OS RISCOS DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL NA ADVOCACIA E NA MAGISTRATURA.

 

Aos poucos a inteligência artificial vai tomando conta de um espaço até então ocupado exclusivamente pela mente humana. A preguiça de raciocínio tem levado muitas pessoas a se tornarem dependentes da tecnologia. As cabeças pensantes perderam muito do seu valor. Depender de recursos eletrônicos está virando moda.

Vale observar o caso que aconteceu recentemente no Poder Judiciário, envolvendo um advogado e um juiz:

Em um recurso (embargos à execução) impetrado no TJSP, o advogado de uma das partes pediu a anulação de uma sentença de execução. O motivo alegado foi o de que a decisão tinha sido escrita por IA (inteligência artificial).

Para provar seu ponto de vista, o causídico juntou aos autos uma consulta que fez ao próprio ChatGPT, na qual a ferramenta generativa avaliou haver “probabilidade média a grande” de o texto ter sido escrito total ou parcialmente por IA. Porém, a 15ª câmara de Direito Privado do TJSP considerou o pedido absurdo e, sem provas, negou os embargos.

Note-se que o caso envolve uma sentença de execução em que não foi reconhecida abusividade de juros. Contra a decisão, a parte opôs embargos. Mas, em vez de questionar o teor do que foi decidido, alegou nulidade, sob o argumento de que a decisão foi escrita por IA.

A checagem do advogado se mostrou clara quando ele submeteu a sentença à análise do ChatGPT, e obteve o seguinte resultado: “A probabilidade de o texto que você reproduziu ter sido escrito, total ou parcialmente, por uma inteligência artificial é média a grande”.

O ChatGPT respondeu que aquele tipo de análise jurídica, densa e técnica, é algo que muitos modelos de IA treinados com informações jurídicas podem produzir. As razões para a probabilidade ser “média a grande” incluiriam estrutura técnica e formal, uso extensivo de jurisprudência e referências e linguagem jurídica complexa.

Por sua vez, ao analisar os embargos, o desembargador Carlos Ortiz Gomes, da 15ª câmara de Direito Privado do TJSP, concluiu que o pedido da embargante era absurdo. “Em suma, a apelante aduz que, em razão da boa formulação e fundamentação do julgado, este provavelmente não teria sido elaborado por trabalho humano, mas sim por uma máquina”, deduziu o magistrado.

Ele pontuou que a mesma análise do próprio ChatGPT feita pela autora informa o seguinte: “Contudo, sem ferramentas específicas para análise de autoria de texto ou confirmação com a fonte original, é impossível afirmar com certeza se o texto foi escrito por uma IA ou não. Essa avaliação se baseia apenas na observação do estilo e da estrutura”.

O desembargador destacou que a acusação da autora é muito grave, devendo ser pautada em indícios reais de uso antiético da tecnologia, como por exemplo, a prolação de sentença teratológica, ou a indicação de jurisprudência inexistente (comumente inventada por ferramentas digitais).

Entendeu, assim, que os embargos à execução não comportam conhecimento, e afirmou: “O recurso não tem nada a ver com o conteúdo do pronunciamento atacado. Falta sintonia entre as razões recursais invocadas e os fundamentos do julgado impugnado, configurando a violação ao princípio da dialeticidade”.

Sem dialogar “minimamente com o decidido na sentença”, o recurso foi negado, e os honorários foram majorados para 15% sobre o valor da causa (Processo: 1009223-69.2024.8.26.0405).

A meu sentir, o advogado deveria ter atacado a questão dos juros abusivos e outros itens relativos à sua defesa. Somente depois disso feito ele poderia ter alegado suposta utilização de inteligência artificial na formulação da sentença, mas desde que a ferramenta deixasse claro que o fato teria acontecido por meio da IA. Nesse caso não pode ter dúvidas ou “parece que sim” ou “parece que não”. A certeza se faz necessária.

Por outro lado, a decisão do tribunal contra o recurso do advogado e a favor da sentença do juiz não foi nenhuma novidade, pois é sabido que no Judiciário brasileiro o corporativismo é forte e os pares se protegem.

De sorte que o uso da tecnologia na advocacia e na magistratura tem sido buscado, experimentado, aprimorado, mas a entrega não pode ser absoluta, haja vista a necessidade premente de advogados e juízes manterem suas performances argumentativas, tornando a ação judicial ou a peça processual uma parte do seu trabalho intelectual, independentemente das múltiplas ferramentas tecnológicas que estejam ao seu dispor.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Qualquer profissional que usa a IA para fazer seu trabalho não merece receber pelo que foi realizado. Advogados ou juízes não podem usar a IA para fundamentar, argumentar, alegar, julgar ou decidir. Esses profissionais precisam ter competência e usar sua cognição e o que sabe de fato da causa para exercer seu papel. Eu acho que a IA deve ser aproveitada de alguma forma mas nunca usada como coisa final ou pronta. Concordo com o dr. Wilson Campos e tenho o mesmo sentimento quanto ao tema. At.: Adão J.S. Lima.

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