DESARMONIA DOS PODERES - RETROCESSO INSTITUCIONAL PERIGOSO.
A
desarmonia hoje constatada entre os Poderes Legislativo e Judiciário causa consideráveis
prejuízos à sociedade, uma vez que a preocupação não deve ser com os interesses
privados, mas com a prestação de serviço público adequado, incluindo a
segurança, onde a máquina estatal mais precisa avançar. O Estado corre o sério
risco de estar caminhando, em tese, para a plural defesa de interesses
particulares, políticos e econômicos, em vez de cuidar dos interesses
públicos para os quais foi concebido.
A
teoria jurídica da separação de Poderes, que não é inovadora, consiste em
classificar os atos estatais segundo sua natureza, em três espécies: a) os atos
legislativos, que criam normas jurídicas ou expressam normas criadas pelos
órgãos estatais; b) os atos executivos, que aplicam as normas jurídicas, ou
seja, as leis; e c) os atos jurisdicionais ou judiciais, que resultam do
julgamento de litígios e crimes, também segundo o direito vigente.
A
desarmonia que possa esporadicamente surgir entre os poderes constituídos, como
divulgado recentemente, tem uma explicação. Hans Kelsen afirmava que existem
duas funções estatais: legislação e execução. E que são, na verdade, tipos
ideais, pois a maior parte dos atos estatais são simultaneamente atos de
legislação (criação) e de execução (aplicação).
Assim,
o Congresso, quando promulga um decreto legislativo, exerce sua função
legislativa (criadora), mas também exerce sua função executiva (aplicadora),
pois aplica a Constituição. O juiz, por sua vez, quando aplica uma lei ao caso
concreto que julga, também cria normas (legisla), pois dispõe de certa
discricionariedade.
Dessa
forma, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário têm suas funções
específicas e independentes, não carecendo em absoluto de ingerências pessoais
e de interesses que não sejam estritamente de relevância pública.
Portanto,
quando esses poderes ensaiam passos trôpegos, colocando em descompasso o ritmo
democrático, a sociedade contesta a finalidade de suas reais funções
institucionais, posto que a cadência e o equilíbrio devem partir dos poderes de
governo, e não das bases, que já cumprem seus deveres de estrita obediência
às leis.
Montesquieu,
na sua imensa compreensão da liberdade, tinha desconfiança no homem e a
certeza de que todo aquele que tivesse o poder o exerceria sem limites e
tenderia a abusar dele. Ou seja, Montesquieu asseverava que a fonte da opressão
e do ataque à liberdade individual é o poder estatal. E assegurava, ainda, que o
poder inevitavelmente abusará da liberdade, isto é, o poder naturalmente
corrompe e o governante, tendo meios e necessidade, agirá sem considerar as
liberdades dos súditos.
O
enfraquecimento do Poder Judiciário, tentado por alguns, não interessa ao povo e
não pode de forma alguma remeter à impunidade e negação da justiça. A tentativa
de submeter os efeitos de decisões do Poder Judiciário a um juízo do Poder
Legislativo, de natureza eminentemente política, representa, no mínimo, um
retrocesso institucional perigoso, o que não convém ao país.
Wilson
Campos
(Advogado /Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG).
(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de domingo, 23/02/2014, pág. 17).
(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de domingo, 23/02/2014, pág. 17).
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