DIREITOS DO CÔNJUGE, COMPANHEIRO E HERDEIROS RELATIVOS À HERANÇA E AO INVENTÁRIO.

 

Este artigo pretende possibilitar uma pequena orientação às pessoas que possam ter dúvidas relativas aos direitos na hora do inventário ou até mesmo sobre a divisão da herança, chamada de ordem de vocação hereditária.

O ideal seria que os familiares antecipassem os cuidados e fizessem um planejamento sucessório. Mas falar de morte futura ou dos bens de pessoa ainda viva pode ser considerado como um comportamento desumano e ganancioso, razão pela qual normalmente esse planejamento ocorre por iniciativa de quem possui os bens e deseja destiná-los em vida, seja por meio de testamento ou outras formas jurídicas, tais como doação, usufruto, criação de empresa, dentre outros.

Em sendo assim, inexistindo planejamento sucessório, quando da ocorrência de morte são recorrentes os questionamentos acerca de quem seria meeiro ou herdeiro, e quais os respectivos direitos e como se dá a partilha de bens.

Daí que o presente artigo tem por escopo tentar responder algumas perguntas ou questionamentos, notadamente evitando termos muito técnicos, de difícil compreensão, a fim de que os interessados no tema se sintam esclarecidos.

Efeitos do Casamento ou da União Estável.

Não há como falar em herança sem adentrar os efeitos permitidos pelo regime de bens do casamento ou as união estável, pois o cônjuge ou companheiro também pode ser considerado herdeiro, além de ter direito a meação (divisão) dos bens antes do inventário ou da partilha.

Vale observar, como conceito, que a meação é o instituto jurídico do Direito de Família que regulamenta a parte dos bens que cada um possui durante o casamento ou união estável, segundo as regras do regime de bens escolhido.

Essas regras serão utilizadas para a partilha dos bens do casal em caso de término da sociedade conjugal ou da união estável. E como o falecimento é causa que põe fim ao vínculo marital ou à convivência e é consequência necessária do processo de inventário, quando for o caso, deve-se fazer primeiro a meação para somente então tratar da questão sucessória.

Importante notar que, a meação realizada em caso de falecimento, não se trata de um ganho para o cônjuge ou para o companheiro, como às vezes se escuta nas audiências de processo de inventário, mas trata-se tão somente da partilha e individualização dos bens que já eram do cônjuge ou companheiro por força do vínculo conjugal ou da união estável e que serão formalizados no inventário.

Portanto, esta primeira parte do artigo destina-se a esclarecer qual seria a parcela dos bens destinados ao cônjuge ou companheiro, caso o falecido estivesse casado ou em união estável.

Regime de Bens.

Resumidamente, existem 3 (três) regimes de bens principais e de uso mais comum no Brasil, aplicáveis tanto para o casamento quanto para a união estável, quais sejam: o regime da comunhão universal de bens; o regime da comunhão parcial de bens; e o regime da separação total de bens.

Pelo regime de bens da comunhão universal, como o próprio nome já diz, todos os bens do falecido (anteriores ou posteriores ao casamento ou união estável) são comuns ao cônjuge ou companheiro, ou seja, metade dos bens deixados pelo falecido pertence à sua esposa ou companheira e vice-versa - é o que se chama de meação.

Em outras palavras, o cônjuge ou companheiro, quando da realização da partilha, receberá metade de todo o patrimônio que era de titularidade do falecido, a título de meação, independentemente de os bens terem sido adquiridos na constância do casamento ou da união estável ou serem anteriores à constituição da sociedade conjugal ou da convivência.

Frise-se que não integram a dita meação, os bens que foram recebidos pelo falecido com a cláusula de incomunicabilidade, ou seja, bens recebidos a título de herança ou doação, mas que expressamente se determinou, no ato da transferência, que esse bem seria limitado à pessoa do falecido.

Como medida de equilíbrio e particularidade do regime da comunhão universal, entendendo que o cônjuge ou companheiro faz jus à meação de todo o patrimônio do falecido, o legislador achou por bem retirá-lo da qualidade de herdeiro, ao concorrer com descendentes do falecido (filhos, netos, bisnetos). Ou seja, após a divisão de metade do patrimônio, a metade remanescente é destinada aos herdeiros, conforme será explicado mais adiante.

Já no regime da comunhão parcial de bens, em princípio, todo o patrimônio adquirido na constância da união estável ou do casamento deve ser destinado à meação, afastando, dessa divisão, os bens que cada um possuía antes da união ou àqueles recebidos por doação ou sucessão (os chamados bens particulares).

O grande diferencial deste regime com a comunhão universal é que existe uma data de corte que determina os bens que serão comuns ao casal, qual seja, a data do casamento ou do início da união estável, de modo que a partir desta data todos os bens adquiridos pelo casal ou por apenas um deles deverá ser objeto de meação.

Esse detalhe é importante, pois após o início da união estável ou do casamento, todo o bem adquirido, seja em nome de apenas um dos cônjuges/companheiros ou em nome de ambos, será objeto tão somente de meação. Já os bens que cada um possuía antes do casamento ou da união estável, os ditos particulares, serão, aí sim, objeto de sucessão pelo cônjuge/companheiro, em concorrência com os demais herdeiros.

A legislação traz algumas exceções para essa meação, como os bens de uso pessoal e instrumentos de profissão, mas esses detalhes ficam para um artigo futuro.

Excetuam-se desta meação, também, aqueles bens que, mesmo adquiridos durante a união, ocorreram mediante sub-rogação, ou seja, mediante a substituição de um bem adquirido antes do início da união por outro durante a união, conforme exemplo prático abaixo:

        - Uma mulher tinha uma casa e após o casamento esta mulher vendeu esta casa para adquirir, em seu lugar, um apartamento. Se a integralidade deste apartamento foi adquirida com recursos da venda da casa, teremos uma sub-rogação, ou seja, a substituição de um bem anterior ao casamento por outro bem que, embora adquirido na constância da união, ocorreu mediante recursos que não são partilháveis, de modo que este novo bem não fará parte da meação por se tratar de bem particular.

Existe um grande problema prático neste regime de bens no que diz respeito à união estável, pois além deste regime ser híbrido, com a meação dos bens após uma data pré-estabelecida, este é o regime padrão estabelecido pelo Código Civil e, portanto, de maior utilização.

A união estável nada mais é do que uma circunstância de fato que ganhou relevo jurídico. A fim de regulamentar inúmeras situações casuísticas dessa natureza, foi conferido à união estável, status legal similar ao do casamento.

Assim, caso a união estável não seja formalizada, pois se configura mediante a união pública e duradoura de duas pessoas com o intuito de constituir família, referida união será regida pela comunhão parcial de bens a partir da data de seu início.

Porém, a maior dificuldade que se revela no campo prático é fazer a prova da data de seu início, sendo este fato de primordial importância, pois o marco temporal é o que vai determinar quais os bens sujeitos à meação e quais serão submetidos ao processo de sucessão, via herança.

Ainda sobre este regime, realizada a meação dos bens adquiridos na constância da união estável ou do casamento, o cônjuge ou companheiro será herdeiro do falecido quanto aos bens particulares.

A lógica é simples: os bens adquiridos durante a união são partilhados via meação e os bens que não sofreram partilha por serem particulares, o cônjuge ou companheiro recebe uma parte ideal em concorrência com os demais herdeiros.

Por fim, sobre o regime da separação total de bens, como o nome também indica, não há comunhão de bens, ou seja, os bens adquiridos por um dos cônjuges ou companheiros continuam sendo de titularidade exclusiva deste e não há que se falar em meação de bens.

Nesta modalidade, eventuais compras de bens pelo casal serão regidas pelo sistema de condomínio, qual seja, cada qual tendo a sua quota-parte ou percentual individualizado no bem, podendo comprá-los e vendê-los livremente.

Para facilitar a percepção, neste regime os bens adquiridos possuem o mesmo regramento à aquisição de um bem com um amigo, ou seja, os bens não se comunicam, sendo individualizados em seus respectivos percentuais, que serão regidos pelas regras do Direito Civil.

Cumpre evidenciar, por outro lado, que os cônjuges ou companheiros, embora não tenham direito a meação são considerados herdeiros para todos os fins, razão pela qual concorrem com os demais herdeiros no recebimento dos bens deixados pelo falecido.

        - Exemplo: uma mulher casada sob o regime da separação de bens faleceu; o marido não possui direito a meação, mas irá receber uma parcela desse bem a título de herança junto com os demais herdeiros.

Dessa forma, sempre que existir uma união estável ou um casamento, no momento da realização do inventário o cônjuge ou companheiro, independentemente do regime de bens, sempre receberá uma parcela dos bens, seja por meação, seja a título de herança ou ambos.

Ordem de Sucessão – Herança.

Pois bem, realizada a meação dos bens, quando o caso, inicia-se a fase de sucessão, ou seja, a transferência e partilha dos bens aos herdeiros.

Pontue-se que este artigo ater-se-á tão somente aos herdeiros necessários e colaterais, aos quais o próprio legislador determinou proteção especial.

De acordo com o artigo 1.829 do Código Civil e seus incisos, a herança obedece a uma ordem sucessiva, onde os primeiros a receber serão os descendentes (filhos), em concorrência com o cônjuge ou companheiro sobrevivente, desde que este já não tenha recebido esses bens a título de meação, motivo pelo qual o regime de bens influencia diretamente na herança a ser recebida, conforme situação hipotética abaixo:

        - Situação 1: um pai faleceu, deixando esposa e dois filhos. Tinha uma casa antes do casamento e dois apartamentos foram adquiridos durante o casamento (mesma regra para união estável).

        Na Comunhão Total de Bens, a esposa fica com 50% dos três imóveis a título de meação e os dois filhos ficam com os outros 50%, sendo 25% do patrimônio remanescente para cada um.

        Na Comunhão Parcial de Bens, a esposa fica com 50% dos dois apartamentos a título de meação, já que adquiridos na constância da união, enquanto os filhos recebem os outros 50%, cabendo 25% para cada um. Sobre a casa, por ser antes da união, portanto um bem particular, a esposa concorre com os filhos como herdeira na sucessão e cada um receberá 33,33% do imóvel.

        Na Separação Total de Bens, à esposa não é conferido o direito de meação, mas tão somente o direito de herdar, sendo certo que receberá, então, o montante de 33,33% de todos os bens, em concorrência com os seus filhos.

Observa-se que, visando proteger o cônjuge ou companheiro, a lei ainda determina que se o casal tiver mais de 3 (três) filhos comuns, o cônjuge ou companheiro não receberá menos de 1/4 ou 25% dos bens herdados.

Reitere-se que, tal regramento só se aplica no caso de os filhos serem comuns, ou seja, havendo filhos unilaterais do falecido (filhos havidos com outra pessoa), afasta-se a regra acima, de modo que o cônjuge acaba concorrendo igualmente com todos os demais descendentes.

Lembre-se, ainda, que por força de regramento constitucional, os filhos biológicos ou adotados, comuns ou unilaterais, possuem os mesmos direitos, de modo a não e

Caso não existam descendentes, o Código Civil prevê que a herança deve ser transferida ao cônjuge, em concorrência com os ascendentes, mas agora sem qualquer distinção sobre o regime de bens, ou seja, realizada a meação, o remanescente dos bens é dividido entre o cônjuge ou companheiro e pais, avós ou bisavós do falecido, conforme e

        - Situação 2: um homem faleceu, deixando esposa. O casal não tinha filhos, mas o falecido ainda tinha uma mãe viva. Com relação aos bens, tinha uma casa antes do casamento e dois apartamentos foram adquiridos durante o casamento (mesma regra para união estável).

                Na Comunhão Total de Bens, a esposa fica com 50% dos três imóveis a título de meação e recebe mais 25% dos três imóveis a título de herança. A mãe recebe o remanescente, que corresponde a 25%. Em outras palavras, realizada a meação, o saldo dos bens do falecido é dividido em 50% para cada uma.

                Na Comunhão Parcial de Bens, a esposa fica com 50% dos dois apartamentos a título de meação. O saldo dos bens é dividido entre esposa e mãe com 50% para cada uma. Neste caso, a esposa recebe mais 25% desses dois apartamentos a título de herança, assim como na situação acima, mas recebe 50% da casa. A mãe, por outro lado, receberá 25% dos apartamentos (adquiridos na constância da união) e 50% da casa (bem particular).

                Na Separação Total de Bens, a esposa não recebe meação, mas recebe 50% de todos os bens juntamente com a mãe do falecido, a título de herança.

Como visto, o percentual da esposa se manteve em 50% (dos bens herdados), pois se considerou que apenas um ascendente estaria vivo, mas se ambos os pais do falecido fossem vivos, a esposa (ou companheira) receberia 1/3 da herança enquanto os ascendentes receberiam 1/3 cada um.

Se o falecido não deixou descendentes e não havia ascendentes vivos (incluindo netos, bisnetos, avós, bisavós), toda a herança é destinada ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, independentemente do regime de bens.

Segundo já mencionado, todos esses herdeiros (descendentes, ascendentes e cônjuge) são classificados como herdeiros necessários, ou seja, o legislador determinou que a herança, necessariamente, seguindo a ordem de sucessão acima estabelecida, deve ser direcionada a esses herdeiros.

A legislação ainda estabeleceu um limite à disposição patrimonial a ser observado pelo próprio titular destes bens, o que se denominou de legítima. Assim, mesmo em vida, a legislação não permite que se possa doar ou dispor de mais de 50% (cinquenta por cento) da integralidade do patrimônio, caso existam herdeiros necessários, ainda que por testamento.

Essa regra, também denominada de princípio de reserva, visa garantir a distribuição compulsória dos bens na comunidade familiar como forma de concretizar o princípio da dignidade da pessoa humana e a solidariedade familiar.

Por essa razão, a legislação prevê uma série de institutos e controles que permitem a salvaguarda desta expectativa de direito por parte dos herdeiros, atribuindo penalidades, prazos de nulidade e anulação, regra de colação dos bens, como forma de assegurar que a legítima seja preservada.

Dessa forma, o titular do patrimônio poderá doar a terceiros, ou mesmo para um de seus herdeiros, ainda que necessário, a monta de até 50% (cinquenta por cento) de todos os seus bens, denominada de parte disponível, sendo certo que o remanescente deve ser salvaguardado em benefício dos herdeiros necessários, a título de legítima.

Todavia, caso o falecido não possua cônjuge ou companheiro, não tenha deixado filhos e não possua ascendentes vivos, seus bens serão herdados por seus irmãos (herdeiros colaterais) e na ausência destes, a herança será direcionada aos demais parentes de até quarto grau, sendo que os parentes mais próximos excluem os mais distantes. Ou seja, na falta de irmãos, herdarão os filhos destes (sobrinhos) e, na falta de sobrinhos, os tios; na falta dos tios, os primos; exaurindo-se, aí, os graus sucessíveis.

De sorte que, sem esgotar o tema, que é complexo e farto, resta observar que existem diversas regras e detalhes que devem ser analisados para a regular partilha dos bens. Portanto, a sugestão é no sentido de que os interessados contratem um advogado de sua confiança, que dará os devidos esclarecimentos aos familiares, dentro do esboço do caso concreto.  

Ademais, vale notar que, pelo princípio da saisine, a transferência dos bens ocorre desde a data do falecimento, ainda que o inventário ocorra em momento posterior, o que traz reflexos diretos no custeio e administração destes bens.

Além da complexidade natural acerca da divisão dos bens, conforme acima mencionado, existem também diversas outras questões que devem ser observadas, tais como o pagamento do imposto estadual causa mortis (ITCMD), despesas e emolumentos de Cartórios, taxas e custas processuais, e honorários do advogado.

Bom lembrar que, em muitos casos, os herdeiros não possuem recursos para custear as despesas de transferência desses bens, sendo necessário que o inventariante (administrador dos bens do falecido – espólio) promova a venda de um ou mais bens para efetuar o pagamento das despesas, assim como eventual pagamento de dívidas que porventura o falecido tenha deixado.

Encerrando, cabe informar que os argumentos e fundamentos retrocitados limitam-se a tratar dos direitos do cônjuge, do companheiro e dos herdeiros, especialmente os relativos aos percentuais da herança e do inventário. E por se tratar de tema bastante profuso, as demais questões serão avaliadas em posts futuros.

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Excelente explicação. Aprendi muito hoje com seu artigo dr Wilson Campos. Muito bom mesmo mestre.
    Posso compartilhar nos meus grupos?
    Posso usar como fonte em trabalho da Facul?
    Agradeço. Vicente O.

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  2. Essa união estável precisa ser bem anotada na data do início pra não esquecer, e depois a gente informar pro advogado. É isso doutor? Guardar as datas é importante certo?? Gratidão Dr Wilson Campos. At: Sibele Castanheiro M Souza

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  3. Cristina F. A. Danuzio13 de junho de 2022 às 20:55

    O texto é super importante e saber tudo isso é necessário. Quando um companheiro morre as cousas complicam e as brigas por coisas começa e o dinheiro conta mais que o amor da família. O direito precisa ser claro e fazer justiça aos que tem direito. O artigo do Adv dr Wilson Campos é muito útil. Parabéns m. Cristina F.

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