CORTAR NA PRÓPRIA CARNE



Deixando de lado o economês, o juridiquês e o politiquês, que geralmente aborrecem o grande público, além de dificultar a comunicação e cercear o exercício de cidadania, vamos direto ao ponto. O Brasil precisa se reerguer das cinzas. O governo tem o dever de cortar na carne e dar exemplo de austeridade.

Entenda-se por cortar na carne o ato administrativo perfeito que deve partir das canetas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que darão exemplos eliminando definitivamente da vida pública todos os gastos supérfluos que julgavam indispensáveis, mas que, agora, serão abandonados para sempre e não mais serão jogados nas costas do povo brasileiro.

A solução para o desequilíbrio e o caos é o governo cortar na própria carne; é o Brasil se transformar em um país sem excelências e mordomias; é o político receber um salário modesto, andar a pé, de ônibus ou de bicicleta, e ser tratado por "você"; é esse mesmo político praticar os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência.

Cortar na própria carne é a solução minimamente decente para um sistema afundado em denúncias, não permitindo mais que os parlamentares ostentem uma vida de luxo diante de uma população de maioria pobre; não admitindo que a classe política tenha privilégios enquanto a sociedade reclama por igualdade e isonomia; não aceitando a impunidade dos crimes de corrupção e de improbidade se a opinião pública é severa no sentido da apuração e da condenação.

As crises política e econômica ao mesmo tempo, como ocorre hoje no Brasil, causam um estrago sem proporções na vida do cidadão comum. As mazelas da falta de liderança e de coesão política somam-se à insatisfação popular e fecham o ciclo vicioso da crise recessiva. O combate à ineficiência tem de ser agora, a começar pelo corte de gastos públicos, com o governo e os políticos cortando na própria carne, o que já é tardio.

O clamor das ruas precisa ser ouvido e atendido. Os brasileiros não aguentam mais o peso dos prejuízos causados pela classe política. As ações em prol da ordem e do crescimento devem surgir por meio de medidas claras e transparentes dos políticos municipais, estaduais e federais, capazes de escutar a sociedade, enxugar a máquina pública, reduzir drasticamente os seus salários, administrar com rigor e colocar a nação em primeiro lugar.

O governo fez promessas de austeridade, mas não cumpriu, assim como não cortou na própria carne, não eliminou os cargos de confiança, não renunciou a privilégios escandalosos, não reduziu os salários milionários, não cancelou os cartões de crédito corporativos e nem sequer falou firme com o Congresso. Ao contrário, humilhou-se perante deputados e senadores e postou-se de joelhos suplicando por apoio no aumento de impostos dos contribuintes e retirada de garantias dos trabalhadores à custa de compromissos políticos inconfessáveis.

A vergonha alheia campeia solta, posto que o cidadão brasileiro continua refém da sua própria inércia, mantendo-se quieto, calado, passivo, de cócoras, com o queixo nos joelhos, enquanto os titulares dos desmandos e do desgoverno não fazem o corte na própria carne, acreditam na impunidade e esperam pela pizza que será servida em pratos de porcelana e com talheres de prata, enquanto o povo se vira com a marmita de arroz, feijão e ovo.

Mandato político e emprego público não dão direito a mordomia nem luxo. Portanto, nada de carros com motorista, auxílio moradia, foro privilegiado, imunidade, auxílio saúde, verba de representação, verba indenizatória, verba de gabinete, ajuda de custo, subsídio, apartamento funcional. Nada disso. Mirem-se no exemplo da Suécia, da Dinamarca e de outros países onde o luxo pago com dinheiro do contribuinte é imoral. Espelhem-se nos probos e éticos e cortem na própria carne.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de terça-feira, 2 de fevereiro de 2016, pág. 7).

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