AS PRIORIDADES DO REI.



Há casos tão inverossímeis de posse e de vontade coercitiva que, se contados e não vividos, ninguém acredita. O surto da realeza acomete alguns e não sai do corpo que habita. A razão dá lugar à prepotência e o campo das ideias resta inútil, posto que a autocracia dos atos suplanta o pensamento democrático daqueles que estão, mas que pensam que são, donos do efêmero poder.  

Nunca na história desse país, gestores públicos municipais destrataram, menosprezaram, desconsideraram e mostraram-se tão indiferentes ao meio ambiente como na atual administração de Belo Horizonte.

O descaso público chega ao ponto de a sociedade ter de arcar com despesas judiciais para propor ações e tentar proteger o patrimônio ambiental, numa demanda desigual, onde o poder público se alia à iniciativa privada para trocar o verde da natureza pelo cinza do concreto armado. Pura ganância, despreparo político e falta de sensibilidade social.

Tanto a prefeitura quanto as secretarias e seus respectivos órgãos de política urbana e meio ambiente não se dão ao mínimo trabalho de defender as poucas áreas verdes existentes na cidade. As desculpas são sempre as mesmas, enfadonhas, de que não têm verbas para salvar a fauna, a flora, as nascentes, o solo, o subsolo, o ar, a biodiversidade. E ainda vem o alcaide, do alto de sua inércia e de sua conformação desumana, afirmar na imprensa que as matas não são prioridades de seu governo. A indiferença com o meio ambiente é tamanha, que chega a assustar até os mais céticos.

Os Projetos de Emenda à Lei Orgânica números 06 e 07/2014 que foram encaminhados à Câmara dos Vereadores e depois retirados, por serem absurdamente autoritários e ilegais, retratam o quanto o executivo municipal se preocupa com as áreas protegidas da capital. As referidas medidas, porquanto refutadas pela sociedade, previam construções nas unidades de proteção ambiental, em total desconformidade com o artigo 40 da Lei Orgânica vigente, que veda ao poder público edificar, descaracterizar ou abrir vias públicas em praças, parques, reservas ecológicas e espaços tombados do município.

Também na contramão do bom senso, o Conselho Municipal de Política Urbana (Compur) e o Conselho Municipal do Meio Ambiente (Comam), órgãos colegiados da Prefeitura de Belo Horizonte, sistematicamente concedem licenças e aprovam projetos que contribuem para a devastação do meio ambiente e o desaparecimento das últimas áreas ambientais da cidade. O fogo inimigo é incessante. As ameaças são constantes. Basta analisar a extinção das árvores e das palmeiras imperiais das Avenidas Antonio Carlos, Pedro I e Cristiano Machado; ou do entorno do Mineirão; ou ainda as licenças prévia e de implantação concedidas pelo Comam, autorizando a construção de empreendimentos nos terrenos da Mata do Planalto, da Área Verde do Jardim América e na encosta tombada da Serra do Curral. Os inimigos do meio ambiente não se recolhem, não recuam e não perdoam. Ao contrário, atacam impiedosamente o meio ambiente, cada vez mais combalido pelo rigor da batalha desigual.

O soluço, as lágrimas e o choro convulsivo ficam por conta da população, sensível e humana, mas indignada, que vê incrédula os crimes ambientais serem cometidos, sem que o direito à vida seja priorizado e com o risco da inutilidade da justiça tardia.

Nada é pior que a impunidade da violência contra o ser humano ou contra o meio ambiente, hoje inseparáveis, por sorte do primeiro, uma vez que o segundo se cria sozinho. Este independe daquele. Mas, juntos, tanto melhor, desde que na proteção intrínseca de suas naturezas reais. Outrossim, nada também é pior que eleger prioridades ao livre alvedrio, quando as requeridas não são acatadas na contemplação da vontade popular. Ledo engano pensar que as prioridades do rei sejam mais importantes que as necessidades dos súditos. Patético problematizar que ainda existam reis e súditos e que prioridades públicas sejam as da vontade do governo e não as colocadas pela experiência de vida da sociedade organizada. 

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).  

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