ERRO MÉDICO, DE UM OU DE OUTRO (!?)

 

Na estrita esfera judicial perfila a compreensão de que erro médico é a conduta voluntária ou involuntária, direta ou indireta, praticada mediante imperícia, imprudência ou negligência, que cause dano ao paciente. Porém, a interpretação de erro médico é delicada, envolve ciência e sentimentos, requer avaliação pormenorizada dos detalhes procedimentais e quase sempre exige a realização de perícia, antes dos açodados prejulgamentos de terceiros.

Vejamos um caso, por exemplo, que envolve um cirurgião e um anestesista:

Se existe um profissional na hora da cirurgia que não é comandado por ninguém, que tem atribuição técnica totalmente distinta, possuindo autonomia, e que, mesmo integrando a equipe, não há por parte do cirurgião nenhuma providência que possa ser tomada por uma atitude certa - e muito menos por uma conduta equivocada -, este profissional é o anestesista, sendo, pois, trabalhos estanques, autônomos, cada um com sua regra de atuação, e um não participa ou influi no âmbito do resultado da atividade do outro.   

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o médico-cirurgião, ainda que seja o chefe da equipe, não pode ser responsabilizado solidariamente por erro médico cometido exclusivamente pelo anestesista.

Aplicando esse entendimento, por maioria de votos, o colegiado reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) para restabelecer sentença que atribuiu exclusivamente ao anestesista a responsabilidade pelo erro que levou uma paciente a ficar em estado vegetativo. Em consequência, o juízo negou o pedido de indenização contra o cirurgião-chefe.

Na ação de indenização por danos morais e materiais, ajuizada apenas contra o cirurgião, a família narrou que a paciente, de 24 anos, foi submetida a cirurgia de redução de mamas, que transcorreu normalmente. Na sala de recuperação anestésica, porém, ela apresentou quadro de instabilidade respiratória e, como apurado pela perícia, foi vítima de negligência de atendimento por parte do anestesista.

Por causa desse erro médico, a mulher ficou em estado vegetativo, mantendo somente as funções fisiológicas essenciais, como respiração e circulação.

O pedido de indenização foi julgado improcedente em primeiro grau, mas o TJSP reformou a sentença e concluiu que o cirurgião, por ter escolhido o anestesista, teria responsabilidade pelo erro médico.

Relação de subordinação entre os médicos

O autor do voto que prevaleceu no colegiado, ministro Marco Aurélio Bellizze, explicou que o acórdão do TJSP está em dissonância com o entendimento pacificado na Segunda Seção, de que é preciso haver relação de subordinação entre os médicos para configurar a solidariedade.

Bellizze lembrou que, no julgamento dos EREsp 605.435, os magistrados entenderam que o cirurgião, ainda que seja chefe de equipe, não pode ser responsabilizado por erro médico cometido exclusivamente pelo médico anestesista, como ocorreu na hipótese em julgamento.

“Considerando que, no presente caso, é fato incontroverso nos autos que o erro médico foi cometido exclusivamente pelo anestesista, não há como responsabilizar o médico-cirurgião, ora recorrente, pelo fatídico evento danoso, impondo-se, assim, a reforma do acórdão recorrido”, concluiu o ministro ao restabelecer a sentença.

Do acórdão e da hipótese dos autos extrai-se:

[...] Na espécie, o Juízo de primeiro grau afastou a tese da responsabilidade solidária. Conforme registrado na sentença, a prova dos autos demonstrou que os graves problemas suportados pela paciente resultaram, exclusivamente, de erro médico praticado pelo anestesista. Nesse sentido, confiram-se os seguintes excertos:

E desta feita, não resta dúvidas de que a existência de conduta culposa foi atribuída exclusivamente ao anestesista ..., tendo todos os peritos subscritores do Laudo de fls. 649/691 afastado qualquer responsabilidade por parte do cirurgião ..., ora requerido.

Certo é que, com base no teor dos laudos periciais, verifica-se que as graves complicações que acometeram a segunda autora, ocorreram logo após o término da cirurgia a que foi a mesma submetida, quando estava sob os cuidados do médico anestesista, que era o responsável por seu restabelecimento, naquela etapa do procedimento cirúrgico, e que não se encontrava na sala de recuperação.

Pois bem, pela prova pericial, não se verificou a existência de nenhum erro médico grosseiro cometido pelo cirurgião ..., até mesmo porque a questão estética não foi objeto da causa de pedir. De fato, a recuperação cirúrgica das mamas somente não foi plenamente satisfatória ante os danos neurológicos que prejudicaram a completa recuperação (e-STJ, fl. 909).


O Tribunal a quo, por outro lado, concluiu que embora os problemas vivenciados pela vítima tenham decorrido do procedimento anestésico, o recorrente deveria ser responsabilizado, pois “o anestesista integrou a equipe de cirurgia chefiada pelo réu, portanto, sem qualquer interferência da parte da autora. Esta contratou apenas o réu e este é responsável por todos os integrantes de sua equipe, sejam eles plantonistas ou não” (e-STJ, fl. 1096). Nessa linha, destacou que a relação de subordinação existente entre os profissionais impedia a cisão da responsabilidade.

Observa-se, assim, que a orientação consagrada no acórdão vai de encontro ao entendimento firmado pela Segunda Seção desta Corte.

Por essa razão, em homenagem à segurança jurídica, deve-se afastar a responsabilidade do recorrente.

Conclusão:

Forte nessas razões, rogando vênias ao i. Relator, CONHEÇO e DOU PROVIMENTO ao recurso especial, acompanhando a divergência.[...] Ministro Marco Aurélio Bellizze, (RECURSO ESPECIAL Nº 1.790.014 - SP (2018/0180777-7).

Fonte: STJ.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas tributária, cível, trabalhista, empresarial e ambiental/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).  

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Comentários

  1. Ser médico não é fácil. É uma profissão muito difícil e sofrida, de muita dedicação e pede atenção o tempo inteiro no hospital, no consultório. Erro médico ocorre mas muito pouco em relação aos milhões de acertos. A justiça precisa saber interpretar o caso chamado de erro médico para não cometer injustiça. O advogado dr. Wilson Campos disse muito bem que a conduta do médico precisa ser bem avaliada antes de julgamento de terceiro e fazer uma perícia médica técnica bem rigorosa se for o caso para evitar injustiça ou julgamento errado em valores. O artigo me levou a pensar e a avaliar os cuidados no trabalho médico. At. Maysa L. - médica.

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  2. Não sei o que é pior - o erro médico em si ou a punição das partes - porque tudo isso é ruim. Eu fico triste quando vejo isso porque o erro médico coloca em risco vidas humanas mas o médico é humano e se erra vem logo a justiça no seu encalço. Os dois lados sofrem tanto o médico quanto o paciente. Não serve de consolo nada que diga quando acontece uma coisa assim. Quando a vida está em jogo a coisa complica. Enfim gostei do artigo e aprendi mais ainda e aprendo muito com seu blog dr. Wilson Campos e com seus artigos. Muito bom mesmo seu trabalho de informar e orientar as coisas da lei e do direito no Brasil. Fraterno Abrs. de João C.P. Silva

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