FIM DO VOTO DE QUALIDADE NOS JULGAMENTOS DO CARF.


O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou a então conhecida MP do Contribuinte Legal na Lei 13.988/2020, sem vetos.

O novel texto legal, publicado em 14 de abril, estabelece as diretrizes para transações tributárias e oferece possibilidade de renegociação de dívidas tributárias com a União. Contudo, a novidade ficou por conta do fim do chamado voto de qualidade no Carf - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que consta da nova norma e foi uma grata surpresa para os especialistas que atuam no órgão.

O questionado voto de qualidade no Carf era uma espécie de voto duplo do presidente das turmas ou câmaras do Conselho, cargo sempre ocupado por representantes da Receita. Em razão disso, o presidente, mesmo após votar em um processo, poderia desempatar o julgamento votando novamente, o que quase sempre culminava em resultado desfavorável ao contribuinte. Ou seja, prevalecia a vontade da Receita ou do Carf, como queira.

A concessão do voto de qualidade dada a um representante da Fazenda Nacional em um órgão que, por lei, deve ser paritário, acaba por causar antagonismos e viola o princípio republicano da imparcialidade.

A mudança provocada pela nova lei não resolve todos os problemas, posto que estes sempre existirão de um lado e outro da balança. Mas traz uma nova perspectiva, e a expectativa de que o Carf evolua para ser um Tribunal Administrativo que seja capaz de aplicar a lei sem escolher um lado. Ora, a sanção da lei sem veto pelo presidente Bolsonaro evidencia o desejo de equilíbrio e imparcialidade nas ações da Receita e/ou do Carf.

De certa forma a alteração da nova lei muda radicalmente os entendimentos finais no tribunal da Receita e acaba com uma novela antiga de disparidade nos julgamentos do órgão. De se notar que o Carf nunca foi um órgão paritário, uma vez que o voto de minerva sempre coube aos presidentes das turmas, representando o interesse do Fisco. Outro detalhe sempre rebatizado pelos contribuintes e seus procuradores é que o Carf sempre se comportou como um órgão de arrecadação, e não menos que isso.

Nesse sentido, cumpre observar que o Carf, somente entre os anos de 2000 e 2015, funcionou tão somente como um tribunal voltado para a arrecadação, sempre contrário ao contribuinte, mas a favor do Fisco, com 75% dos julgamentos e 100% dos votos de minerva desfavoráveis ao contribuinte. Ou seja, a lógica jurídica de um julgamento paritário não existia, mormente pela atuação de uma pessoa que tinha dois votos.

A insatisfação do contribuinte vem de longo tempo e mais ainda em razão do art. 112, inciso II, do Código Tributário Nacional (CTN), que é favorável ao contribuinte no caso de dúvida (princípio do in dubio pro contribuinte). A falta de paridade no Carf sempre o levou às barras do Poder Judiciário.

Pelo andar da carruagem o que não vai faltar é ação judicial diante da alteração da lei, principalmente partindo daqueles que tiveram decisões desfavoráveis anteriormente por força do voto de minerva ou de qualidade dos membros do Carf. Mas, por óbvio, respeitando-se a expressão dos requisitos do artigo 106, do CTN, que trata da aplicação da lei a ato ou fato pretérito.

Lado outro, as contrarrazões do Fisco podem surgir e serem colocadas em Juízo, mas para tanto há que existir forte indício de ilegalidade na formação do processo administrativo. 

Qualquer entendimento contrário à nova lei, que acabou com o voto de qualidade ou voto de minerva, é malhar em ferro frio, haja vista a natureza dos princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório e da ampla defesa.  

Em suma, o processo administrativo é o exercício da prerrogativa da autotutela pelo poder público a partir de provocação do particular. Essa autotutela é um dos instrumentos do Estado para evitar o próprio arbítrio que contradiz a Justiça e o equilíbrio das decisões administrativas. Se, ao fim do processo administrativo tributário, o poder público, representado por seus conselheiros votantes, está em dúvida e dividido quanto ao lançamento tributário, estaria liquidada a certeza necessária para uma imposição tributária no Estado de direito. Portanto, parece equilibrada a decisão da nova lei (13.988/2020) de aplicação do princípio do in dubio pro contribuinte, dando um fim no voto de qualidade ou de minerva nos julgamentos do Carf.  

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas tributária, trabalhista, cível e ambiental/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).


Comentários

  1. José Arimatéa e Cia.27 de maio de 2020 às 14:46

    Meu caro dr. Wilson Campos, graças a Deus esse Carf não poderá mais ter mais votos que os outros no julgamento que desequilibrava a situação já ruim do contribuinte. Eu me lembro da sua luta contra a posição desse conselho no meu caso de tributação maior do que a devida. Lembra? Ganhamos a ação mas me lembro que nesse Carf a coisa foi dura de aguentar, com conselheiros a mais a favor do Estado do que da gente,contribuinte pagador de pesados impostos. Fico feliz em saber que acabou aquele voto de minerva do presidente do Conselho que sempre pendia para o lado do Estado e nunca do contribuinte. Valeu e obrigado pelos esclarecimentos Dr. Wilson, meu caríssimo advogado tributarista . Abraço do cliente e amigo José Arimatéa, e recomendações dos irmãos da Cia.

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