BARROSO DECIDE SOBRE REINTEGRAÇÃO DE POSSE.

 

Um tema por demais delicado e complexo, que deveria merecer total atenção do Congresso, inexplicavelmente fica nas mãos do Judiciário sem que o legislador se manifeste pelo sim ou pelo não. No caso concreto, a omissão do Legislativo é um desserviço à República e a ingerência do Judiciário pode ser entendida como usurpação de competência e uma afronta à Constituição.

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou na segunda-feira (31/10) que os tribunais que tratam de casos de reintegração de posse instalem comissões para mediar eventuais despejos antes de qualquer decisão judicial. Conforme o ministro, a medida de transição visa a reduzir os impactos habitacionais e humanitários em casos de desocupação coletiva.

Para que o caríssimo leitor entenda melhor a situação, cumpre esclarecer que a decisão de Barroso se dá em razão do quarto pedido de medida cautelar incidental formulado pelo autor da ação, o Partido Socialismo e Liberdade – PSOL em conjunto com o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto MTST, o Partido dos Trabalhadores – PT, a Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP, o Centro Popular de Direitos Humanos, o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Luiza Mahim – NAJUP/FND/UFRJ, o Centro de Direitos Econômicos e Sociais – CDES, o Conselho Estadual dos Direitos Humanos da Paraíba (CEDH/PB), a Terra de Direito, o Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, o Transforma Ministério Público, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia e a Associação das Advogadas e Advogados Públicos para a Democracia. Os requerentes postulam a extensão do prazo da medida cautelar anteriormente deferida. Argumentam serem necessárias medidas urgentes para evitar a violação a preceitos fundamentais.  

Os autores da ação formulam uma série enorme de pedidos e requerimentos, e dentre todos eles constam:

1. A manutenção das decisões de suspensão de ocupações e despejos proferidas em face da decisão na ADPF 828, até que sejam efetivamente estabelecidas as condições prévias estipuladas na Resolução n.º 10/2018, do Conselho Nacional de Direitos Humanos;

2. Sejam estabelecidas medidas permanentes a serem observadas nos conflitos possessórios, conforme detalhadamente exposto no item H:

        2.1. A criação e/ou consolidação de estruturas específicas internas ao Judiciário para realizar as audiências de conflitos possessórios coletivos, garantida a presença permanente de órgãos públicos municipais, estaduais e federais de habitação, regularização fundiária, assistência social, saúde e de proteção de direitos de vulneráveis (ex.: conselho tutelar), além da Defensoria Pública e do Ministério Público, com a fixação de prazo para criação/consolidação de tais estruturas no âmbito da Justiça Estadual, Federal e do Trabalho;

        2.2. A fixação de normativos permanentes e a designação de membros do Poder Judiciário para atuação exclusiva e dedicados, de modo a assegurar a institucionalidade e a obrigatoriedade das arenas de mediação em conflitos fundiários coletivos;

        2.3. A formação de juízes e juízas para mediação de conflitos coletivos fundiários e possessórios e disponibilização de um núcleo de apoio técnico multidisciplinar para fornecer informações urbanísticas e registrais sobre a propriedade em disputa, a situação econômico-social dos ocupantes;

        2.4. A designação em audiências de mediação em casos de posse nova e velha;

        2.5. Fixação de regra que obrigue a realização de audiência prévia de mediação e conciliação nas questões fundiárias coletivas, as quais são realizadas após a visita e relatório realizados pela Comissão;

        2.6. Que na efetiva realização de audiência de mediação entre as partes e de inspeção judicial na área, ambas tenha[m] a garantia de participação obrigatória de instituições como a Defensoria Pública e o Ministério Público e convite a movimentos e entidades coletivas representativas (art. 2º, § 4º, da Lei nº 14.216/2021);

        2.7. A obrigatoriedade de realização de inspeção judicial na área do conflito (a exemplo do previsto no art. 2º, § 4º, da Lei nº 14.216/2021);

        2.8. A demonstração da função social da propriedade e da posse, da legitimidade do título e da ausência dos requisitos contidos no art. 1.228, §4º, do Código Civil, e art. 499, do Código de Processo Civil, com apreciação judicial expressa e fundamentada (em obediência aos art. 182, 184 e 186 da CF/88);

        2.9. Que toda e qualquer das ordens de remoções/despejos/reintegrações seja expedida precedida da manifestação dos órgãos de saúde e assistência social sobre os dados da localidade, e, em qualquer tempo, dos responsáveis por políticas judicial expressa e fundamentada;

        2.10. A elaboração, nos casos em que as remoções forem inevitáveis, de um plano prévio de remoção e reassentamento dos atingidos, a ser discutido nas comissões/grupos de conciliação e mediação especializados em conflitos fundiários, no âmbito do Poder Judiciário, com a presença, contribuição e atuação de todos os órgãos que compõem essas comissões;

        2.11. Que os locais para o reassentamento dos atingidos pelas remoções estejam previamente preparados para receber a todos, bem como sejam capazes de garantir o direito à moradia adequada dos que para ali serão levados, tudo isso  nos termos da Resolução 10/2018 do CNDH, bem como da legislação internacional em vigor;

        2.12. Nos despejos inevitáveis advenham as decisões com modulação dos efeitos, levando-se em conta, impreterivelmente, parâmetros sociais e econômicos da medida e levando-se em conta a ancianidade da posse, o grau de vulnerabilidade e o impacto social da medida (número de famílias desalojadas), além das condições oferecidas para o Poder Público para absorver a demanda por moradia, saúde e integridade das pessoas e para promover reassentamentos.

        2.13. Seja determinado que o poder público, em todas as suas esferas, deixe de promover remoções administrativas sumárias não fundadas em ordens judiciais prévias e específicas.

3. Seja reiterada a determinação da estrita observância ao artigo 565 do CPC, impondo-se o dever de realização de audiência de mediação com a indispensável intimação do Ministério Público e Defensoria Pública;

4. Que sejam observados os ditames do art. 1.228, § 4º, do Código Civil, nas ocupações coletivas com prazo superior a cinco anos.

COMO VISTO, estes são apenas alguns dos pedidos e requerimentos dos autores, dentre muitos, que poderão ser encontrados na íntegra da decisão do ministro Barroso, bastando para isso acessar o site do STF.

A pergunta que não quer calar: qual a finalidade do Poder Legislativo, se o Judiciário decide no seu lugar?

A população brasileira está pagando salários e vários luxos para deputados federais e senadores ficarem inativos, omissos e silentes diante das decisões que chegam do STF, quando eles, legisladores, deveriam se manifestar com percuciência sobre assuntos dessa natureza. Com isso, o Congresso passa recibo de omissão, negligência e incompetência.

Muito bem, diante dessa lamentável posição do Congresso, sigamos com a decisão de Barroso, que conclui seu despacho da seguinte forma:

CONCLUSÃO

Ante o exposto, defiro parcialmente o pedido de medida cautelar incidental para determinar a adoção de um regime de transição para a retomada da execução de decisões suspensas na presente ação, nos seguintes termos:

        (a) Determino que os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais instalem, imediatamente, comissões de conflitos fundiários que possam servir de apoio operacional aos juízes e, principalmente nesse primeiro momento, elaborar a estratégia de retomada da execução de decisões suspensas pela presente ação, de maneira gradual e escalonada;

        (b) Determino a realização de inspeções judiciais e de audiências de mediação pelas comissões de conflitos fundiários, como etapa prévia e necessária às ordens de desocupação coletiva, inclusive em relação àquelas cujos mandados já tenham sido expedidos. As audiências devem contar com a participação do Ministério Público e da Defensoria Pública nos locais em que esta estiver estruturada, bem como, quando for o caso, dos órgãos responsáveis pela política agrária e urbana da União, Estados, Distrito Federal e Municípios onde se situe a área do litígio, nos termos do art. 565 do Código de Processo Civil e do art. 2º, § 4º, da Lei nº 14.216/2021;

        (c) Determino que as medidas administrativas que possam resultar em remoções coletivas de pessoas vulneráveis (i) sejam realizadas mediante a ciência prévia e oitiva dos representantes das comunidades afetadas; (ii) sejam antecedidas de prazo mínimo razoável para a desocupação pela população envolvida; (iii) garantam o encaminhamento das pessoas em situação de vulnerabilidade social para abrigos públicos (ou local com condições dignas) ou adotem outra medida eficaz para resguardar o direito à moradia, vedando-se, em qualquer caso, a separação de membros de uma mesma família.

Autorizo, por fim, a imediata retomada do regime legal para desocupação de imóvel urbano em ações de despejo (Lei nº 8.245/1991, art. 59, § 1º, I, II, V, VII, VIII e IX).

Determino a intimação da União, do Distrito Federal e dos Estados da Federação, assim como da Presidência dos Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Federais, para ciência e imediato cumprimento da decisão. Intimem-se também o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional de Direitos Humanos, para ciência.

Solicite-se à Presidência a convocação de sessão extraordinária do Plenário Virtual para referendo da presente decisão.

Publique-se. Intimem-se pelo meio mais expedito à disposição do Tribunal. Brasília, 31 de outubro de 2022. Ministro Luís Roberto Barroso - Relator.

VALE NOTAR que a decisão foi tomada no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 828, na qual o ministro suspendeu, inicialmente por seis meses em junho de 2021, ordens de remoção e despejos de áreas coletivas habitadas antes da pandemia. Ele considerou que despejos em meio à crise da Covid-19 poderiam prejudicar famílias vulneráveis. No fim de 2021, o ministro prorrogou a proibição de despejos até 31 de março de 2022. Depois, em uma terceira decisão, deu prazo até 31 de junho e, por fim, estendeu a proibição até 31 de outubro de 2022.

Ao analisar um novo pedido de prorrogação feito por partidos políticos e movimentos sociais, o ministro decidiu atender em parte os pedidos e os requerimentos dos autores. Todavia, o ministro deveria enxergar a realidade atual de que a pandemia acabou e o regime de transição alegado não se justifica mais.  

Barroso não prorrogou novamente a proibição de despejos, mas determinou um regime de transição a ser adotado após quase um ano e meio de proibição das desocupações. Tudo conforme acima exposto e mais pelo que pode ser compreendido na decisão da ADPF 828. Porém, como argumentei anteriormente, esse regime de transição não é mais justificável, em razão do fim da pandemia e das condições especiais de antes. Ora, cumpra-se agora a legislação em vigor, sem ativismos e sem preciosismos.    

Barroso afirmou: “Ainda que no cenário atual a manutenção integral da medida cautelar não se justifique, volto a registrar que a retomada das reintegrações de posse deve se dar de forma responsável, cautelosa e com respeito aos direitos fundamentais em jogo. Por isso, em atenção a todos os interesses em disputa, é preciso estabelecer um regime de transição para a progressiva retomada das reintegrações de posse”.

O ministro lembrou que fez um apelo ao legislador para medidas que minimizassem impactos habitacionais e humanitários das desocupações, mas que o projeto de lei proposto não teve andamento na Câmara dos Deputados.

“Ante o quadro, cabe ao Supremo Tribunal Federal, à luz da Constituição, fixar diretrizes para o Poder Público e os demais órgãos do Poder Judiciário com relação à retomada das medidas administrativas e judiciais que se encontram suspensas com fundamento na presente ação. A execução simultânea de milhares de ordens de desocupação, que envolvem milhares de famílias vulneráveis, geraria o risco de convulsão social”, argumentou o ministro.

A decisão monocrática de Barroso será levada a referendo no Plenário Virtual do STF. Mas com certeza será aprovada e o voto do relator será acompanhado pelos demais ministros. O corporativismo da turma mais antiga é forte. 

Em suma, Barroso decide e alfineta a Câmara dos Deputados por ter “engavetado” o projeto de lei que trata da questão.

Daí que, ao meu sentir:

           I) O regime de transição alegado não se justifica mais, porquanto a pandemia acabou e a normalidade voltou à vida das pessoas;

        II) O Congresso não pode ceder espaço e precisa atuar no cumprimento das suas funções, pois, caso contrário, o STF usurpa essa competência e decide ao seu alvedrio.

        III) Nesse sentido, entendo que os Três Poderes devem ser autônomos, mas harmônicos, agindo sempre com razoabilidade e proporcionalidade, dentro das quatro linhas, e respeitando e obedecendo os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (art. 37 da CF), em prol dos interesses macros do povo e da nação.

PORTANTO, diante de tema tão melindroso para a sociedade brasileira, a minha recomendação é no sentido de que todo o cuidado e acatamento às leis vigentes são necessários na tratativa de desocupações e reintegração de posse.

Fonte: ADPF 828 (Quarta Tutela Provisória Incidental na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 828 Distrito Federal). 

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021). 

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Comentários

  1. O artigo esclareceu tudo de forma fácil de entender - não justifica essa decisão do Barroso se a pandemia acabou e essas emergências não existem mais. Só podia ser o PSOL esse partidinho medonho e nojento para propor ação e mais ação pro STF julgar. O caso é de competência do Poder Legislativo e cabe a esse poder legislar e não ao ministro do STF se meter a legislador. Parabéns Dr. Wilson Campos pela exatidão do seu artigo e pelo entendimento justo e legal nos rigores da lei. Esse ministro precisa aprender a ser justo e dentro da lei como o senhor Dr. Wilson. Ensina pra ele. Att: Caroline S.F. Damasceno.

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  2. Maquiavel deve estar decepcionado porque os 3 poderes aqui no Brasil não funcionam de jeito nenhum e é um querendo derrubar o outro e o Judiciário tem feito poucas e boas e sempre metendo os pés pelas mãos. Essa matéria de desocupações e reintegração de posse é coisa para o Legislativo mudar, atualizar e depois o presidente da República sancionar. Não tem nada de STF se meter no meio. Chega de STF meter o bedéu em tudo. Chega!!!!! Meu caro dr. Wilson Campos adv, meus cumprimentos pelo artigo e pelo enfoque dado de muita qualidade e equilíbrio como sempre. Abr. -Gregório Lamego.

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  3. Decisão absurda essa do Barroso. Cadê o Legislativo que não legisla? Viajando? De férias, eternas? Dormindo? Se omitindo como sempre? Vergonha nacional tudo isso. Virou tudo uma casa de mãe Joana. Abraços dr. Wilson Campos e excelente artigo. At: Fausto Sampaio.

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  4. É assim que começa a provocação de uma guerra civil interna, porque a pessoa que tem uma propriedade, que custou o suor do seu trabalho, não vai dar ou entregar para invasores. Não mesmo e isso vai ser mais gasolina na fogueira que já está ardendo. Alguém tem de cortar as asinhas desse pessoal do STF. E já passou da hora. Se a revolução social vier pode debitar a essa gente. Dr. Wilson Campos o seu artigo diz o sentimento do povo de que os deputados e senadores estão só na sombra e não fazem nada. E nós vamos pagar essa conta até quando? Mais 4 anos de comunismo,petismo e lulismo? Acho que não vai dar não. Abrs doutor. Kelson Silva G.

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  5. Dr. Campos, como sempre, excelente texto.
    Os ministros do stf, têm legislado, regulamentado leis, considerando inconstitucionais as leis aprovadas pelo congresso nacional.
    Eu nem considero estes comportamentos como abuso de poder, desvio de conduta, ação lesa pátria. Eu entendo que são todos, para os objetivos que eles têm, como ações criminosas.
    A passividade do congresso, Câmara e Senado, a falta da provocação do poder executivo, ao judiciário e ao congresso, de forma mais firme e efetiva, coloca o povo brasileiro órfãos, isto é, não tem onde recorrer.
    Será que teremos que formar milícias para proteger o nosso patrimônio e nossa família?

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