CIDADÃOS NÃO QUEREM BABÁS. PRECISAM DE UM PREFEITO.

Para aumentar a dor que já dilacerava o corpo e a alma, molhados pela chuva prevista e submetidos às vergonhosas enchentes perfeitamente evitáveis por ações concretas do município, mas que nunca socorrem de forma preventiva os moradores, num repetido sofrimento impingido por administrações negligentes, os cidadãos ainda tiveram de escutar do alcaide um recado no mínimo insensível e desrespeitoso, quando disse ironicamente através de um canal de televisão e gravado por inúmeros outros meios de comunicação: "nós devíamos ter sido um pouco mais babás dos cidadãos para que eles não corressem riscos".

Ora, senhor Prefeito, que maneiras são essas de se dirigir a quem paga o seu salário e de seus milhares de assessores? Falta-lhe humanidade até em momentos de horizontes sombrios em que se encontrem os munícipes dessa cidade alagada, descuidada e atirada ao caos permanente?

Babás, senhor administrador municipal, segundo os bons dicionários disponíveis no mercado são "pessoas contratadas para cuidar de crianças menores de idade em períodos de ausência dos pais ou responsáveis". Seria esse o caso dos cidadãos dessa cidade que o senhor pensa administrar?

Por certo que não, senhor Prefeito. Aliás, nos termos da Constituição da República, o Prefeito não é uma pessoa contratada, mas eleita para uma gestão com honra e transparência, no cumprimento de um mandato que lhe foi delegado em eleições diretas e legítimas para administrar os negócios e interesses do município, com autoridade equivalente à dos demais Executivos da federação, na exata medida conferida pela Lei Maior.

Ademais, cumpre ressaltar que ao chefe do Executivo também compete preparar com responsabilidade a proposta orçamentária do Município e submetê-la à apreciação e votação da Câmara Municipal. Para que esta proposta seja implementada, o Prefeito dispõe de receitas próprias, advindas do pagamento do Imposto Sobre Serviços (ISS), do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), das taxas e contribuições de melhoria, além de receitas federais arrecadadas e repassadas pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

Data maxima venia, senhor Prefeito, aqui não se admitem desculpas. O dinheiro, a verba ou o quinhão já lhe estão garantidos pelo sistema e pela sempre ignorada e humilhada população que paga os impostos, reconhecidamente submetida a uma das maiores cargas tributárias do mundo, apesar de não contar com a contrapartida de um serviço público adequado.

Portanto, não tergiverse e faça o seu trabalho, porque as chuvas sempre chegam, numa manifestação proficiente da natureza, e as inundações sempre acontecem por pura demonstração de incompetência da administração pública. 

In casu, também por mero capricho e vaidade elitista de equipes afastadas do anseio popular, quando a sociedade pede por decência nas condições humanas e no respeito ao seu mínimo bem estar e as respectivas autoridades fazem ouvidos moucos aos seus justos reclamos.

A enorme perda de permeabilidade do solo nesta administração, voltada para a verticalização irracional e atropeladora da preservação do meio ambiente, reveste-se agora na amostra de quanto custa trocar o verde da natureza pelo concreto armado das construções sem sustentabilidade e longe das discussões populares.

Se o progresso é necessário e o seu trânsito de desenvolvimento inadiável como dizem, que também o seja o direito à vida, de preferência com qualidade e excelência na preservação primeira do ser humano.  

Uma vida que se perde é uma marca indelével para a família que chora, para uma cidade que se indigna e é parceira na dor, para um povo que inexplicavelmente continua de cócoras, mas que refuga ao cabresto tardio de uma democracia ainda tênue e sem as necessárias e prometidas conquistas sociais. 

As suas palavras soaram como um chicote em um mundo já distante do escravagismo e do tronco, sobretudo inaceitáveis para um povo que espera viver o que chamam de verdadeira democracia e imperdoáveis para aquelas famílias que perderam bens materiais e um bem maior e insubstituível - a vida de um ente querido.

As chuvas desta quinta-feira, 15 de novembro de 2012, não causaram uma tragédia maior, tamanhas as inundações provocadas por toda a cidade, graças ao fato da ocorrência ter se dado em um dia de feriado nacional, quando se comemora a Proclamação da República e muitos cidadãos, sem suas "babás", estavam de viagem com seus familiares. Menos mal, porque os cidadãos que aqui ficaram correram risco de morte e tiveram que engolir em seco aquelas irônicas palavras que machucaram mais que as águas sujas que alagaram as ruas e casas, levaram carros e móveis e encheram de tristeza os lares dos belo-horizontinos.

Uma vida se perdeu e as condolências e pedidos de perdão não chegaram até os familiares. Restaram-lhes as mesmas desculpas esfarrapadas de sempre das autoridades, com a agravante de terem de suportar o inconveniente comentário que dá novo sentido à digna profissão das babás. 

Causa particular espécie e engulhos conviver numa mesma cidade com os que desdenham do povo e ironizam a desgraça alheia. Não foi esta a aula ditada pela Carta Magna. Não foi este o exemplo dos que idealizaram sob sol escaldante o modelo de liberdade e igualdade outrora defendido. 

O autoritarismo efêmero e pálido, teimosamente demonstrado por incautos autocratas ainda de plantão, se perde no seu diminuto tempo e no relutante descontentamento dos sufocados, sem, no entanto, deixar de trazer à superfície a indignação contra os atos e palavras que cortam fundo na carne, mas que não calam o direito das vozes dos cidadãos contribuintes.

Cidadãos não querem babás. Precisam de um Prefeito que tenha equilíbrio para administrar com ética, honestidade e respeito os destinos e desígnios de um grande povo e de uma grande cidade.

Reiterando a permissa venia, senhor Prefeito, o que mais coloca apreensivo o cidadão contribuinte não são os seus arroubos impensados, mas sua intransigente forma de administrar esta cidade, que não pede muito, quiçá um pouco mais de humanidade e humildade no trato com as pessoas.  Melhorar é preciso. E que seja agora, enquanto os cidadãos e a cidade ainda perseveram na percuciente busca do exercício pleno da democracia prometida.

Wilson Campos (Advogado / Assessor Jurídico do Movimento das Associações de Moradores de Belo Horizonte - MAMBH).

   

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