UM ANO DE LUTO, IMPUNIDADE E INCERTEZAS.



Tragédia em Mariana.

Está completando um ano a maior tragédia socioambiental ocorrida no país.

A barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, que já apresentava problemas meses depois do início da sua operação, em 2008, rompeu em 2015 e causou mortes e danos irreparáveis. O rompimento ocorreu em uma obra aberta pela Samarco no topo da estrutura para reparar erros de drenagem. 

No mínimo, 35 bilhões de litros de rejeitos de minério vazaram do reservatório e mataram 19 pessoas, destruíram povoados e poluíram 700 km entre Mariana e o litoral do Espírito Santo.

Os presidentes da Samarco, Vale e BHP Billiton admitiram que a obra provocou a tragédia, pediram desculpas e disseram sentir pelos familiares e amigos das vítimas e pelos danos causados ao meio ambiente. No entanto, as desculpas não trarão de volta as vidas perdidas, o meio ambiente arrasado e os milhões de danos causados.

Com o lento caminhar das apurações e das respectivas medidas de investigação, promotores de Justiça, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) fazem duras criticas sobre acordo firmado entre as mineradoras Samarco, Vale e BHP com a União e os governos de Minas Gerais e Espírito Santo. Na avaliação do MPMG, o documento só serve para favorecer as empresas quanto às medidas de recuperação ambiental. O órgão ministerial, além de criticar o acordo, afirma que o passivo ambiental fica para a sociedade.

"Queria mandar um recado à Samarco, Vale, BHP e Fundação Renova. O Ministério Público de Minas não desiste e por muitos anos vai acompanhar cada parte do rio Doce até que toda a bacia seja recuperada. Não vamos desistir, vocês não vão conseguir nos calar", desabafou o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto.

Os danos são tantos que, diversos ainda não foram sequer tratados e nem solucionados, entre eles o acesso seguro à água para consumo humano, a poluição dos rios, a incerteza sobre o destino das comunidades forçadas a deixar suas casas, o trabalho de quem vivia da riqueza das águas habitadas por peixes, o pasto virou lama, os animais morrem de fome e de sede. A devastação é de arrepiar.

A recordação de muitos que choram é de um tsunami de rejeito de minério liberado pelo estouro da Barragem do Fundão, em Mariana, de propriedade da Samarco, uma joint venture entre as gigantes do minério Vale e a anglo-australiana BHP Billiton.

A recordação de muitos que clamam por justiça é a da vida aquática sufocada, o desastre que devastou matas ciliares e mudou a fauna às margens do rio. Lugares que eram habitados por lontras, patos selvagens e outras espécies agora são ocupados por montes de rejeito mineral, em um crime ambiental imensurável em todo o trajeto mineiro do Rio Doce. Mais que isso, as vidas de seres humanos, impagáveis, que foram sacrificadas para satisfação degenerada de lucros de empresas afastadas de qualquer sensibilidade.

Enquanto isso, os governos municipal, estadual e federal fazem-se de tontos e perdidos. Contudo, cabe à sociedade lançar um apelo terminativo para que as autoridades brasileiras tomem medidas imediatas para solucionar os impactos ainda persistentes do colapso letal da fatídica barragem de rejeitos de mineração, ocorrido no dia 5 de novembro de 2015.

A resposta do governo e das empresas implicadas tem sido insuficiente e longe da expectativa dos atingidos. As medidas que esses atores vêm desenvolvendo são simplesmente irrisórias e extremamente insuficientes para lidar com as massivas dimensões dos custos humanos e ambientais decorrentes desse desastre, que tem sido caracterizado como o pior estrago socioambiental da história do Brasil.

Decorrido um ano, muitas das 6 milhões de pessoas afetadas continuam sofrendo. Seus direitos humanos não estão sendo protegidos em vários sentidos, incluindo os impactos nas comunidades indígenas e tradicionais, problemas de saúde nas comunidades ribeirinhas, o risco de subsequentes contaminações dos cursos de água ainda não recuperados, o avanço lento dos reassentamentos e da remediação legal para toda a população deslocada, e relatos de que defensores dos direitos humanos estejam sendo perseguidos por ação penal. Ou seja, o poder econômico e o governo não se envergonham de serem omissos, negligentes, lenientes e ainda por cima se traduzem em perseguidores. Que vergonha! Que país é esse? Que povo é esse que admite tudo isso, calado, de cócoras com o queixo nos joelhos?

Entre as medidas urgentes, faz-se necessário que o Estado brasileiro insista nas indenizações e cobre as mitigações e as compensações por parte das empresas, forneça evidências conclusivas sobre a segurança da qualidade da água dos rios e de todas as fontes utilizadas para consumo humano e que estas atendam aos padrões legais aplicáveis. A preocupação quanto à água se dá pelo fato de que existem relatos sugerindo que alguns dos cursos de água nos 700 quilômetros afetados, sobretudo do vital Rio Doce, ainda estejam contaminados pelo desastre inicial. Especialmente, de que níveis de alguns metais pesados e de turbidez ainda estariam violando os limites permissíveis. O receio maior é que o impacto sobre as comunidades ribeirinhas seja resultado não apenas da contaminação da água, mas também da poeira resultante do ressecamento da lama.

A ONU soma-se à voz da cidadania e exige uma resposta das empresas envolvidas e do governo brasileiro, uma vez que as conclusões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indicam que os esforços das empresas envolvidas - Samarco, Vale e BHP Billiton - para deter os contínuos vazamentos de lama da barragem de Fundão, estejam sendo insuficientes. A ONU receia que mais rejeitos possam atingir as regiões de jusante quando a temporada chuvosa iniciar.

Não bastasse tudo isso, outra solução urgente deve ser quanto ao destino das comunidades afetadas, que foram forçadas a abandonar suas casas devido ao desastre. Após um ano, o processo de reassentamento está longe de ser concluído. Medidas de restituição e de reassentamento que incluam a reinstalação de pessoas e de comunidades locais inteiras devem ser agilizadas. Urgentemente!

A responsabilidade é do governo e das empresas, que precisam acelerar o processo de reassentamento e assegurar que esteja em consonância com o marco internacional dos direitos humanos. Porém, cabe ressaltar que acordos frágeis não serão aceitos pela sociedade, e muito menos será admitida a retirada de direitos das populações, que inviabilize o acesso pleno à Justiça ou impeça quaisquer demandas judiciais futuras.

Hoje o cenário é de tristeza profunda, depois de um ano de luto, impunidade e incertezas.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).



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