VOLTEMOS À REALIDADE.

Passados os alvoroços fugazes de início dos jogos da Copa do Mundo de 2014, suportados os placares pouco convincentes da nossa seleção até as quartas de final e amargados o 7x1 da Alemanha sobre o Brasil na semifinal, resta à sociedade voltar à realidade, à vida normal, e começar a exigir dos governantes a prestação de serviço público com qualidade, tanto nos setores de saúde, educação, transporte, moradia, emprego e segurança, quanto nos demais alinhados pelos direitos sociais, na formalidade do disposto no Art. 6º da Constituição.

O custo de mais de R$25 bilhões com reformas e construções de arenas (nome estranho para estádios de futebol), precisa trazer para a coletividade um mínimo de satisfação, embora seja impossível imaginar isso, porquanto o excessivo desperdício de dinheiro público, que poderia ter sido aplicado em outras áreas mais carentes e de maior urgência social, como: na ampliação, na construção, na recuperação, na estruturação e na modernização de hospitais, estradas e escolas, além de investimentos em energias renováveis, em tecnologias, em pesquisas, em defesa nacional, em inclusão social etc.  

Ninguém aguenta mais a inércia, a negligência e a ineficiência dos poderes públicos, quando se trata de benefícios para a população, que, quase sempre, se coloca de pires na mão a pedir por um pouco de verba para as áreas mais necessitadas, como as citadas acima. Ora, isso já passou dos limites e o basta tem de ser agora, antes das eleições ou durante a realização delas. O momento é este, quando se definirá um novo quadro político no país. Ademais, quem paga a pesada carga tributária é o contribuinte, ou seja, o povo brasileiro. Daí a legitimidade para a defesa de investimentos robustos nas áreas sociais e não esquecendo da proteção e preservação do meio ambiente, haja vista a emergente vinculação deste com a qualidade de vida das gerações presentes e futuras. 

Um país desgovernado não interessa às pessoas de bem. Faz-se necessário, portanto, o despertar das consciências éticas a pensarem uma nação grande em todos os bons sentidos, não se admitindo, contudo, que as manifestações cívicas e ordeiras sejam sufocadas pela repressão policial. A controvérsia, o descontentamento e o diálogo fazem parte da democracia e, por conseguinte, traduzem-se em possibilidades no campo das ideias. A sociedade tem de ser pensada e planejada com a oitiva dos próprios cidadãos, uma vez que eles conhecem muito bem os pontos fortes e fracos na relação povo-governo, mas precisam de maiores esclarecimentos sobre os seus direitos e deveres, simultaneamente.  

A "Copa das Copas" não deixou os legados prometidos, com exceção dos parcos valores conseguidos pelo turismo. A maioria dos setores ficou apenas na expectativa. Muito oba-oba sem retorno efetivo. Os preços praticados impactaram de certa forma a vida dos nacionais e dos estrangeiros e, por tabela, fizeram a inflação crescer e aparecer, trazendo de volta o assombro do dragão consumidor de salário e de renda.

Depois da ressaca da vexaminosa demonstração de que nem mesmo o nosso futebol se sobressai, resta-nos a certeza de que a crise, além de outros males, é de confiança. Os políticos sairam de seus gabinetes e adentraram o circo, montado para enganar o povo. Mas, como toda mentira, teve vida curta, e a verdade veio à tona, jogando para cima do povo a inflação, os péssimos serviços públicos, o crescimento pífio da economia, os aumentos generalizados e a sorrateira corrupção. A política, por esse viés insistente, desperta a descrença, a indiferença e a vaia dos populares.

No futebol e na política, os desacertos foram parecidos. A mágica da presunção sumiu. A realidade é outra. Os legados foram de dor e de tristeza em muitos casos. Desde a queda do viaduto em Belo Horizonte, com mortos e feridos, as também lamentáveis perdas de vidas nas construções das arenas e a gentrificação imposta aos moradores tradicionais, com a expulsão deles para a periferia, o que mais se ouviu país afora foram frases feitas e infelizes que, via de regra, remetem ao mesmo dissabor, como a dita por Felipão, segundo divulgado na imprensa: "Gostou, gostou; não gostou, vai para o inferno". No mínimo, indesculpável.

Para aumentar ainda mais a justificativa das vaias, corre, paralelamente a tudo isso, a ação dos cambistas e gangues, com envolvimento direto de um funcionário da Fifa, ou seja, os padrões da entidade não são tão exemplares assim. O circo, mesmo antes de ser desarmado, já dá mostras de sua estrutura frágil, feita para durar alguns dias, mas incapaz de suportar  o sobrepeso do controle social e da cobrança do povo.

Voltemos à realidade, urgentemente. A vida segue e, com ela, as garantias necessárias, mormente no que diz respeito àquelas que dependem da atuação política. As eleições estão chegando e a escolha tem de ser consciente, pensada, debatida, idealizada e na medida certa da razão, acima da emoção. Eleições limpas, com candidatos fichas limpas. Melhor sorte ao povo e ao país, ambos indivisíveis e esperançosos por dias melhores.

Wilson Campos (Advogado/Presidente da Comissão de Defesa da Cidadania e dos Interesses Coletivos da Sociedade, da OAB/MG). 

(Este artigo mereceu publicação do jornal "ESTADO DE MINAS", edição de 15/07/2014, terça-feira, pág. 7).     

Comentários

  1. Concordo com a totalidade do artigo, que se presta a chamar à realidade um país que volta e meia dorme em berço esplêndido, apesar dos infortúnios do povo. Que tal 25 bilhões agora para construir hospitais e remunerar melhor os professores, para que tenhamos uma sociedade mais sadia e mais educada no futuro? Vale o título para que voltemos à realidade, porque apenas assim acordaremos antes das eleições e não elegeremos qualquer um para dirigir os destinos deste pobre país. Vamos à luta, Dr. Wilson. Parabéns pelo maravilhoso artigo, digno de um editorial. Agradecidamente. Milena T. U. Mascarenhas.

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