DISTRATO IMOBILIÁRIO.
A controversa Lei do
Distrato Imobiliário (Lei nº 13.786, de 27 de dezembro de 2018), altera as Leis nºs 4.591, de 16 de dezembro de 1964,
e 6.766, de 19 de dezembro de 1979, para disciplinar a resolução do contrato
por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação
imobiliária e em parcelamento de solo urbano, e estipula pena
convencional de 25% da quantia paga quando a resolução se der por desistência
ou culpa do adquirente, percentual que será elevado a 50% se a incorporação
estiver submetida ao regime do patrimônio de afetação.
Em análise apertada
não se pode dizer que a lei terá a
força necessária para colocar uma pá de cal na insegurança jurídica que se
instaurou na presente questão. Ora, 25% e 50% não são percentuais razoáveis. Ao
contrário, há a nítida compreensão de que se trata de um exagero, com vista a depenar
o cliente, o adquirente, que poderá se afastar desse tipo de negócio.
De sorte que, causa particular estranheza, a
penalidade prevista para os casos de incorporação imobiliária submetida a
patrimônio de afetação, que o § 5º do artigo 67-A da Lei 4.591/1964 passa a
estabelecer no patamar máximo de até 50%. Ora, a ideia parece ter sido a de
fomentar a utilização dessa importante garantia para o complexo negócio de
incorporação imobiliária. Entretanto, esse fundamento não pode servir para
transformar a extinção do contrato em uma fonte de enriquecimento sem causa.
Uma pena de perda da metade do que se gastou, acrescida de outros valores, como
a própria indenização pela utilização do imóvel, a nosso ver, não se sustenta
juridicamente.
A rigor, pelos fatos
e por essa previsão legal, o promissário comprador poderá perder até mais de 50%
do que foi pago, pois, não raro, autorizado pela tese fixada em recurso
repetitivo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), é transmitido a ele o
pagamento da comissão de corretagem, desde que previamente informado o
preço total da aquisição da unidade autônoma e com o destaque quanto a esse
montante pago ao corretor (STJ, REsp. 1.599.511/SP, Rel. Ministro Paulo de
Tarso Sanseverino, Segunda Seção, Julgado em 24/08/2016, DJe
06/09/2016).
Entretanto, resta a
esperança na imparcialidade do julgamento dos tribunais. As decisões judiciais,
com a prudência necessária exigida na arte de julgar, hão de manter o patamar
médio de 10% de perda, podendo, excepcionalmente, chegar a 25%, aplicando-se o
verbete sumular 543 do próprio STJ, aprovado na Segunda Seção do Colendo
Tribunal em 31 de agosto de 2015, in verbis: “Na hipótese de resolução
de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de
Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas
pelo promissário comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do
promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador
quem deu causa ao desfazimento”. Ou seja, está criada a controvérsia, uma vez
que essa súmula jurisprudencial não se encontra superada pela nova lei, o que
poderá ser objeto de avaliações doutrinárias, muito brevemente.
Vale notar que a lei
fala em até 50%, cabendo aos atores jurídicos não permitir essa exagerada
perda aos consumidores, bastando, para tanto, reduzir o montante da penalidade,
corrigindo o abuso e a desproporção que a aplicação desse patamar traduziria.
Releve-se que, mesmo o artigo 413 do Código Civil Brasileiro, que, por sua
natureza, rege relações paritárias como regra geral, contém dispositivo que
determina ao julgador reduzir a cláusula penal quando “o montante da penalidade
for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do
negócio”. Ou seja, resta evidente que esse dispositivo aplica-se à nova lei e
às relações de consumo, sem qualquer limitação, até porque não há qualquer
previsão nela que o exclui. E, mesmo se houvesse, vale lembrar que há tempos
tem-se entendido que se trata de uma norma cogente ou de ordem pública, que não
pode ser afastada, por exemplo, diante do acordo entre as partes ou previsão
contratual.
Nesse sentido, da recente
jurisprudência superior, vejamos mais uma lição do STJ: “a despeito de a
cláusula penal ser pacto acessório oriundo de convenção entre os contratantes,
a sua fixação não fica circunscrita ao poder da vontade das partes
contratantes, pois o ordenamento jurídico estatui normas cogentes para o seu
controle” (STJ, Ag. Int. nos EDcl. no REsp. 1.517.702/SP, Rel. Ministro Paulo
de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, Julgado em 28/08/2018, DJe
05/09/2018).
Nessa mesma linha de
interpretação legal, explicando os fundamentos do art. 413 do CC, aduz que “o
controle judicial da cláusula penal abusiva exsurgiu, portanto, como norma de
ordem pública, objetivando a concretização do princípio da equidade - mediante
a preservação da equivalência material do pacto - e a imposição do paradigma da
eticidade aos negócios jurídicos”.
Sob essa ótica, uma
vez constatado o caráter manifestamente excessivo da pena contratada, continua
a afirmar que “deverá o magistrado, independentemente de requerimento do
devedor, proceder à sua redução, a fim de fazer o ajuste necessário para que se
alcance um montante razoável, o qual, malgrado seu conteúdo sancionatório, não poderá
resultar em vedado enriquecimento sem causa. (...). Assim, figurando a redução
da cláusula penal como norma de ordem pública, cognoscível de ofício pelo
magistrado, ante sua relevância social decorrente dos escopos de preservação do
equilíbrio material dos contratos e de repressão ao enriquecimento sem causa,
não há falar em inobservância ao princípio da adstrição (o chamado vício de
julgamento extra petita), em preclusão consumativa ou em desrespeito aos
limites devolutivos da apelação” (STJ, REsp. 1.447.247/SP, Rel. Ministro Luis
Felipe Salomão, Quarta Turma, Julgado em 19/04/2018, DJe 04/06/2018).
Outrossim, em se
tratando de relações de consumo, que, em regra, estão presentes nas aquisições
imobiliárias, com muito maior razão a convicção pela redução equitativa da
cláusula penal, pois o artigo 53 da Lei 8.078/90 enuncia como sendo nula de
pleno direito a cláusula de perdimento das prestações pagas em razão daquelas
que deixou de pagar. É verdade que a perda não é total, mas devolver o imóvel e
perder 50% ou até mais sobre o que se pagou é algo que excede os limites do
razoável e do desejado equilíbrio contratual. Desse jeito, não há consumidor
que aguente nem Judiciário que seja justo. Não dessa forma draconiana como deseja
a letra fria da citada lei.
A título de exemplo, imaginemos
um consumidor que investe todas as suas economias para a compra de um imóvel,
visando a sua moradia e de sua família, com o desembolso de uma entrada de
valor considerável, correspondente a cerca de metade do valor do bem. Logo em
seguida, fica ele desempregado, não podendo mais arcar com o pagamento das
parcelas que assumiu. Haverá a perda de metade do que pagou? Entendo que não,
sendo necessário aplicar, nessa hipótese fática, a redução equitativa da
cláusula penal que consta do art. 413 do Código Civil, podendo a penalidade ser
reduzida ao patamar de 10% do montante pago, na linha do entendimento
jurisprudencial anterior, retro citado.
Importante ressaltar que
não se encontra revogado - e nem poderia, por se tratar de cláusula pétrea - o
princípio maior que norteia as relações de consumo, de reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, inciso I, do CDC), sem embargo da
afirmação de ser o CDC - Código de Defesa do Consumidor, uma norma
principiológica, com fundamento constitucional (arts. 5º, inc. XXXII, e 170,
inc. V, da CF/1998). Além disso, nas relações de consumo, o risco do
empreendimento é do fornecedor, e qualquer tentativa legal de transferi-lo ao
consumidor pode ser atacada com o argumento de inconstitucionalidade.
Data venia, cumpre lembrar que inúmeros são os exemplos de voluntarismo judicial,
de decisões discricionárias proferidas sem o respaldo legal, muitas vezes
ultrapassando os limites da lei ou contrariando a jurisprudência. E o exemplo
maior vem “de cima”, dos Tribunais Superiores. O recente “solta e prende”
protagonizado pelo STF no final do ano passado e a ampliação, pelo STJ, do rol
taxativo de cabimento do Agravo de Instrumento, nos dão conta da dimensão que o
voluntarismo atingiu no Poder Judiciário.
Assim, não será surpresa se nos depararmos com futuras decisões
judiciais afastando a aplicação de artigos da lei 13.786/2018, especialmente os
que regulam os limites da pena convencional, sob o argumento de que contrariam
o inciso II, do artigo 51, do CDC, que garante ao consumidor o reembolso de
quantias pagas, e os incisos IV e XV, do referido artigo, que respectivamente
asseguram ao consumidor a nulidade de cláusula contratual que o coloque em
desvantagem exagerada ou que esteja em desacordo com o sistema de proteção ao
consumidor.
Há quem diga que o legislador, por meio da referida norma, apenas teve a
intenção de alterar entendimento jurisprudencial do STJ, que estabeleceu pena
convencional de 10% a 25% da quantia paga pelo adquirente. Essa intenção, entretanto,
não é condizente com a razoabilidade necessária aos atos contratuais, a bem da
segurança jurídica tanto defendida nas relações de negócios. Ou seja, as
discussões judiciais tendem a continuar, mesmo porque existe um hiato muito grande
nessa confusa nova lei de distrato imobiliário.
Para encerrar, embora não esgotado o assunto, por sua essência polêmica,
pode-se perguntar: será que as propagandas veiculadas
sobre vendas de imóveis em incorporação imobiliária vão alertar com
transparência as consequências de eventual inadimplemento no pagamento das
prestações? Será que o adquirente verá nos mais diversos canais de comunicação
relativos à venda de imóveis na planta, um aviso com a seguinte advertência “Atenção:
a falta de pagamento das parcelas do contrato gera a perda da metade do que
você paga!? Será?
Uma coisa é certa: se
essa advertência for feita - e deveria ser, por uma questão de sintonia com o CDC
-, a maioria das pessoas (clientes e adquirentes) não celebrará esses contratos
nem fechará quaisquer negócios nesses termos. É esperar para ver, pois somente
o tempo poderá mostrar que a nova lei é um tiro no pé do
empreendedor/incorporador, posto que tal norma será vista como abusiva e
desproporcional, fechando portas em vez de abrir.
Wilson Campos
(Advogado/Especialista em Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental).
Essa lei é um absurdo. Imagina o sujeito comprar um imóvel e depois ficar desempregado ou doente e sem condições de continuar pagando as parcelas, o que acontece? Perde de 25 a 50% do que pagou? Isso é desumano e imoral. Essa lei vai afastar o comprador que não vai assinar esse tipo de contrato. Podem crer. Eu penso assim e não compraria um imóvel com esse lei valendo. Quero agradecer o advogado Dr. Wilson Campos por mais este texto que muito nos ajuda na vida e no dia a dia de trabalho e muita luta. Forte abraço. José Carlos P. de O.
ResponderExcluir