TERCEIRIZAÇÃO

No início de 2010 as controvérsias a respeito da terceirização eram polemizadas pelo excesso de zelo das partes. O Ministério do Trabalho e algumas das maiores Centrais Sindicais do país estavam finalizando uma longa discussão sobre os contratos de trabalho terceirizado, buscando principalmente dar maior segurança aos trabalhadores deste segmento, tanto nas questões trabalhistas quanto nas previdenciárias.

Àquela época já haviam divergências singulares em torno do assunto, pois as Centrais Sindicais defendiam que os direitos dos terceirizados deviam ser os mesmos dos trabalhadores protegidos pela CLT (princípio da isonomia), com reconhecimento do vínculo empregatício nas empresas nas quais prestassem serviços. Os Empresários, por seu lado, reclamavam que os custos na contratação de terceirizados iriam aumentar sensivelmente e que a cláusula onde estava prevista a proibição de contratação para a atividade principal da empresa era absurda e inadequada.

As Centrais Sindicais estavam corretas no entendimento de que o trabalhador terceirizado não deveria ser tratado como de "segunda classe" e mereceria um amparo mais transparente por parte daqueles que subordinassem o seu trabalho.

Os Empresários tinham razão quando questionavam o fato de que o projeto de lei os obrigava a fiscalizar mensalmente as folhas de pagamentos e os recolhimentos do FGTS e da Previdência Social dos terceirizados, acarretando com isso mais despesas para a administração da contratante.

Enquanto pela lei vigente e de acordo com a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implicavam a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, o texto do novo projeto de lei trazia que o terceirizado podia responsabilizar solidariamente (não mais subsidiariamente) a empresa tomadora dos serviços.

Não resta dúvidas de que o preço mais salgado estaria sendo pago pelo empresariado, que tinha de cumprir também uma tarefa obrigatória do Estado, que é a de fiscalizar. Ou seja, a empresa contratante teria de ser fiscal da prestadora de serviços ( terceirizada).

Em suma, as prováveis mudanças, caso o projeto passasse pela aprovação do Congresso Nacional, seriam as seguintes: 1) proibição da contratação de serviço terceirizado para a atividade fim (principal) da empresa tomadora de serviços; 2) a empresa que contratasse o serviço terceirizado seria corresponsável pelo cumprimento das obrigações trabalhistas, previdenciárias e outras, durante o período do contrato, mesmo em caso de falência da prestadora de serviços; 3) essa empresa também seria responsável, solidariamente, por danos causados a terceirizados em acidentes de trabalho; 4) a tomadora de serviços teria a obrigação de verificar mensalmente se a empresa que contratou estaria pagando o salário do trabalhador e recolhendo o FGTS e as contribuições previdenciárias; 5) o vínculo de trabalho entre o terceirizado e a tomadora de serviços estaria configurado em alguns casos, como por exemplo, quando o trabalhador terceirizado realizasse função diferente da descrita no contrato de terceirização; 6) o trabalhador terceirizado teria os mesmos direitos da convenção ou do acordo coletivo de trabalho da categoria predominante na empresa tomadora de serviço, se esse acordo ou convenção lhe fosse mais favorável do que o conquistado por sua categoria; 7) caso a convenção ou acordo coletivo previsse remuneração superior para os empregados diretos da empresa, esta deveria complementar com abono o salário do terceirizado.

Como se vê, por todo o exposto, em 2010, o novo projeto, segundo os especialistas, melhoraria as garantias do trabalhador terceirizado, mas com certeza esbarraria na forte oposição que lhe seria feita pelo setor empresarial.

Passados cinco anos, neste 2015 retornam as controvérsias segmentadas, as discussões acirradas, as manifestações das entidades sindicais e a incerteza de como conduzir a questão, uma vez que a terceirização, desta feita,  enredada pelo Projeto de Lei (PL) 4330/2004 prevê a contratação de serviços terceirizados para qualquer atividade de determinada empresa, sem estabelecer limites ao tipo de serviço que pode ser alvo de terceirização. Repita-se que, atualmente, a Súmula 331 do TST, que rege a terceirização no Brasil proíbe a contratação para atividades-fim das empresas, mas não define o que pode ser considerado fim ou meio. O PL tramita há vários anos na Câmara dos Deputados e está previsto para ser votado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, não sem antes causar um tumulto enorme nos grandes centros, com passeatas e mobilizações dos contrários à tese do projeto, na forma em que se encontra, com a nova lei abrindo as portas para que as empresas possam subcontratar todos os seus serviços e não apenas alguns como limpeza, manutenção e vigilância. Há quem diga, já de antemão, que o projeto é nocivo aos trabalhadores e à sociedade e há outros que pensam se tratar de uma medida necessária, que possibilita a inclusão dos jovens no mercado de trabalho.

A proposta divide opiniões entre empresários, centrais sindicais e trabalhadores. Entre as queixas mais recorrentes daqueles que trabalham como terceirizados estão a falta de pagamento de direitos trabalhistas e os casos de empresas que fecham antes de quitar débitos com trabalhadores. O projeto em discussão propõe que, em relação ao empregado terceirizado, a responsabilidade da empresa contratante seja, em regra, subsidiária. Ou seja, a empresa que contrata o serviço é acionada na Justiça do Trabalho somente quando a contratada não cumpre as obrigações trabalhistas e após ter respondido, previamente, na Justiça. Esse é mais um imbróglio a ser solucionado, haja vista a desconfiança do trabalhador quanto à seriedade da proposta de terceirização em curso.

As preocupações com a terceirização remetem a uma descoberta nada simplista, de mudanças drásticas nas relações do trabalho, posto que interferem nos direitos e garantias dos trabalhadores. Vejamos: 1) o salário de trabalhadores terceirizados é 24% menor do que o dos empregados formais, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). No setor bancário, a diferença é ainda maior: eles ganham em média um terço do salário dos contratados; 2) os terceirizados trabalham, em média, três horas a mais por semana do que os contratados diretamente. Com mais gente fazendo jornadas maiores, deve cair o número de vagas em todos os setores. Se o processo fosse inverso e os terceirizados passassem a trabalhar o mesmo número de horas que os contratados, seriam criadas milhares de novas vagas, segundo o Dieese; 3) os terceirizados são os empregados que mais sofrem acidentes. Na Petrobras, mais de 80% dos mortos em serviço entre 1995 e 2013 eram subcontratados. A segurança é prejudicada porque as Companhias de menor porte não têm as mesmas condições tecnológicas e econômicas. Além disso, elas recebem cobranças menores para manterem um padrão  de qualidade de seus serviços; 4) a maior ocorrência de denúncias de discriminação está em setores onde há mais terceirizados, como os de limpeza e vigilância, segundo dados da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com refeitórios, vestiários e uniformes que os diferenciam, incentiva-se a percepção discriminatória de que são trabalhadores de “segunda classe”, como referido no início deste texto; 5) os terceirizados que trabalham em um mesmo local têm patrões diferentes e são representados por sindicatos de setores distintos. Essa divisão afeta a capacidade de eles pressionarem por benefícios, o que equivale dizer que, isolados, esses trabalhadores terceirizados terão mais dificuldades de negociar ou reivindicar de forma conjunta; 6) a mão de obra terceirizada é, segundo alguns, usada para tentar fugir das responsabilidades trabalhistas. Entre 2010 e 2014, cerca de 90% dos trabalhadores resgatados nos dez maiores flagrantes de trabalho escravo contemporâneo eram terceirizados, conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Casos como esses já acontecem em setores como mineração, confecções e manutenção elétrica; 7) com a nova lei, ficará mais difícil responsabilizar empregadores que desrespeitam os direitos trabalhistas, porque a relação entre a empresa principal e o funcionário terceirizado fica mais distante e difícil de ser comprovada. Em dezembro do último ano, o Tribunal Superior do Trabalho tinha 15.082 processos sobre terceirização na fila para serem julgados, e a perspectiva dos juízes é de que esse número aumente. Isso porque é mais difícil provar a responsabilidade dos empregadores sobre lesões a terceirizados; 8) alguns casos de corrupção envolvem a terceirização de serviços públicos e em determinadas situações os contratos fraudulentos de terceirização também são usados para desviar dinheiro do Estado. Daí a triste constatação de que a nova lei liberaria, em tese, a corrupção nas terceirizações do setor público. A saúde e a educação públicas, por exemplo, perderiam dinheiro com esse tipo de procedimento, severamente condenável pela sociedade; 9) o Estado também sai perdendo, uma vez que as empresas menores pagam menos impostos. Como o trabalho terceirizado transfere funcionários para empresas menores, isso diminuiria a arrecadação do Estado. Ao mesmo tempo, a ampliação da terceirização deve provocar uma sobrecarga adicional ao Sistema Único de Saúde (SUS) e ao INSS. Segundo juízes do TST, isso acontece porque os trabalhadores terceirizados são vítimas de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais com mais frequência, talvez por serem submetidos a uma maior carga de trabalho, o que gera gastos ao setor público; 10) qualquer mudança nas relações trabalhistas requer estudos, análises e debates no campo das ideias, respeitando-se o contraditório das partes interessadas, de forma que não apenas os trabalhadores, os empresários e o Estado saiam ganhando, mas a sociedade brasileira como um todo.

Espera-se, de fato, em nome do Estado de Direito, que uma solução democrática, equilibrada e que fortaleça as relações justrabalhistas entre duas categorias de peso no contexto nacional - a dos trabalhadores e a dos empregadores, seja satisfatoriamente encontrada. A terceirização não pode implicar em uma piora descomunal das condições de trabalho, mesmo na atividade-meio. Estender à atividade- fim, nem pensar, ainda mais por ser inegociável essa alteração, da forma como proposta, preliminarmente, no projeto de lei. Aliás, a desconfiança e a controvérsia se instalaram graças a esse Congresso cada vez mais conservador, afinado com os interesses do poder econômico e defensor intransigente de suas próprias causas.

Toda e qualquer medida impingida à sociedade, a toque de caixa, quase sempre causa prejuízos aos menos assistidos, o que resulta, nos dias de hoje, em manifestações e o povo nas ruas. Ora, o crescimento do país depende de todos e não de alguns como querem deixar entender. A terceirização precisa ser melhor compreendida pela sociedade, para que perfile o bom senso e de maneira que não haja exploração de nenhuma das partes. A democracia e a cidadania assim o exigem.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).  

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