CRIMES DE DESOBEDIÊNCIA E PREVARICAÇÃO SOMADOS AO MAU EXEMPLO



O senador Renan Calheiros não cumpriu a determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, de se afastar da presidência do Senado.

Além de ter cometido crime de desobediência, segundo o artigo 330 do Código Penal, o senador pode também responder pelo artigo 319 do mesmo diploma legal, que trata do crime de prevaricação.

O legislador de 1940, preocupado com a lisura da decisão judicial e visando criminalizar a conduta do agente que descumpre uma ordem legal, criou o dispositivo tipificado no artigo 330 e alargou mais ainda a criminalização por meio da previsão de crime funcional disposta no artigo 319, ambos do Código Penal Brasileiro.

"Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa."

"Art. 330 - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa."

Como visto, os dispositivos legais acima e de resto o instituto penal carecem de uma reforma, urgentemente, capaz de considerar o crime de desobediência de grande poder ofensivo e transformando-o em instrumento coercitivo capaz de intimar a parte infratora a dar total cumprimento à ordem judicial. 

Independentemente de quem abusou do erro, se o ministro do STF ao expedir a ordem judicial de forma atabalhoada ou o senador ao desobedecê-la, o que interessa ao povo brasileiro é a aplicação da justiça, doa a quem doer. Pelo exagero do ministro do STF, caso tenha havido, que ele responda pelo açodamento dentro da própria Suprema Corte. Quanto ao senador, que poderia ter contestado a ordem judicial por meio de recurso próprio, previsto no ordenamento jurídico, que sejam expostas todas as suas mazelas e que ele seja punido por todas, sem exceção e sem perdão. 

O certo é que o senador Renan Calheiros desobedeceu a decisão judicial e ficou por isso mesmo, o que leva a sociedade a acreditar que os dois instrumentos do Código Penal acima citados não assustam nem incomodam pessoas que se acham acima da lei e da ordem, porque tais dispositivos legais não são capazes de fazer cumprir determinadas ordens judiciais.  

A situação presenciada pela população brasileira seria cômica se não fosse trágica. A democracia tão arranhada por essas atitudes grotescas de "representantes do parlamento" fica ainda mais fragilizada, porquanto a desfaçatez e o autoritarismo de alguns colocam em risco o verdadeiro Estado de Direito.

No caso de punir o culpado ou os culpados, o recomendável é que se punam Renan e os membros da mesa diretora do Senado, que assinaram o documento no qual se recusaram a cumprir a decisão do STF. Ora, data venia, "pau que dá em Chico dá em Francisco". Ou seja, punam-se todos e com o rigor indispensável para a moralização que tanto a sociedade pede e espera.

Ademais, pela interpretação dos "direitos iguais" perante a lei, segundo assegura a Constituição da República, se Renan não cumpriu uma decisão da Suprema Corte, significa dizer que ninguém está obrigado a cumprir ordem judicial nesse país a partir de agora?

Que vergonha! Aliás, vergonha alheia.

O "todo poderoso" Renan promoveu uma escalada de crimes e maus exemplos diante do olhar perplexo do povo brasileiro, que tudo vê, tudo ouve, mas fica mudo de tanta esculhambação. O abuso de poder somado à desobediência são combustíveis que, levados à fogueira da crise institucional detonam com a estabilidade dos Três Poderes. E isso é fato. O senador desobediente sapateia em cima do Supremo, que por sua vez deverá vir com novos fatos e colocar em xeque o senador.

O mais triste é ouvir aqui e ali que a República está desmoralizada, que a República agora tem Quatro Poderes, ou seja, os Três Poderes tradicionais e o Quarto Poder, de Renan, que manda e desmanda no Congresso, desobedece o Supremo e ri da cara assustada do povo brasileiro.

O presidente do Senado, que não era mais para ser, mas que continua sendo, além dos crimes de desobediência e de prevaricação dá um tremendo mau exemplo para o país inteiro. Muitos tentarão também desobedecer ordens judiciais. Tantos outros não terão mais o respeito necessário e devido ao STF. Até mesmo os jovens, que lidam com a internet e redes sociais, já comentam o ridículo imposto por um Poder ao outro.

Enquanto o senador alega inocência na acusação de peculato, o Supremo acompanha pela imprensa o lamento da sociedade brasileira, que não acredita no inusitado episódio de arrogância e desobediência de um indivíduo que deveria dar bons e não maus exemplos. A situação é crítica, porquanto as crises financeira e política se somam agora à grave crise institucional.

A confusão plantada pelas mãos de um senador e pela ingerência da mesa diretora do Senado causou estupefação aos cidadãos brasileiros. No entanto, para remediar, abafar ou amenizar os efeitos da coisa toda, o plenário do STF decidiu nessa quarta-feira, véspera de feriado, que o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) não precisa ser afastado da presidência do Senado Federal porque é réu, ao contrário do que determinou a liminar do ministro Marco Aurélio na última segunda-feira. Para a Suprema Corte, Renan só não pode assumir a Presidência da República nesta condição. A nova sentença é uma vitória para o senador e para a própria direção do Senado, que haviam desafiado o STF e decidido não cumprir a medida liminar.

A demonstração de força do Senado colocou em posição delicada o Supremo. Se isso vira moda, adeus democracia e adeus cumprimento de ordens judiciais. Os grandes não hesitarão em descumprir. Os pequenos amargarão o sofrimento do trato desigual, porque serão obrigados e conduzidos coercitivamente. E a Constituição afirma no seu artigo 5º que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza[...]". Ora, é brincadeira?

Os ministros do STF têm errado muito, assim como os membros do Congresso. O caos está instalado, o país regride, a população é sacrificada e ninguém parece se importar. Os Três Poderes estão em colisão. A bandalheira é tão grande que os escândalos já não mais espantam os comandantes dessa nave desgovernada chamada Brasil. Haja paciência!

Em suma, hoje, um dia após conseguir permanecer na presidência do Senado, com o aval do STF, o senador Renan Calheiros voltou a comandar as sessões no plenário e deu ritmo célere à PEC do Teto, que é uma das principais preocupações do governo Michel Temer, que operou para manter o político no comando do Congresso. E assim caminha a humanidade nas terras brasileiras, com impunidade e Justiça branda para uns e punição e Justiça severa para outros.

Wilson Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista e Ambiental).






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