DANO IRREPARÁVEL.




O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em Minas Gerais (Iphan-MG) contagiou o Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam) com sua empáfia natural e subserviência proposital ao poder econômico. Ambos os órgãos, federal e municipal, respectivamente, negligenciaram nas suas funções institucionais, traíram os interesses difusos e coletivos da sociedade, macularam a história do maior patrimônio cultural da cidade e ainda tripudiaram da seriedade das pessoas que defendem e respeitam a Serra do Curral.

A Prefeitura de Belo Horizonte criou a lei que permite a intervenção na área tombada. O Iphan-MG não contestou a administração municipal e nem sequer ameaçou embargar a pretensa obra em solo protegido. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente fugiu de suas obrigações. O Comam concedeu a licença para a construção. O rico empreendedor se acha acima da lei e da ordem, e não economiza nos gastos com publicidade do seu hospital de luxo, que pretende instalar acintosamente na encosta do monumento histórico, paisagístico e natural.

As autoridades municipais, estaduais e federais fazem ouvidos moucos aos reclamos dos cidadãos conscientes da cidade, do estado, do país. Trata-se de patrimônio nacional, desta e das futuras gerações. No entanto, ainda assim, conspiram contra os direitos da proteção ambiental, da preservação permanente, dos valores culturais. Pior, a vergonhosa atitude individualista prospera em detrimento dos interesses da coletividade, sem que os inocentes se apercebam das manobras de gabinetes, orquestradas à sorrelfa e encobertas por nuvens de fumaça que cegam os simplórios, crédulos das boas intenções que jamais virão.

O hospital particular, de luxo, de múltiplas especialidades que pretendem construir na Serra do Curral não tem previsão razoável para atendimento do Sistema Único de Saúde (SUS). Fala-se muito em atendimento aos pacientes de planos de saúde e da rede particular. Não citam os humildes, os sem condições financeiras, os despossuídos. Ou seja, os pobres continuarão à margem do tratamento digno necessário, esquecidos, abandonados à própria sorte.

É lamentável que a Serra do Curral esteja sendo vítima do virtuosismo de gananciosos e da ignorância popular, ao arrepio do art. 216 da Constituição, que promove a proteção do patrimônio cultural brasileiro, fazendo-o por meio de acautelamento e de preservação, com previsão de penas punitivas pelos danos e ameaças ao patrimônio cultural, na forma da lei. Nesse sentido, sob o prisma da proteção do Código Penal, dois artigos disciplinam diretamente a matéria: o art. 165, que prevê o delito de dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico e, por conseguinte, o art. 166, que trata de local especialmente protegido.

A competência para processar e julgar o delito de dano em debate divide-se entre a Justiça dos Estados e a Justiça Federal. Não obstante, o Brasil aderiu à Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, adotada em Paris aos 23 de novembro de 1972, aplicando-se ao caso o artigo 109, V, da Constituição da República. A rigor, também o art. 62 da Lei 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais) tutela o ambiente em geral, donde se conclui que a construção do tipo penal se torna primordial para assegurar a guarda que se pretende dispensar aos bens devidamente protegidos.

A Serra do Curral é um bem de todos, tombado em âmbitos municipal e federal. O hospital requer construção em local adequado e próprio para os usos. O precedente aberto pelos órgãos responsáveis que autorizaram a obra é grave e perigoso, podendo custar o desaparecimento do cartão-postal, do patrimônio histórico, natural, cultural e nacional. Outros ambiciosos materialistas surgirão e o monumento paisagístico será aos poucos degradado, destruído, transformado em lucros fáceis para os egoístas, inimigos do que seja parte integrante da história de Belo Horizonte, de Minas Gerais, do Brasil e de relevância internacional.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG). 

(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de sábado, 14/02/2015, pág. 7). 

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