou a
administração municipal e nem sequer ameaçou embargar a infausta obra em solo
protegido. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente delegou aos subalternos as
suas funções. O Conselho Municipal de Meio Ambiente, sem paridade e longe da
isonomia necessária concedeu a licença para o empreendimento. O grupo
empresarial, a partir daí, vangloria-se da sua vitória de Pirro, conquistada à
custa dos crimes de danos cultural e ambiental.
A Serra do Curral é patrimônio nacional, um
bem de todos, tombado em âmbito municipal e federal. Por outro lado, o hospital
é uma empresa privada, que requer lucros, que por certo virão por meio de
atendimentos privilegiados. Os pobres não terão acesso, porque os despossuídos não
têm plano de saúde e muito menos dinheiro.
O precedente aberto pelos órgãos responsáveis
que autorizaram a obra é perigoso e pode custar o desaparecimento do cartão
postal, do patrimônio histórico, natural, cultural e paisagístico. Com a
porteira aberta, graças às “autoridades competentes”, outros ambiciosos
investidores surgirão e o monumento será aos poucos degradado, destruído,
transformado em lucros fáceis para os egoístas, inimigos do que seja parte
integrante da história de Belo Horizonte, de Minas Gerais, do Brasil.
As autoridades municipais, estaduais e
federais fazem ouvidos de mercador aos reclamos dos cidadãos conscientes e éticos.
Ora, trata-se de patrimônio nacional, desta e das futuras gerações. Ainda
assim, alguns são contra os direitos da proteção ambiental, da preservação
permanente, dos valores culturais. Pior, a vergonhosa atitude individualista
prospera em detrimento dos interesses da coletividade, sem que os inocentes se
apercebam das manobras orquestradas à sorrelfa, encobertas por nuvens de fumaça
que cegam os simplórios, crédulos de que os empreendedores serão
suficientemente humanos para tratá-los ou aos seus familiares, sem o pagamento
de todas as despesas.
O hospital particular, de luxo, de múltiplas
especialidades, que pretendem construir na Serra do Curral, não tem garantia de
atendimento ao Sistema Único de Saúde (SUS). Fala-se muito em atendimento aos
pacientes de planos de saúde e da rede particular. Não citam os humildes, os
sem condições financeiras, os hipossuficientes. Ou seja, os pobres continuarão
à margem, sem direito à saúde e entregues à própria sorte.
É lamentável que a Serra do Curral esteja
sendo vítima de gananciosos e da ignorância popular, ao arrepio do art. 216 da
Constituição, dos artigos 165 e 166 do Código Penal e das normas criminais do
direito internacional, uma vez que, neste caso, o Brasil aderiu à Convenção
para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, adotada em Paris,
aos 23 de novembro de 1972, aplicando-se ao caso o art. 109, V, da Constituição
da República. Além do que, há que considerar ainda o art. 62 da Lei 9.605/1998
(lei de crimes ambientais) que tutela o ambiente em geral, assegurando a guarda
que se pretende dispensar aos bens devidamente protegidos.
Ademais, o hospital pode ser construído em
outro local, mais apropriado e adequado para os usos. Aliás, a prefeitura poderia
ceder alguns dos muitos terrenos públicos que estão em poder da PBH Ativos S/A
(empresa de economia mista, administradora de imóveis do município, com capital
público majoritário) para a construção do referido hospital. Ou seja, a empresa
que aliena e incorpora bens cedidos pela municipalidade, mas que pertencem,
verdadeiramente, ao povo, poderia fazer algo de útil para a sociedade. Também,
a prefeitura poderia transferir o término da construção do hospital
metropolitano do Barreiro para o grupo Oncomed, para ali instalar o seu mega
empreendimento hospitalar de múltiplas especialidades. O hospital do Barreiro já
se arrasta há mais de 6 (seis) anos, sem conclusão das obras. Portanto, em vez
de empreendimento na Serra do Curral, área tombada e patrimônio nacional,
construa-se o hospital particular da Oncomed em parceria e sociedade com o
município, entregando à população um centro hospitalar de referência nacional.
Mas, que o seja em respeito às normas, às regras, às leis e deixem em paz a
Serra do Curral.
Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão
de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
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