AÇÃO JUDICIAL PARA FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PELO SUS.

 

Preliminarmente, antes de adentrar o assunto do tema do artigo, permita o leitor que eu cite alguns fatos “bilionários”, que servirão de comparação ao debate do caso concreto.  

Vejamos:

O Estado gasta bilhões com Fundo Eleitoral e Fundo Partidário, que servem para eleger políticos, que também serão remunerados por suas atividades parlamentares. Mas vamos esclarecer melhor isso. É importante não confundir os dois tipos de “fundos”. O Fundo Eleitoral é voltado exclusivamente para o financiamento de campanhas eleitorais e é distribuído somente no ano da eleição. Já o Fundo Partidário é destinado à manutenção dos partidos políticos e é distribuído mensalmente para custear despesas cotidianas das legendas, como contas de luz, água, aluguel, passagens aéreas e salários de funcionários.

Acontece que não se trata de valores pequenos ou médios. Trata-se de valores imensos. Para as eleições municipais de 2024, por exemplo, o Fundo eleitoral (fundão) será de R$4,9 bilhões, ou seja, 145% maior que em 2020. Já o Fundo Partidário vai abocanhar R$1,2 bilhão em 2024. Total: R$6,1 bilhões. O valor bilionário dos dois fundos deste ano foi sancionado por Lula, dentro da LDO de 2024.

Entenderam? Muito bem, vamos ao assunto principal, que é o relativo ao título do artigo. Depois cada um faz a comparação que achar melhor.

Em várias ocasiões, os brasileiros se deparam com a falta de dinheiro para comprar um medicamento, que ora não é facilmente encontrado e ora custa muito caro. Pergunta-se: o Estado, que doa bilhões para o “fundão”, não pode fornecer o medicamento para salvar a vida do cidadão e da cidadã, que estão doentes e com suas vidas em risco, sem a necessidade de ação judicial?

É sabido que certas condições de saúde podem exigir que o tratamento do paciente seja feito com o uso de medicamentos específicos – muitas vezes recém introduzidos no mercado brasileiro ou disponíveis somente por meio de importação sob demanda – que, por suas particularidades, contam com um expressivo valor para sua aquisição.

Muito bem, essa parte é perfeitamente compreensível, bem como o fato de que esses medicamentos de alto custo, apesar de serem essenciais para o correto tratamento de saúde do paciente, podem não estar disponíveis para acesso gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e nem serem fornecidos por planos de saúde, inviabilizando seu acesso para aqueles que não tenham condições de arcar com os expressivos gastos para sua aquisição.

Mas aí vem a grande questão de se obrigar o paciente a buscar o Poder Judiciário para conseguir o medicamento que poderá salvar sua vida. E todos sabemos que o Judiciário não é célere, e quase sempre demora na resposta ao jurisdicionado. Essa é uma verdade inquestionável. Porém, ainda assim, é viável o ajuizamento de ação judicial para o fornecimento de medicamentos específicos pelo Estado, por meio do SUS.

Vale notar que o principal fundamento utilizado nessas ações judiciais consiste no direito fundamental à saúde, que é expressamente reconhecido como um direito social no artigo 6º da Constituição da República e disciplinado no artigo 196, que assim dispõe:

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Vejamos, agora, como proceder na proposição da ação judicial:

1) Em razão da grande quantidade de demandas judiciais nesse sentido, e visando padronizar os critérios a serem adotados para a se determinar a obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu ser necessário comprovar os seguintes requisitos:

  • Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
  • Incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
  • Existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

Apesar do pedido de fornecimento de medicamento seguir sujeito à análise própria de cada Juízo, a fixação desses requisitos traz uma clareza do que deve ser observado para que seja determinado ao Estado tal concessão. Os requisitos serão detalhados nos itens seguintes.

2) Por força do primeiro requisito, o fornecimento pela via judicial de medicamento pela rede pública de saúde deve vir acompanhado de um laudo médico fundamentado e circunstanciado. Isso significa que um médico devidamente registrado em seu Conselho de classe, que tenha já realizado a análise do paciente, deve expressamente prescrever o medicamento solicitado e explicitar os motivos pelos quais o fármaco é essencial.

Para esse fim, o laudo médico deve conter algumas informações, tais como:

i) Descrição da moléstia que acomete o paciente, indicando o respectivo CID, a gravidade, os riscos e complicações, etc.

ii) Histórico de saúde e de tratamentos já realizados pelo paciente, demonstrando quais alternativas médicas já foram utilizadas e não surtiram o efeito necessário.

iii) Base de estudo utilizada para atestar a efetividade do medicamento prescrito, preferencialmente utilizando-se da Medicina Baseada em Evidências e de estudos clínicos.

De forma que o médico responsável deve atestar que o medicamento prescrito é imprescindível ou essencial para o correto tratamento do paciente, e que as opções de tratamento disponibilizadas pelo SUS são ineficazes como alternativa ao fármaco solicitado.

Cumpre observar que, mesmo se instruindo a petição inicial com o referido laudo médico, é uma prática comum a determinação de realização de perícia prévia, por médico judicialmente designado, a fim de confirmar as informações prestadas pelo médico particular.

Assim, o requerente, os requeridos e o Juízo podem indicar quesitos (perguntas) a serem respondidos na perícia, a fim de se atestar a imprescindibilidade do medicamento e a ineficácia das alternativas fornecidas pela rede pública.

Na prática, lamentavelmente, a realização da perícia pode demorar algumas semanas, mesmo que realizado o pedido de tutela de urgência para que seja determinado o fornecimento em sede de medida liminar.

3) Estando devidamente atendidos os requisitos anteriores, o paciente deve também comprovar que não possui condições financeiras de custear a aquisição do medicamento por conta própria, a fim de justificar um excepcional custeio pelo Estado, com o Orçamento público.

Em algumas situações, a desproporção entre a renda do paciente e o custo para aquisição do remédio é evidente, havendo casos em que o valor de mercado do fármaco ultrapassa a totalidade dos rendimentos mensais.

Já em outros casos, a incapacidade financeira de quem necessita do medicamento deve ser reconhecida pelo Poder Judiciário. Para isso, faz-se necessário um detalhamento dos gastos fixos e essenciais como despesas da casa, tratamentos e plano de saúde, aquisição de outros medicamentos, alimentação, entre outros gastos normais da pessoa, demonstrando com isso que a renda disponível do paciente não é suficiente para adquirir o medicamento pleiteado e ainda garantir sua subsistência.

Geralmente, entende-se que, se o custo anual para aquisição do medicamento é superior a 50% do rendimento anual do paciente, resta caracterizada a incapacidade financeira dele para arcar com tal aquisição. Contudo, deve ser realizada uma análise individual de cada caso, discriminando o valor do fármaco, o rendimento do paciente e seus gastos, para que seja submetido à análise do Juízo.

4) Por fim, exige-se que o medicamento solicitado tenha registro ativo na Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Trata-se de requisito objetivo, em que a mera demonstração do registro, por meio de portaria publicada no Diário Oficial da União ou do próprio site da ANVISA, é bastante para cumprir a exigência.

A consulta pelo registro do medicamento pode ser realizada no site https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/, sendo possível buscar seu registro por nome comercial, princípio ativo, classe terapêutica, CNPJ do detentor do registro, entre outras formas de busca.

Portanto, cumpridos os requisitos, alguns outros pontos devem ser observados para o ajuizamento de demanda judicial requerendo o fornecimento de medicamentos pelo SUS.

Cabe destacar que há responsabilidade solidária entre os entes da Federação para responderem na ação de fornecimento de medicamento. Ou seja, mesmo que o paciente tenha tido o requerimento de fornecimento do medicamento negado pela Secretaria de Saúde de seu estado, pode-se requerer judicialmente contra o estado e a União conjuntamente, cabendo ao Juízo determinar as responsabilidades de cada um.

Nesse sentido, eis o disposto no Tema 793 do STF: Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.

Enfim, considerando a urgência inerente ao adequado tratamento de saúde necessário, é possível que seja requerido o fornecimento do medicamento em sede de tutela de urgência, para que seja determinada de imediato a concessão pelo poder público, antes mesmo da sentença. E mesmo que a realização de perícia prévia possa alongar o tempo de análise de um pedido liminar, sua apreciação permite que o paciente tenha acesso ao medicamento com maior rapidez.

Encerrada a exposição quanto ao tema do título do artigo, voltemos agora à comparação mencionada nos primeiros parágrafos. Ou seja, para o Fundo eleitoral e para o Fundo Partidário tem dinheiro - R$6,1 bilhões no total. Mas para medicamentos que podem salvar vidas não existem recursos ou verbas ou dinheiro, e se o paciente quiser, tem de bater às portas do Poder Judiciário e aguardar por uma sentença judicial que lhe seja favorável. Isso, se não morrer antes.

Contudo, a recomendação é que se faça a proposição de ação judicial para fornecimento do medicamento, seja contra o Estado ou contra o SUS, não esquecendo que perfila a solidariedade passiva dos entes públicos (União, Estados e Municípios), nos termos dos dispositivos legais da Seção da Saúde, da Constituição da República (artigos 196 a 200).   

Wilson Campos (Advogado/Especialista com atuação nas áreas de Direito Tributário, Trabalhista, Cível e Ambiental/ Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG, de 2013 a 2021/Delegado de Prerrogativas da OAB/MG, de 2019 a 2021).

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Comentários

  1. Excelente artigo doutor Wilson Campos. Li o texto todo e aprendi muito e vai ajudar minha família nesse caso. Obrigada pela aula e pela ajuda. Valeu e vou compartilhar com outros o assunto super importante que ajudou muito minha família que enfrenta esse tipo de problema. Vamos correr atrás do laudo médico. Att: Neruza Fiordano.

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  2. Dr. Wilson eu posso usar seu texto como referência num trabalho da faculdade? Posso ligar pro senhor depois sobre esse tema? Obrigado. Parabéns pelo ótimo artigo. Pedro Lima.

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