TRANSFERIR IMÓVEL PARA EVITAR EXECUÇÃO.

 

A questão requer análise cuidadosa e interpretação fiel dos dispositivos de lei. Isso, antes de qualquer alegação de possível “fraude contra credores”.

Em um primeiro momento o entendimento pode ser da seguinte forma:

“Transferir imóveis (ou outros bens) para outra pessoa para evitar perdê-los por conta de uma dívida com uma terceira pessoa não é só imoral, mas também ilegal”.

Esse é o raciocínio motivado por força do que chamam de fraude contra credor, que tem previsão no artigo 171, II, do Código Civil Brasileiro. Art. 171 - Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores”.

Por irônica coincidência, esse é o mesmo número do artigo, no Código Penal, que trata do estelionato e outras fraudes, que acontecem quando alguém age ilegalmente para “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.  

Os credores que foram prejudicados pela fraude do devedor têm até 4 (quatro) anos para pedir a anulação da transferência do bem, a partir da data em que o imóvel foi transferido de forma fraudulenta. E depois de anulado o negócio jurídico fraudulento, é como se a transferência jamais tivesse acontecido. E se não for mais possível restituir os bens ao estado em que estavam antes da fraude, a pessoa que fraudou deve indenizar o credor (vítima da fraude).

Vale observar que existe outra possibilidade, ainda mais grave: se a pessoa apenas transferiu 'de mentirinha', ou seja, se o devedor, de fato, ainda é o 'dono' do imóvel e está usando outra(s) pessoa(s) como 'laranja(s)', trata-se de uma simulação. Nesse caso, e ao contrário do que acontece com a fraude contra credores, a transferência é nula (em vez de 'anulável'), ou seja, para a lei a transferência jamais existiu, e não há prazo para pedir a declaração de sua inexistência ('nulidade') à Justiça.

Já num segundo momento o entendimento exige apurada interpretação da jurisprudência, a saber:

SÚMULA 375 DO STJ: O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

Como visto, a jurisprudência do STJ considera que, ausente o registro de penhora ou arresto efetuado sobre o imóvel, não se pode supor que as partes contratantes agiram em consilium fraudis. Vejamos o seguinte julgado:

Tributário. Embargos de terceiro. Execução fiscal. Fraude à execução. Alienação posterior à citação do executado, mas anterior ao registro de penhora ou arresto.  Necessidade de comprovação do consilium fraudis.

1. A jurisprudência do STJ, interpretando o art. 185 do CTN, pacificou-se, por entendimento da Primeira Seção (EREsp n. 40.224-SP), no sentido de só ser possível presumir-se em fraude à execução a alienação de bem de devedor já citado em execução fiscal.

2. Ficou superado o entendimento de que a alienação ou oneração patrimonial do devedor da Fazenda Pública após a distribuição da execução fiscal era o bastante para caracterizar fraude, em presunção jure et de jure.

3. Afastada a presunção, cabe ao credor comprovar que houve conluio entre alienante e adquirente para fraudar a ação de cobrança.

4. No caso alienação de bens imóveis, na forma da legislação processual civil (art. 659, § 4º, do CPC, desde a redação da Lei n. 8.953/1994), apenas a inscrição de penhora ou arresto no competente cartório torna absoluta a assertiva de que a constrição é conhecida por terceiros e invalida a alegação de boa-fé do adquirente da propriedade.

5. Ausente o registro de penhora ou arresto efetuado sobre o imóvel, não se pode supor que as partes contratantes agiram em consilium fraudis. Para tanto, é necessária a demonstração, por parte do credor, de que o comprador tinha conhecimento da existência de execução fiscal contra o alienante ou agiu em conluio com o devedor-vendedor, sendo insuficiente o argumento de que a venda foi realizada após a citação do executado.

6. Assim, em relação ao terceiro, somente se presume fraudulenta a alienação de bem imóvel realizada posteriormente ao registro de penhora ou arresto.

7. Recurso especial improvido.

(REsp n. 811.898-CE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 5.10.2006, DJ 18.10.2006) .

 

A jurisprudência do STJ retrocitada leciona que, tendo sido realizada a venda antes de ser alterada a redação do art. 185 do Código Tributário Nacional pela Lei Complementar nº 118/2005 e não registrada a penhora do imóvel no competente registro, não há que se falar em fraude à execução.

Também vale considerar e recomendar a leitura do artigo 792, do Código de Processo Civil (CPC), combinado com os artigos 831, 837, 844, 845 e 846, também do CPC.   

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB-MG/Delegado de Prerrogativas da OAB-MG).  

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Comentários

  1. Eu procurei na internet e o melhor e mais bem explicado texto que achei foi esse do senhor dr. Wilson Campos adv, eu agradeço muito pela explicação que me tirou um peso das costas que eu não sabia nem se podia fazer ou não o que me pediam e agora eu sei dos riscos e do que pode e não pode ser feito, obrigado de coração doutor. Deus lhe pague. Abçaõ. do Jairo Castanha.

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