ASTREINTES PODEM SER CEDIDAS A TERCEIROS.

Antes de tudo, vamos à definição de “astreintes”, especialmente para que o leitor saiba do que estamos falando. Astreintes são multas diárias aplicadas à parte que deixa de acatar decisão judicial. O instituto serve para coibir o adiamento indefinido do cumprimento de obrigação imposta pelo Poder Judiciário. Ou seja, as astreintes são um mecanismo muito utilizado a fim de obter a adimplência da obrigação principal através de coação ao devedor por meio da multa instituída.

Por certo que a dúvida quanto à questão de o credor poder ou não ceder a terceiros o crédito decorrente de astreintes deverá ser elucidada pelos tribunais, ou seja, cabe às instâncias superiores decidir. Nesse sentido se deu a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Vejamos o caso concreto do REsp nº 1.999.671:

O propósito recursal consiste em definir se é válida a cessão do direito ao crédito originário de astreintes. A multa cominatória possui natureza eminentemente coercitiva, pois é fixada antes mesmo da ocorrência do dano e seu escopo principal é exatamente a sua não incidência, já que o comportamento esperado e desejável do devedor é o de que ele cumpra voluntariamente a obrigação e que a multa atue apenas sobre a sua vontade.

Contudo, a partir do descumprimento da obrigação desnuda-se uma nova natureza de sanção punitiva-pecuniária, caracterizando sua natureza dupla ou mista. Enquanto não aplicada, mantém seu caráter unicamente coercitivo, mas, quando incidente, modifica sua natureza para também ser indenizatória em decorrência do dano derivado da demora no cumprimento da obrigação.

As astreintes possuem traços de direito material e de direito processual, pois o seu valor se reverterá ao titular do direito postulado na ação e, exatamente por isso, sua sorte está atrelada ao sucesso da demanda na qual se busca a obrigação principal ou o direito material posto em juízo, incorporando-se à sua esfera de disponibilidade como um direito patrimonial, sendo evidente o seu caráter creditório.

Válida, portanto, a cessão do crédito decorrente das astreintes, pois o credor pode ceder o seu crédito se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor, e, ao contrário do que afirma a recorrente, não há falar em natureza acessória e personalíssima da multa cominatória. O crédito decorrente da multa cominatória integra o patrimônio do credor a partir do momento em que a ordem judicial é descumprida, podendo ser objeto de cessão a partir deste fato.

ASSIM, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que o credor pode ceder o crédito decorrente de astreintes a terceiro, se a isso não se opuserem a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor.

Com esse entendimento, o colegiado manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que permitiu a cessão de crédito a uma empresa durante a fase de cumprimento de sentença. A empresa assumiu o polo ativo da ação movida pelos credores, com o objetivo de cobrar exclusivamente o valor decorrente da multa diária em razão do descumprimento da obrigação de fazer imposta na sentença.

A devedora recorreu ao STJ argumentando que o crédito decorrente das astreintes não poderia ser cedido em função do seu caráter acessório e personalíssimo, razão pela qual a cessão seria nula. Contudo, para o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, “o crédito decorrente da multa cominatória integra o patrimônio do credor a partir do momento em que a ordem judicial é descumprida, podendo ser objeto de cessão a partir desse fato”.

Segundo o relator, a imposição das astreintes é o principal meio de execução indireta utilizado pelo Judiciário para influenciar o devedor a cumprir a obrigação imposta por decisão judicial. O ministro explicou que a multa tem natureza coercitiva, pois é fixada antes mesmo da ocorrência do dano, e seu escopo principal é a sua não incidência, já que o comportamento esperado e desejável do devedor é que ele cumpra voluntariamente a obrigação.

Contudo, Bellizze destacou que, a partir do descumprimento da obrigação pelo devedor, a multa cominatória passa a ter natureza mista: enquanto não aplicada, mantém seu caráter unicamente coercitivo, mas, quando incidente, sua natureza passa a ser também indenizatória, em decorrência do dano derivado da demora no cumprimento da obrigação.

“A partir do momento em que a multa incide em razão do inadimplemento voluntário do devedor, passa a ter natureza indenizatória, deixando de ser uma obrigação acessória para se tornar uma prestação independente, e se incorpora à esfera de disponibilidade do credor como direito patrimonial que é, podendo, inclusive, ser objeto de cessão de crédito”, afirmou.

Bellizze ressaltou que não se trata de cessão do direito de pleitear a imposição da multa ou o cumprimento da própria obrigação de fazer ou não fazer, mas do direito ao crédito derivado do dano que a inexecução provocou. Conforme o ministro, a cessão diz respeito ao direito de exigir o valor alcançado pela inadimplência do devedor, o qual não é um direito indisponível, já que tem expressão econômica capaz de despertar o interesse de terceiros na sua aquisição.

Leia o acórdão no REsp 1.999.671.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Vandito G. L. Herrera16 de outubro de 2023 às 17:31

    Muito bom saber porque tenho um caso na justiça que vai acabar dando nisso porque o devedor não pagou a importância devida e nem cumpriu de jeito nenhum a decisão do juiz. Agora como terceiro que sou vou pedir esse direito, mas será que consigo assim tão fácil? Dr. Wilson isso deve demorar ainda muito pelo que vejo porque quando o sujeito é mau pagador a coisa demora mais do que deve. Agradeço. Vandito G.L. Herrera

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  2. Noeli M. A. Sacramento16 de outubro de 2023 às 17:37

    Pelo que entendi meu cliente credor pode ceder para um terceiro o valor da multa das astreintes. Certo? Vou agilizar esse pedido via recurso porque o valor é considerável e esse terceiro pode ajudar meu cliente - credor. A decisão diz que - (...) “A partir do momento em que a multa incide em razão do inadimplemento voluntário do devedor, passa a ter natureza indenizatória, deixando de ser uma obrigação acessória para se tornar uma prestação independente, e se incorpora à esfera de disponibilidade do credor como direito patrimonial que é, podendo, inclusive, ser objeto de cessão de crédito”. O STJ resolveu a pendenga com uma decisão magistral. Concorda dr. Wilson? Valeu mesmo dr. Wilson Campos, colega advogado de grande estima e respeito. Gratidão. Noeli M.A. Sacramento.

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