CAPÍTULOS DE UMA CATÁSTROFE ANUNCIADA.
1º)
Em julho passado, mais um projeto de lei - dos tantos que já tramitaram - que
tornaria mais rígidas as normas para mineração em Minas Gerais foi barrado na
Assembleia Legislativa do Estado. Relatado pelo deputado estadual João Vítor
Xavier, presidente da Comissão de Minas e Energia, o projeto, entre outras
medidas, obrigava as mineradoras a adotarem processos de rejeitos a seco - mais
caros, porém mais seguros. Quando seu texto estava para ser soterrado, o
deputado profetizou: "Não estou dizendo que 'poderemos' ter novas
rupturas. Não tenho dúvidas de que 'teremos'."
2º)
A Assembleia Legislativa mineira não aprovou o projeto de lei de fiscalização de barragens. A Vale não fiscalizou seu próprio empreendimento. O governo do Estado fez ouvidos moucos. Os órgãos estaduais ambientais fecharam os olhos. A barragem de Brumadinho se rompeu no dia 25/01/2019, causou muitas mortes e deixou diversos feridos, além da destruição do meio ambiente e contaminação dos rios. As famílias vivem em desespero pela perda de parentes e amigos. Como se não bastasse a dor da perda de um ente querido, muito provavelmente as quase 300 famílias de desaparecidos não terão sequer a oportunidade de uma despedida digna. Terão, assim, nos termos da lei, que buscar estabelecer a morte dos
parentes, para os efeitos inerentes ao desaparecimento.
3º)
A lei dos registros públicos prevê (art. 88) que os juízes togados poderão admitir
"justificação para o assento de óbito de pessoas desaparecidas em
naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando
estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível
encontrar-se o cadáver para exame".
4º)
A juíza do Trabalho Renata Lopes, da 2ª vara de Betim/MG, ordenou que a Vale
mantenha o pagamento dos salários aos parentes e familiares dos trabalhadores
desaparecidos, até que seja esclarecida a situação pendente em que se
encontram. Além disso, também determinou o congelamento de mais R$ 800 milhões
das contas da mineradora.
5º)
Foram publicadas no DOU de hoje as resoluções 1/19 e 2/19 do Conselho
Ministerial de Supervisão de Respostas a Desastres. A primeira recomenda aos
órgãos e às entidades da Administração Pública Federal a adoção imediata de
ações e medidas de fiscalização de barragens. Já a segunda institui subcomitê
para a elaboração de anteprojeto de atualização e revisão da Política Nacional
de Segurança das Barragens, estabelecida pela lei 12.334/2010.
6º) A mineradora Vale deve providenciar "resgate, acolhimento e tratamento dos animais
agonizantes na lama da barragem", ordenou a juíza de Direito plantonista
de Brumadinho, Perla S. Brito.
7º)
Raquel Dodge, procuradora-geral da República (PGR), anunciou que está sendo discutida proposta que poderá contribuir
na atuação preventiva do órgão ministerial: a criação de ofícios especializados
de atuação concentrada em polos. A medida está em fase final de elaboração,
devendo ser apresentada em forma de Proposta de Resolução a ser analisada pelo
Conselho Superior do MPF na próxima sessão, marcada para 5/2. A própria PGR
lembrou que, apenas em Minas Gerais, são cerca de 700 barragens que precisam
passar por monitoramento constante e fazer parte da atuação do parquet. Não há
a menor dúvida do papel de destaque que o parquet passou a desenvolver nos
últimos anos nos eventos mais relevantes do país. Espera-se que, nessa grande
tragédia que ficará marcada na história brasileira, o MP aja com a coragem
necessária. A PGR também informou que está em contato com o presidente do CNJ,
ministro Toffoli, para que possam definir as prioridades do Ministério Público
e do Judiciário referentes às ações e medidas de responsabilização dos
infratores. "É preciso responsabilizar severamente, do ponto de vista
indenizatório, a empresa que deu causa a este desastre, e promover a persecução
penal", acrescentou Dodge, defendendo, em primeiro lugar, a indenização
das famílias.
8º)
A mineradora Vale perde mais de R$ 70 bi em valor de mercado após a tragédia. O tombo em um
único dia é o maior da história da Bolsa brasileira. Governo Federal aposta em
maioria em Conselho para destituir a direção da empresa.
9º)
Quatro dias depois, funcionários da Vale e engenheiros terceirizados que teriam
atestado a estabilidade da barragem do córrego do Feijão são presos
temporariamente. Os mandados, expedidos pela Justiça de MG, foram cumpridos na
manhã de hoje.
10º)
O caso Samarco é um exemplo do que ainda vão passar os moradores de Brumadinho.
Depois de muitas idas e vindas, negociações exaustivas, a empresa fechou um acordo
com centenas de pescadores atingidos pelo rompimento da barragem. Além das
partes, o MP participou da celebração do acordo. Recentemente, a própria
empresa, que não é incapaz juridicamente, e que tinha fechado o acordo, entrou
na Justiça alegando que as verbas que ela estava pagando (que estão longe de
ser vultosas) seriam de mesma natureza e que, portanto, o valor deveria ser
diminuído. Para piorar o absurdo, obteve uma liminar na Justiça mineira,
desobrigando-a do pagamento. Agora, o feito está no TRF da 1ª região, tendo
como relatora a desembargadora Daniele Maranhão. (AI 1000940-16.2019.4.01.0000).
11º)
Foi no fim de 2018 que a Vale obteve licença para ampliar as atividades do
complexo Paraopeba, que inclui a mina Córrego do Feijão, em Brumadinho/MG, cuja
barragem se rompeu na sexta.
12º)
Na década de 70, a mineração no córrego do Feijão era promessa de riqueza. Os
questionamentos ambientais, que já existiam, eram tímidos.
13º)
O Conselho Federal da OAB esteve em Brumadinho, representado por duas
conselheiras Federais: as advogadas Marina Gadelha, presidente da Comissão
Nacional do Meio Ambiente, e Luciana Nepomuceno, conselheira de MG. Também esteve
lá o presidente da OAB/MG, Raimundo Cândido Júnior, que se colocou à disposição
da sociedade para que os direitos dos cidadãos sejam respeitados.
14º)
Para acompanhar e fiscalizar as atividades a serem executadas em Brumadinho, o
presidente Jair Bolsonaro editou decreto (9.691/2019) que institui o Conselho
Ministerial de Supervisão de Respostas a Desastre e o Comitê de Gestão e
Avaliação de Respostas a Desastre.
15º)
Os números da tragédia só aumentam e causam ainda maiores consternação, comoção
e indignação nas pessoas: são 65 mortos confirmados, sendo 31 identificados; 279
desaparecidos; 192 resgatados e 390 localizados. O Corpo de Bombeiros de Minas
Gerais, como sempre valoroso e corajoso na sua missão, trabalha arduamente na
busca de sobreviventes, embora esta esperança diminua a cada dia que passa.
Fonte:
Migalhas 4529/4530.
Wilson
Campos (Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista, Cível e
Ambiental).
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