A SERRA DO CURRAL É DO POVO.



Em 21 de setembro de 1960, os atos da inscrição nº 29, registrados às folhas 8 do Livro de Tombo número 1 (arqueológico, etnográfico e paisagístico), consagraram o tombamento do conjunto paisagístico do pico e da parte mais alcantilada da Serra do Curral. A proteção do patrimônio histórico estava assegurada em âmbito federal.

Em 1969, a Companhia Urbanizadora da Serra do Curral (Ciurbe), empresa controlada pelo estado de Minas Gerais, deu início à implantação da chamada "Cidade da Serra". No entanto, a urbanização foi concluída por sua sucessora, a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado de Minas Gerais (Codeurb) e os projetos de parcelamento foram aprovados pela Prefeitura de Belo Horizonte em 1973, por meio dos decretos 2.317 e 2.383, sob a denominação de Bairro das Mangabeiras.

Em 1973, o governador Rondon Pacheco, preocupado com a integridade do bem tombado, determinou a constituição de uma comissão especial para avaliar as atividades de mineração na Serra do Curral. A área tombada foi, então, nesse momento, rigorosamente demarcada pelo Instituto de Geociências Aplicadas (IGA), sob o acompanhamento da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan), que iniciou os procedimentos de  vistoria no Bairro das Mangabeiras e solicitou à Codeurb que promovesse, junto ao estado e à prefeitura, algumas alterações nos decretos de aprovação, visando adequar as normas específicas de edificações às condições de conveniência e interesse da preservação da paisagem tombada, entre elas, a de considerar non aedificandi todos os terrenos situados acima do Anel da Serra (atual Avenida José do Patrocínio Pontes).

Apesar da proibição de edificar e de todos os cuidados do então governador, recentemente, a Lei Municipal 10.630/2013 alterou a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo e estabeleceu novos parâmetros urbanísticos, com o intuito de promover a construção de empreendimentos na cidade, inclusive em zonas de proteção ambiental. Ou seja, o novel texto legal fere de morte a extensão tombada da encosta da Serra do Curral e coloca em risco iminente todo o maciço, o paredão, o entorno, os mirantes, as trilhas ecológicas, a travessia da serra, o Parque das Mangabeiras, o Parque da Serra do Curral e o corredor ecológico que se estende da Mata da Baleia até o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, passando pela área do futuro Parque da Lagoa Seca e pela Estação do Cercadinho. Resta evidente a grave ameaça às montanhas, às nascentes, à flora, à fauna, à paisagem e ao patrimônio histórico tombado.

Pretendem construir na área tombada e protegida um macroempreendimento hospitalar de múltiplas especialidades. Todavia, em que pese a importância do hospital para a população, nada justifica a sua construção em área de proteção ambiental, considerada proibida para edificação. Além do que, o projeto aumenta em 113% a área construída, desrespeita a altimetria local e contribuirá para a desfiguração da encosta da Serra do Curral.

A legislação ambiental é farta na tutela da fauna, da flora e dos recursos hídricos. A Serra do Curral é um ambiente natural desses valores imprescindíveis para a vida e para o bem-estar de todos. Por conseguinte, cabe aos governos municipal, estadual e federal o dever de defender com rigor essas riquezas ambientais.

O patrimônio cultural tombado no âmbito federal constitui, a teor do art. 216 da Constituição, bem tutelado com direito a proteção do poder público e da comunidade, por meio de diversas formas de acautelamento e preservação. Daí a punição criminal prevista para aquele que causa dano e alteração ao patrimônio artístico, cultural, arqueológico ou histórico (artigos 165 e 166 do Código Penal, e artigo 63 da Lei 9.605/1998). Esses preceitos, que tipificam os crimes de dano cultural, objetivam tornar mais efetiva a proteção estatal destinada a resguardar a inviolabilidade de acervos como a Serra do Curral – patrimônio do povo.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).

(Este artigo mereceu publicação do jornal ESTADO DE MINAS, edição de domingo, 27 de novembro de 2016, pág.7).


 



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