CORRETOR NÃO PROVA VÍNCULO E TERÁ DE PAGAR MAIS DE R$1MILHÃO DE SUCUMBÊNCIA.

 

A proposição de uma ação trabalhista deve ser precedida de análise pontual quanto aos direitos, deveres e provas. O vínculo empregatício requer subordinação e cumprimento dos demais requisitos previstos no artigo 3º da CLT.

O presente caso é o de um Corretor franqueado que teve negado o reconhecimento de vínculo empregatício com seguradora. Diante da derrota na Justiça, ele terá de arcar com honorários de sucumbência milionários. Decisão é da 6ª Turma do TRT da 3ª região, que fixou o montante em 5% do valor da causa, que é de quase R$ 24 milhões.

Especificamente, trata-se de ação trabalhista de um corretor (reclamante) contra a empresa Prudential do Brasil Seguros de Vida (reclamada), em que buscava o reconhecimento da relação de emprego. O reclamante, que atuava como corretor franqueado, pleiteou o pagamento de parcelas trabalhistas, alegando que um contrato teria sido formalizado com intuito de mascarar relação de empresa.

Em 1º grau, o pedido foi julgado improcedente, e a sucumbência, fixada em 10% sobre o valor da causa, de R$ 23.965.447,66. O reclamante também foi condenado a arcar com custas no valor de R$ 479.308,95. Por esses motivos, recorreu da decisão.

Mas o colegiado considerou que, para o reconhecimento do vínculo empregatício, seria necessário o preenchimento dos requisitos estabelecidos no art. 3º da CLT, quais sejam: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica. Destacando que a ausência de um deles impossibilita o reconhecimento, os magistrados concluíram que não havia, no caso, subordinação, típica da relação de emprego.

“Na espécie, não se encontram presentes os pressupostos caracterizadores da relação de emprego, uma vez que o reclamante atuava com total independência, sem subordinação a horários ou a prepostos da reclamada, efetuando vendas de seguros a partir de lista de clientes criadas por ele próprio”.

A 6ª Turma do TRT-3 destacou, no acórdão, que, ainda que se pudesse cogitar que em algum momento no curso da prestação de serviços o reclamante tenha se deparado com realidade diversa da ajustada no contrato, “por certo se mostrou irrelevante frente às benesses auferidas”, e que os ganhos obtidos como faturamento médio anual giravam em torno de R$ 1 milhão.

Diante do nível de complexidade da causa e o disposto na CLT, o colegiado reduziu, de ofício, o percentual arbitrado aos honorários advocatícios sucumbenciais para 5% do valor da causa, por mais consentâneo com o que vem sendo arbitrado pela turma para processos semelhantes. (Processo nº 0010260-26.2021.5.03.0024).

 

VEJAMOS O ACÓRDÃO:

EMENTA: RELAÇÃO DE EMPREGO. REQUISITOS. Para se configurar a relação de emprego é necessário o preenchimento dos requisitos estabelecidos no art. 3º da CLT; a ausência de um deles impossibilita o reconhecimento do vínculo empregatício.


RELATÓRIO

O juiz Charles Etienne Cury, em exercício na 24ª Vara de Belo Horizonte, julgou improcedente a reclamatória. O reclamante recorre insistindo no reconhecimento do vínculo de emprego e pagamento das verbas decorrentes. A reclamada, em recurso adesivo, arguindo a incompetência material desta Justiça.  

A guia de custas encontra-se às fls. 2.861/2.862. Contrarrazões recíprocas às fls. 2.754/2.836 e 2.849/2.853, redarguindo a reclamada a incompetência material desta Justiça. Dispensado o parecer da Procuradoria Regional do Trabalho.

VOTO

Conheço dos recursos porque próprios, tempestivos e regularmente preparados, porquanto recolhidas as custas. Inverto a ordem de apreciação em razão da incompetência suscitada no recurso da reclamada.

1. RECURSO DA RECLAMADA

A situação em exame não se amolda à tese firmada pelo STF no julgamento do tema 550, que atribuiu à Justiça Comum a competência para examinar processos envolvendo relação jurídica entre representantes comerciais, quando preenchidos os requisitos previstos na Lei 4.886/65.

Trata-se de demanda em que o reclamante postula o reconhecimento de vínculo de emprego com a reclamada, bem como o pagamento de parcelas trabalhistas consectárias, alegando fraude no contrato de franquia, que teria sido formalizado no intuito de mascarar a relação de emprego havida, o que atrai a competência desta Justiça, nos termos do art. 114, I, da CR. Rejeito.

2. RECURSO DO RECLAMANTE

2.1. Natureza da relação havida entre as partes.

O reclamante, na causa de pedir, sustentou que foi contratado pela reclamada em maio de 2014, após aprovação em processo seletivo, para exercer a função de "life planner", espécie de corretor de seguros, tendo sido obrigado a constituir empresa com objeto social de corretagem de seguros, através da qual receberia a remuneração. Asseverou que a estrutura da relação era de um contrato de franquia, no qual efetivamente seria franqueado da reclamada, mas que na execução do contrato predominaram elementos que caracterizam relação de emprego, na forma do art. 3º da CLT, dado que trabalhou mediante subordinação estrutural, pessoalidade, onerosidade e habitualidade. Asseverou que a celebração do referido contrato de franquia, condição imposta pela reclamada para a contratação, se deu mediante vício de vontade e teve a finalidade de mascarar a relação empregatícia, uma vez que a reclamada oferecia toda a estrutura necessária à consecução do trabalho, estando os "lifes planners" vinculados a uma agência que contava com mesa, ramal telefônico, sendo as atividades e horários rigidamente fiscalizados, com metas a serem alcançadas. Havia reuniões de comparecimento obrigatório às segundas e quintas-feiras das 9h às 12h, sendo que nas terças e sextas-feiras permanecia na agência, no mesmo horário, realizando procedimentos relativos ao agendamento de visitas. O contrato de franquia previa que o chefe acompanharia a performance do "life planner", havendo um aplicativo de celular pelo qual se realizava a gestão do trabalho. Em maio de 2016 assinou novo contrato de franquia
que, embora tenha dado aspecto mais formal ao ajuste anterior, à luz da lei de franquias, em nada alterou a realidade fática das condições e modo de trabalho mencionadas.

Cediço que para a configuração da relação de emprego exige-se o preenchimento dos requisitos estabelecidos no art. 3º da CLT, quais sejam: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica e/ou integrativa ou estrutural, sendo que a falta de um deles impossibilita o reconhecimento da relação de emprego. Sabido, outrossim, que o pacto laboral é um contrato realidade, pelo que irrelevante a que título foi formalizada a relação entre as partes, sendo necessária a investigação da prática efetivada ao longo da prestação de serviços. Trata-se do princípio da primazia da realidade sobre a forma, em que o julgador busca a expressão da situação fática vivenciada na relação jurídica.

E, na espécie, não se encontram presentes os pressupostos caracterizadores da relação de emprego, uma vez que o reclamante atuava com total independência, sem subordinação a horários ou a prepostos da reclamada, efetuando vendas de seguros a partir de lista de clientes criadas por ele próprio.  

Certo é que não havia subordinação típica da relação de emprego, visto que não se extrai do depoimento a existência de efetiva ingerência da reclamada no trabalho executado.

Em que pese ser possível inferir do depoimento de -------, indicado como testemunha pelo reclamante, que houvesse obrigatoriedade de comparecimento a reuniões, prestar informações sobre a rotina quando em viagens e apresentação de relatórios de vendas e visitas, cobranças de resultados, fornecimento de estrutura para a realização dos serviços como mesas e ramais individuais, a outra testemunha ouvida no feito, --------, indicado pela reclamada, confirmou a autonomia na prestação dos serviços, noticiando que os serviços são prestados sem subordinação, negando a existência de reuniões obrigatórias ou necessidade de comparecimento diário à sede da empresa, sendo eventual e facultativa a ida aos pontos de apoio.

De todo modo, a participação em reuniões e apresentação de relatórios informativos, nos moldes indicados no depoimento do reclamante, não caracteriza subordinação, revelando-se natural diante da natureza do modelo de negócio desenvolvido. Com efeito, a troca de informações e mesmo a padronização de serviços voltados à manutenção da qualidade do produto objeto do contrato de franquia tem suporte no inciso XII do art. 3º da Lei 8.955/94, vigente à época da formalização do contrato, que prevê a possibilidade de oferecimento, pela franqueadora, de supervisão de rede; serviços de orientação e outros prestados ao franqueado; treinamento do franqueado especificando duração, conteúdo e custos; treinamento dos funcionários do franqueado; manuais de franquia; auxílio na análise e escolha do ponto onde será instalada a franquia; layout e padrões arquitetônicos nas instalações do franqueado.

Ademais, a testemunha do reclamante, que atuou como gerente comercial (master franqueado B), declarou que não considerava os demais franqueados como seus gerenciados, mas a todos como uma equipe comercial.

Pontue-se que o reclamante confessa que após ter aceitado o convite de um colega de faculdade participou de três apresentações exaustivas em que lhe foram esclarecidos os termos da relação a ser celebrada, bem como de "inúmeras" outras reuniões com representantes da reclamada, não sendo crível que tenha firmado contrato, iniciado a prestação de serviços e constituído pessoa jurídica sem que soubesse da natureza jurídica da relação contratual estabelecida. Cabe salientar que o reclamante é pessoa esclarecida, com formação em Administração de Empresas, com destacada expertise no mercado de seguros, tendo prestado serviços por seis anos por intermédio da pessoa jurídica regularmente constituída, sem qualquer insurgência. A assertiva de que celebrou contrato de franquia mediante vício de vontade e que "somente depois que começou a trabalhar que percebeu a ocorrência da fraude, já que foi induzido a acreditar que seria um franqueado" (sic fl. 20) é completamente dissonante da realidade. Aliás, afirmou em depoimento que "sempre teve ciência dos contratos que assinou" (fl. 2.552).

Ainda que se pudesse cogitar que em algum momento no curso da prestação dos serviços o reclamante tenha se deparado com a realidade diversa da ajustada no contrato, por certo se mostrou irrelevante frente às benesses auferidas. A propósito dos ganhos obtidos, o reclamante informou que durante período da prestação de serviços, que perdurou por seis anos, obteve faturamento médio anual de R$1.000.000,00, o que pode ser observado também dos extratos de comissões coligidos às fls. 1.314/1.390. Tais documentos revelam meses em que as comissões superaram o patamar de R$250.000,00, a exemplo de outubro de 2016 (R$254.283,63) sendo que em janeiro de 2017 alcançou o valor de R$299.404,69.

Diante do exposto, compartilho do entendimento do juízo monocrático no sentido de que "restou demonstrado pela prova que o reclamante jamais se encontrara na condição de trabalhador subordinado a prepostos da reclamada. A apresentação de resultados e relatórios é condição mínima a quem se obriga a uma relação contratual tão lucrativa, havendo obrigações evidentes daí decorrentes. A alegada subordinação a "gerentes" é narrativa falaciosa, haja vista que os supostos gerentes nada mais eram que iguais do reclamante, franqueados autônomos. Não há de se falar em fiscalização feita pelo suposto empregador através de terceiros que não lhe são empregados. A atuação articulada e conjunta de diversos franqueados meramente otimiza o resultado do trabalho e o ganho de todos, não gerando qualquer presunção de subordinação ou controle".

Destarte, não se constata a presença dos pressupostos caracterizadores da relação de emprego previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, mostrando-se acertada a sentença que julgou improcedente a pretensão de reconhecimento de vínculo empregatício e parcelas consectárias. Desprovejo.

2.2. Honorários sucumbenciais

Considerando o nível de complexidade da causa e o disposto no § 2º do art. 791 da CLT, reduzo, de ofício, o percentual arbitrado aos honorários advocatícios sucumbenciais para 5% do valor dado à causa, por mais consentâneo com o que vem sendo arbitrado por esta Turma julgadora para processos semelhantes.

ISTO POSTO,

Conheço de ambos os recursos e nego-lhes provimento. De ofício, reduzo os honorários advocatícios fixados na origem para 5% do valor da causa.

ACÓRDÃO

O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão Ordinária da Sexta Turma, hoje realizada, analisou o presente processo e, à unanimidade, conheceu de ambos os recursos; sem divergência, negou-lhes provimento. Unanimemente, reduziu, de ofício, os honorários advocatícios fixados na origem para 5% do valor da causa. (Presidente: Desembargador José Murilo de Morais. Tomaram parte nesta decisão os: Desembargador José Murilo de Morais (Relator), Desembargadora Lucilde D`Ajuda Lyra de Almeida e Desembargador Anemar Pereira Amaral. Procuradora do Trabalho: Adriana Augusta de Moura Souza. Belo Horizonte, 12 de abril de 2022).

Portanto, como visto, os riscos são grandes quando se demanda sem prever a possibilidade de as provas não serem suficientes para garantir o direito pleiteado. Pior ainda é perder totalmente a causa e sofrer a condenação de honorários de sucumbência de mais de R$ 1 milhão, além das despesas processuais que, no caso concreto, são bastante significativas. Ou seja, o reclamante (corretor) não ganhou absolutamente nada e ainda foi condenado em quantia milionária. Tudo em razão de o reclamante não ter conseguido provar o vínculo empregatício, que requer subordinação e cumprimento dos requisitos previstos no artigo 3º da CLT.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. É nisso que dá entrar com uma ação trabalhista milionária sem pensar nas consequências ou não ter provas bem robustas. Faltou análise mais detida da demanda como disse Dr. Wilson. No nosso escritório nós pensamos duas vezes antes de ajuizar ação, em casos parecidos. Agora é o prejuízo a pagar pelo reclamante afoito. Abraço doutor. Pérsio Domingues.

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  2. Dr Wilson eu fui corretora por muitos anos e essa profissão quando é levada ao tal regime de PJ não tem retorno trabalhista na justiça; O melhor nesse caso de PJ e contrato assinado é manter as relações e manter portas abertas. Essa briga trabalhista nesta condição como o senhor mesmo disse é arriscada e sem provas fortes pior ainda. Excelente o artigo e vou compartilhar com amigos e amigas corretores se seguros em BH e região. Att: Danuza Soares.

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