O VIADUTO, A ARROGÂNCIA E O DESCASO PÚBLICO.



O trágico desabamento do viaduto na Avenida Pedro I revela quão sintomáticos são o descaso e a arrogância da administração pública. A execução de obras a toque de caixa vem se tornando uma prática perigosa e criminosa, que, de forma impune, vem grassando por todos os cantos da cidade. Os interesses públicos, sociais e metaindividuais vêm sendo misturados erradamente na mesma porção dos interesses políticos e particulares.

Os erros de cálculo, de projeto, de engenharia ou de construção não eximem o contratante, a administração pública municipal, de sua parcela de culpa, com ou sem dolo. A fiscalização da obra é uma tarefa do poder público, a quem não cabe delegar inteiramente responsabilidades dessa natureza. Ao governo municipal e aos órgãos responsáveis pela execução de obras competem o planejamento, a fiscalização e o acompanhamento, diretamente ou por adjudicação dos outros níveis de governo, por administração direta ou por meio de terceiros, das obras públicas de interesse da prefeitura.

A discricionariedade administrativa tem levado os gestores a se acharem acima do bem e do mal, afastando-os da razão e da margem crítica da lei. A liberdade de ação foge aos limites impostos, e o autoritarismo supera o próprio ego dos administradores. Estão confundindo discricionariedade com arbitrariedade. Lamentavelmente.

As ditas obras de mobilidade para a Copa do Mundo, financiadas pelo PAC, por falta de competente planejamento, não ficaram prontas a tempo. Algumas nem sequer saíram do papel. Outras foram remendadas e porcamente terminadas. A tragédia em comento, bem como as demais mortes ocorridas em obras de estádios e o processo desumano de gentrificação, pelo qual os moradores são expulsos de seus habitats tradicionais, demonstra claramente o descaso do poder público no trato das questões de interesse social.

Ao tempo em que a sociedade se coloca de luto e se solidariza com os familiares dos atingidos pela tragédia, ressurge no horizonte a cobrança de meados do ano passado, quando manifestantes pediram encarecidamente por obras, hospitais, educação, transporte, estradas e segurança nos padrões da Fifa. No entanto, os ocupantes da tríade governamental fizeram ouvidos moucos e tocaram a vida política como de praxe, longe dos requerimentos do povo. A arrogância e o descaso somam-se ao superfaturamento e ao desperdício de dinheiro público, pouco ou nada controlados pelo Tribunal de Contas ou pelo Legislativo, ambos, aliás, também distantes dos recorrentes pedidos de socorro da sociedade.

A tragédia que arrebata vidas não se pode acobertar, esquecer ou tirar simplesmente como lição. Há que se apurar as falhas e punir os culpados. Tornar aos cofres o dinheiro público desperdiçado. Pedir perdão, de joelhos, aos familiares que perderam os seus entes queridos. Indenizar a todos. Corrigir os erros e não praticá-los nunca mais. Esses, no mínimo, os gestos esperados das autoridades.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG). 

(Este artigo mereceu publicação do jornal O TEMPO, edição de quarta-feira, 30/07/2014, pág. 21). 

Comentários

  1. CONCORDO em gênero, número e grau com o texto. O poder público precisa trabalhar mais para a segurança dos cidadãos, em todos os sentidos. As pessoas não podem ficar à mercê do acaso. Os políticos precisam mostrar a que vieram, sem desculpas. E que assumam as suas responsabilidades dos cargos bem remunerados. Parabéns Dr. Wilson pelo excelente texto. Josafá F. Medeiros Neto.

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