JUÍZA SOFRE OFENSAS: “AFRODESCENDENTE COM RESQUÍCIOS DE SENZALA”.

 

O comportamento inadequado de algumas pessoas vem se tornando um sério problema social. As agressividades surgem do nada e a intolerância cresce a cada dia. O Brasil está se transformando em um país descontrolado, em todos os sentidos possíveis para o raso entendimento humano.

Circula na imprensa e nas redes sociais a notícia de que em um processo que tramita na 3ª vara Cível de Campos dos Goytacazes/RJ, o advogado José Francisco Barbosa Abud apresentou petição repleta de ataques. Um dos alvos é a juíza Helenice Rangel Gonzaga Martins, titular da vara.

Em seu texto, o advogado chama a juíza de “magistrada afrodescendente com resquícios de senzala e recalque ou memória celular dos açoites”.

Em outro trecho, ele fala em “decisões prevaricadoras proferidas por bonecas admoestadas das filhas das Sinhás das casas de engenho”.

E também ataca “subordinado servidor de gabinete”, afirmando que destoa da “Excelentíssima em tendências reprimidas provavelmente resultante (causa e efeito) de uma infância devassada por parentes próximos que perpetuam abusos mais do que comuns a primatas ou primitivos”.

Diante dos relatos, já antecipo que o caso, por mais estranho e inaceitável que seja, não pode de cara merecer prejulgamento, uma vez que é constitucional o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório. As ofensas são graves, mas o causídico tem o direito de se defender diante das entidades e autoridades competentes.  

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) informou que, de acordo com a magistrada, o advogado já vinha se comportando de forma inadequada, com e-mails debochados, irônicos e desrespeitosos, e uso de palavras de baixo calão, sobretudo dirigidos a magistradas e servidoras. “Sua conduta é ameaçadora. Temos que dar um basta a essa sensação de impunidade”, disse.

O caso vem tendo grande repercussão e deverá ser analisado e merecer uma resposta oficial da OAB Nacional.

A petição do causídico é direcionada à 4ª vara e foi protocolada após a juíza declarar-se suspeita para atuar no feito. Em um trecho da petição consta o seguinte:

“Ainda que em breve observação a Magistrada afrodescendente com resquícios de senzala e recalque ou memória celular dos açoites assim indefira pedido em Decisum infundado em desfavor a legislação incontestável supramencionada, amparada para seu julgamento pessoalmente subjetivo em déspota infiltrado por facção criminosa denominada PCC no Supremo Tribunal Federal (stf); indivíduo que servirá apenas como uma cobaia da Empresa NEURALINK como nos experimentos do Sr. Josef Mengele, por conseguinte com sério agravante de agir coagidamente e sob forte influência de subordinado(a) servidor de Gabinete de mesmo endereçamento continental e de similares, destoando da Excelentíssima em tendências reprimidas provavelmente resultante (causa e efeito) de uma infância devassada por parentes próximos que perpetuam abusos mais do que comuns a primatas ou primitivos, nada estranho a nossa natureza perversa e indiferente; aqui fica uma "pintura" de que "ainda somos os mesmos/ e vivemos como ""Neandertais""; retornando ao que é essencial a essa ficção, reivindico o deferimento de integração na demanda”.

Verifica-se pelo trecho da petição que o advogado estava descontrolado e movido por grande emoção, embora injustificáveis suas palavras e ofensas à juíza e a outros.  

O TJRJ informou que o juiz Leonardo Cajueiro D. Azevedo, a quem foi distribuído o processo após a suspeição da magistrada, oficiou ao Ministério Público, diretamente ao gabinete do Procurador-Geral de Justiça, para que seja instaurado procedimento criminal para apuração dos possíveis crimes de racismo, injúria racial e apologia ao nazismo.

A OAB/RJ também foi oficiada para que seja instaurado procedimento disciplinar para apuração das possíveis infrações disciplinares e violações aos ditames éticos da advocacia pelo advogado.

Consta também que a petição do advogado envolve o processo sucessório de um homem que o causídico chama de “VoVô ou 'Véio' mesmo”. No documento, ele pede sua inclusão no polo passivo, tanto como parte quanto como proponente, e reclama de um testamento feito pouco menos de um mês antes do falecimento do homem, documento que teria tido como mentora “a adúltera concubina que alega ser companheira, e seu demandante filho”.

No processo, o advogado afirma que o falecido nunca se separou da esposa, com quem teve seis filhos, e que “apenas não trepavam mais” pelos efeitos da velhice. Diz o advogado que a monogamia é “mais uma ficção da Mafiosa & Prostituída Igreja Católica Apostólica Romana ou das malignas RELIGIÕES”, além de citar “milhares de 'Sacerdotes' pedófilos que continuam a prática da pedofilia e pederastia com a ‘Benção PaPal’”.

Ele afirma que a mulher, “concubina”, arquitetou trama por interesse financeiro, e que recebeu, por quinze anos, a pensão por morte do testador, em detrimento da esposa, que teria ficado com 30% do pensionamento. Diz, ainda, que o falecido estaria acamado na data do testamento, e que o documento não foi questionado à época pelos herdeiros necessários. (Processo: 0800656-71.2023.8.19.0014).

O que diz a OAB-RJ:

Assim que tomou conhecimento do caso, a presidente da Seccional Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Ana Tereza Basilio, determinou à Corregedoria a imediata abertura de investigação para apurar a conduta do advogado.

O que diz o Tribunal de Justiça:

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro repudia as manifestações racistas direcionadas à magistrada Helenice Rangel, titular da 3ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes.

As declarações proferidas pelo advogado José Francisco Abud são incompatíveis com o respeito exigido nas relações institucionais e configuram evidente violação aos princípios éticos e legais que regem a atividade jurídica.

Tal comportamento, além de atingir diretamente a honra pessoal e profissional da magistrada, representa uma grave afronta à dignidade humana e ao exercício democrático da função jurisdicional.

O Tribunal se solidariza com a juíza Helenice Rangel e informa que encaminhou o caso ao Ministério Público e à Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro (OAB/RJ), para apuração rigorosa das responsabilidades nas esferas criminal e disciplinar.

Reitera-se o compromisso permanente contra qualquer forma de discriminação ou preconceito, sobretudo o racismo, prática criminosa que deve ser amplamente repudiada e combatida por toda a sociedade.

Nota da Amaerj:

A Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (AMAERJ), instituição que reúne cerca de 1.200 desembargadores e juízes fluminenses, manifesta apoio integral à juíza Helenice Rangel Gonzaga Martins, titular da 3ª Vara Cível da Comarca de Campos dos Goytacazes.

A AMAERJ repudia veementemente o ataque racista praticado pelo advogado contra a magistrada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Por meio de petição e e-mails, o advogado apresentou conduta discriminatória e desrespeitosa, com o uso de palavras de baixo calão, racistas e injuriosas.

Esse caso é inaceitável. Racismo é crime e deve ser combatido por toda a sociedade.

Desde o ocorrido, a AMAERJ vem atuando em defesa da magistrada na adoção das medidas judiciais cabíveis.

A Associação se solidariza com a juíza Helenice Rangel Gonzaga Martins e reitera o apoio ao trabalho dedicado e de alta qualidade realizado pela magistrada.

Reação do CNJ:

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) repudia de forma veemente as manifestações racistas direcionadas à juíza Helenice Rangel, titular da 3ª Vara Cível de Campos dos Goytacazes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) pelo advogado José Francisco Abud. Além de atingir diretamente a honra e a dignidade da magistrada, as ofensas afrontam o Poder Judiciário, que busca, de forma permanente, combater o racismo estrutural e reconhece que o povo negro foi escravizado e marginalizado ao longo da história brasileira.

Em 2022, o CNJ implementou o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial que reúne uma série de medidas para combater e eliminar o racismo e todas as formas de discriminação no âmbito do Poder Judiciário. Além disso, no ano passado, aprovou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial que oferece ferramentas para romper a naturalização histórica do racismo no sistema de Justiça brasileiro.

Desta forma, o CNJ reitera seu repúdio à ação conduzida pelo advogado, confia na apuração e responsabilização rápida e eficaz, além de reafirmar sua determinação em instituir ações afirmativas que resgatem uma dívida histórica de um povo que foi escravizado e sofre, até os dias de hoje, consequências de uma estrutura opressora, injusta e desigual.

Nota da OAB Nacional:

O Conselho Federal da OAB tomou conhecimento dos fatos envolvendo a atuação de um advogado em processo judicial no do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). A Ordem não concorda com a conduta relatada e reforça que a urbanidade e o respeito são princípios essenciais ao exercício da advocacia.

Atitudes que desrespeitam a magistratura, servidores e qualquer pessoa são incompatíveis com os valores que norteiam a profissão e não condizem com a conduta esperada de advogados e advogadas.

Portanto, a OAB confia na rigorosa apuração dos fatos e reforça que condutas contrárias à ética e ao decoro profissional devem ser tratadas com a seriedade que o caso exige. (a) Beto Simonetti - Presidente do Conselho Federal da OAB.

Enfim, a meu ver, a OAB Nacional com certeza enfrentará a questão com a seriedade e a imparcialidade que sempre pautaram a atuação da entidade, sem distinção de parte ou contexto. Ademais, a OAB deverá analisar com equilíbrio o caso, tomar conhecimento dos fatos ocorridos, estudar o teor das petições nos autos, realizar a oitiva do advogado e somente depois da defesa e do contraditório, tomar uma medida a respeito.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Eu concordo com dr. Wilson Campos porque por mais estranho que seja o caso o acusado tem direito à defesa e ao contraditório. Isso é parte da CF e deve ser seguido sem exceção. Só depois de respeitado todo o devido processo legal alguma medida pode ser tomada contra o causador da questão julgada. E se o advogado estiver passando por problemas psicológicos ??? Tem- se que ter calma antes de julgar e tomar medidas apressadas. Parabéns dr. Wilson Campos por seu equilíbrio e senso de justiça sempre aguçados. Afrânio Olavo (cidadão).

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  2. O advogado deve ter surtado e estar com algum problema de saúde. Mas eu concordo 100% com o artigo do Dr. Wilson e destaco essa parte final: ..."Enfim, a meu ver, a OAB Nacional com certeza enfrentará a questão com a seriedade e a imparcialidade que sempre pautaram a atuação da entidade, sem distinção de parte ou contexto. Ademais, a OAB deverá analisar com equilíbrio o caso, tomar conhecimento dos fatos ocorridos, estudar o teor das petições nos autos, realizar a oitiva do advogado e somente depois da defesa e do contraditório, tomar uma medida a respeito". Att: Carmélia L. J. Motta.

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  3. A ofensa contra a juíza foi feia e isso não pode acontecer nem da parte do advogado nem da juíza ou de qualquer pessoa humana. O ser humano está muito agressivo ultimamente e isso se acha em todo lugar - no bar, no restaurante, no hotel, na rua, nas festas, nos tribunais, nas delegacias, nas empresas, no governo federal, em todos os governos, no judiciário, no STF, na PGR, no MP, no Congresso, em todo lugar a paciência é zero e as agressões são diárias. Uma vergonha para o ser humano e para a humanidade. Deus ajude-nos. Priscilla M. Silva (brasileira, mãe e avó).

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