VERGONHA ALHEIA.


A vergonha que se sente quando alguém diz ou faz determinada coisa desagradável, embaraçosa, constrangedora, injusta ou de absoluta má-fé é a chamada vergonha alheia. No Brasil, o que não faltam são motivos para sentir vergonha alheia.

Sentir vergonha alheia é ser obrigado a assistir diariamente aos atos contínuos de corrupção no governo, à crise político-econômica, à inflação crescente, à violência e à impunidade, às crises hídrica e elétrica, à crise de caráter, à crise de confiança, ao pibinho ridículo, ao crescimento zero, ao desajuste fiscal, aos juros altos, ao endividamento do país, ao pacotão de maldades, à elevação dos impostos, ao tarifaço, ao desalento do comércio e da indústria, ao sofrimento pelo desemprego, à incompetência administrativa, à letargia do Judiciário, à leniência do Legislativo, à acefalia do Executivo.

Sentir vergonha alheia é ter de ouvir a falácia de integrantes dos poderes constituídos que o ex-presidente não sabia, que a atual presidente desconhecia, que o mensalão nunca existiu, que a roubalheira na Petrobras não tem chefia, que o BNDES é transparente, que o governo não teme o impeachment.

Sentir vergonha alheia é ver o governo federal destinar bilhões de reais para países estrangeiros, "amigos", em especial para Cuba, Venezuela e Angola, quando aqui nos falta água, luz, esgoto, educação, trabalho, moradia, hospitais, segurança, estradas, portos, aeroportos.

Sentir vergonha alheia é ler nos jornais que os deputados não votam benefícios elementares para o povo porque o governo alega não ter verba, mas votam aumentos de seus salários, de seus subsídios, de auxílio-moradia e de outros benefícios no interesse próprio.

Sentir vergonha alheia é constatar que as autoridades públicas ignoram as garantias constitucionais ambientais que protegem as florestas, as matas, as áreas verdes, as áreas de preservação permanente e de diretrizes especiais, e ainda têm o desplante de defender a especulação imobiliária, que joga no lixo o processo ecológico que levou décadas para se constituir.

Sentir vergonha alheia é possuir uma Constituição Federal que foi feita para proteger a sociedade, mas que é desobedecida e usada para prejudicar o povo, a todo momento, pelos próprios entes federativos, que desconhecem o que seja democracia e revestem-se de autoritarismo, fazendo valer sua vontade, num regime feudal de governo, típico de republiquetas dominadas por ditadores enrustidos.

Sentir vergonha alheia é perceber que o cidadão brasileiro continua refém da sua própria inércia, mantendo-se quieto, calado, passivo, de cócoras, com o queixo nos joelhos, enquanto os titulares dos desmandos e do desgoverno loteiam o território, saqueiam os cofres públicos e, por acreditarem na impunidade, esperam pela pizza que será servida em pratos de porcelana e com talheres de prata, enquanto o povo se vira com a marmita de arroz, feijão e ovo. 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de domingo, 22/02/2015, pág. 21).     

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