A CIDADE RECLAMA


Passado o frenesi do Carnaval, que não teve nada de espetacular, porquanto tenha deixado um rastro de sujeira e de absoluta falta de educação, a cidade se depara com as fortes chuvas que mostram a mazela urbana, o preço da falta de prevenção e o quanto está descuidada. A rigor, não se pode privilegiar o Carnaval e subestimar as chuvas, sob hipótese alguma, ainda mais porque o Carnaval é festa de alguns poucos dias, e as chuvas, por semanas e meses, vêm e vão com recados enérgicos de que também merecem atenção.     

O Carnaval trouxe alegria, razoável movimentação financeira e promessa de evolução para os próximos anos, mas também penalizou os moradores com o excesso de lixo nas ruas, com a transformação de portas de casas e lojas em banheiro público, com a obstrução do direito de ir e vir e, pior, com a dificultação de deslocamento de ambulâncias. O pseudosucesso do Carnaval não justifica os erros de planejamento e muito menos o desrespeito com os cidadãos que não gostam dos exageros da festa.

A cidade reclama dos abusos cometidos no Carnaval. Entretanto, bem ou mal, os moradores conviveram com o momento festivo e souberam tolerar os arroubos dos jovens, dos turistas e de todos os adeptos da grande festa popular. O Carnaval passou, e a lição que ficou, se bem aprendida, foi que o planejamento, o policiamento, o trânsito, a limpeza, a higiene, o número de banheiros químicos e o livre acesso das ambulâncias às redes hospitalares precisam melhorar muito.  

Por outro lado, a cidade reclama, justificadamente, da falta de ação da prefeitura e da quase inexistente fiscalização da Câmara Municipal, principalmente no que toca à realização de obras emergenciais de prevenção de inundações, provocadas pelas fortes chuvas previstas para todos os anos, mas nunca contidas de forma satisfatória. O resultado é o caos absurdo em que se transforma a cidade, com prejuízos enormes e dor profunda para a população – ruas e avenidas alagadas; casas e lojas invadidas por águas barrentas; veículos arrastados pela forte correnteza e perda de vidas humanas. Morte e destruição são os saldos da falta de cuidados com a cidade e com o povo.

A cidade tem muitas reclamações a fazer. A cidade reclama do lixo nas ruas; da falta de iluminação pública adequada; do atraso na implantação de um verdadeiro metrô, e não de simples ampliação do precário trem metropolitano existente; da efetivação do Plano Diretor exaustivamente discutido pela sociedade, que trabalhou de forma árdua e gratuita, por mais de seis meses, nas propostas aprovadas pelos setores popular, técnico e empresarial, e que, apesar de tudo isso, resta engavetado por falta de vontade política da prefeitura e da Câmara Municipal.

A cidade reclama porque os impostos são pagos e a contrapartida satisfatória não surge, e porque a população é negligenciada e afastada, embora o Estatuto das Cidades preveja sua participação.  

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Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).    

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de domingo, 4 de março de 2018, pág. 17).

  

Comentários

  1. Isso mesmo. Verdade. No carnaval a cidade ficou cheia de gente, cheia de lixo, cheia de garrafas pelo chão. Depois do carnaval as chuvas vieram e encontraram uma cidade despreparada, sem prevenção de enchentes e sem precaução como bem disse o Dr. Wilson, em mais um texto primordial. Parabéns!
    Julião Pitanga M.M.

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